Baseada nos livros de Ulisses Campbell, a série dirigida por Vera Egito transforma o presídio dos famosos em um espelho desconfortável da nossa própria humanidade

Até que ponto a gente deve romantizar crimes ou seus executores? Essa é uma pergunta que volta e meia me vem à cabeça quando assisto a uma série de true crime, e Tremembé me fez pensar nisso o tempo todo. A produção da Paranoid para o Amazon MGM Studios, dirigida por Vera Egito, parte dos relatos de Ulisses Campbell para criar um retrato onde a realidade se mistura à ficção de um jeito que confunde, provoca e, às vezes, dói.

Logo de cara, o que vemos é o cotidiano de um lugar que o Brasil inteiro aprendeu a reconhecer pelo noticiário, o presídio de Tremembé. Ali estão nomes que todo mundo já ouviu, de Suzane Richthofen e Elize Matsunaga a Roger Abdelmassih, os irmãos Cravinhos, o casal Nardoni e tantos outros. É curioso, porque a série não se limita a recontar crimes ou julgamentos, ela prefere mostrar o que vem depois, o dia a dia, os silêncios, os olhares de quem agora divide o mesmo espaço e carrega o peso das próprias escolhas.

Série Original Amazon Tremembé, baseada em histórias reais da penitenciária famosa
Tremembé retratará as trajetórias de encarcerados como Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos. Foto: Divulgação

Entre o real e o desconforto

Confesso que o primeiro episódio me deixou desconfiado. Achei rápido demais, quase atropelado, como se o roteiro tivesse pressa em apresentar todo mundo. Mas, a partir do segundo episódio, a narrativa encontra seu ritmo. O foco, claro, é Suzane e Elize, já que a história nasce dos livros de Campbell, mas há espaço para outras vozes, especialmente Cristian Cravinhos e Sandrão, que ganham momentos interessantes.

Mesmo assim, em alguns pontos, a série tropeça. Ela mergulha fundo em pequenas histórias e deixa outras pela metade. A trajetória da Suzane, por exemplo, parece fragmentada, às vezes até caricatural. Mas, se você conseguir esquecer que está vendo algo baseado em fatos reais, Tremembé é uma excelente série. Um entretenimento sólido, instigante, que te faz criar empatia pelos personagens e, ao mesmo tempo, te lembra que não deveria. Esse conflito interno, gostar de quem você sabe que não pode, é o que mais me prendeu.

Visualmente, a série é impecável. A fotografia é linda, a direção da Vera Egito é precisa e delicada. Gosto de como ela constrói os olhares, os pontos de vista, o modo como a câmera circula pelos corredores do presídio sem cair no sensacionalismo. A trilha sonora também me chamou atenção. É ótima, mas em alguns momentos parece destoar da dureza do que vemos. Talvez porque música, por natureza, nos leve para lugares imaginários, e a série insiste em nos lembrar que aqui tudo é real. É um contraste que incomoda, e esse incômodo é justamente o que mantém a série viva.

Humanidade, culpa e o espelho da prisão

Há ainda uma crítica interessante ao sistema prisional e à justiça brasileira. Ela está lá, mas é tímida. Poderia ser mais contundente, principalmente quando toca na corrupção carcerária e na facilidade com que alguns conseguem manipular o sistema a seu favor. Ainda assim, funciona.

No elenco, todo mundo entrega bem. Marina Ruy Barbosa faz uma Suzane assustadoramente fria. Bianca Comparato está ótima como Anna Jatobá, e Carol Garcia traz uma Elize mais contida, quase vulnerável. Mas o destaque pra mim é Letícia Rodrigues, que dá vida à Sandrão, uma personagem fortíssima, interpretada com uma presença impressionante. Felipe Simas também está bem, embora eu tenha sentido falta de mais espaço para o Daniel Cravinhos crescer dentro da trama.

No começo, confesso que temi estar diante de um entretenimento barato, feito só para atrair likes e audiência. Mas Tremembé não é isso. A série entrega mais do que o esperado e, de certa forma, respeita o espectador. Ainda assim, me peguei o tempo todo pensando, será que deveríamos continuar dando palco para essas histórias? Relembrar crimes que ainda ferem famílias, que ainda doem em gente viva? É um dilema inevitável. Mas, ao mesmo tempo, talvez essa seja justamente a função do true crime, lembrar o que preferiríamos esquecer.

Porque o que Tremembé mostra, acima de tudo, é que esses criminosos eram pessoas comuns. Gente que convivia com vizinhos, familiares, colegas de trabalho. E é isso que assusta, a ideia de que o mal pode se esconder atrás de uma vida normal.

Vale a pena assistir?

No fim, a minha régua é simples, se uma série me prende, é porque algo nela funciona. E me prendeu. Assisti um episódio atrás do outro, curioso pelo desenrolar. O problema é que o último episódio quebra esse encanto. O desfecho é confuso, decepcionante e me deixou frustrado com a diretora. Não entendi aonde ela quis chegar, e, a menos que já exista uma segunda temporada planejada, o final simplesmente não faz sentido.

Mesmo assim, essa é uma série que vale ser vista. É provocante, bonita e incômoda. Vai dividir opiniões, claro. Muitos vão achar o ritmo arrastado, outros vão se incomodar com a humanização dos criminosos. Mas, pra mim, o mérito está justamente aí, em fazer a gente pensar, sentir e questionar. No fim das contas, Tremembé é menos sobre prisão e mais sobre a condição humana. E isso é o que a torna tão difícil de esquecer.