Andrey Jandson é o autor piauiense por trás da obra “Beija-Flor de Concreto“. No livro de contos, ele apresenta personagens que vivem uma realidade única e desafiadora no Nordeste. Dividido em três partes, o livro é uma verdadeira carta de amor a essa região tão bela, mas muitas vezes negligenciada, do nosso país. Tivemos o prazer de conversar com o autor e entender o processo que deu origem a essa obra.

Confira a entrevista com Andrey Jandson

O que te levou a escrever esse livro?

O livro surgiu do conto que dá nome ao livro. Escrevi ele num impulso, no computador da biblioteca da ETDUFPA. Percebi que esse conto dava margem para outras histórias, e comecei a buscá-las. Passei parte da quarentena no interior do Piauí, em Francisco Santos, então eu tive o desejo de capturar um pouco o clima desse lugar, as histórias que eu ouvia, o modo que as pessoas se relacionam lá, o humor. No meio disso também tem o desafio que você se dá, aquele desejo de escritor mesmo, de “quero escrever meu primeiro livro”, “quero ser lido”. Pensar ser capaz disso.

O livro é divido em três partes, como elas se conectam?

O livro tem uma linha de raciocínio nas temáticas, no espaço e em alguns símbolos: a geografia nordestina, os temas de transformação, de construção da masculinidade, a presença do azul, os pássaros, as crianças, a água, o realismo mágico… Gosto que tenha muito azul e muita água para pensar a geografia nordestina de outras formas além da secura. O Piauí tem um bioma extremamente rico. Quando eu escrevi não estava pensando nas três partes em si, isso só veio quando tive que decidir a ordem dos contos, pensei em várias formas de organizar. Hoje parece óbvio, mas eu mal tinha me tocado de que a tetralogia das aves estava lá na minha frente.

Beija-Flor de Concreto

Como foi o processo de escrita?

Escrevi parte no Pará, parte no Piauí. Eu aprendi a ter mais disciplina na escrita, desenvolvi um pouco o que chamo hoje de “poética dos cristais”, que é uma metodologia de escrita a partir de capturas do cotidiano, e passei horas e dias imerso na escrita.
Hoje percebo que acabou sendo uma forma de escapismo dos sentimentos da pandemia. Talvez isso se reflita um pouco num conto muito singelo, um voo de sobrevivência, porque todos estávamos pensando muito na sobrevivência do mundo naquele momento. Acabou sendo um ciclo completo, começou numa biblioteca de uma universidade em Belém, onde eu estava tentando construir uma vida adulta, passou pelo meu antigo quarto de adolescente em Altamira, e terminou em manhãs e tardes debaixo de um pé de umbu, na casa onde passei a infância no Piauí.

O conto do pássaro azul é o meu preferido e não podia deixar de perguntar: como foi o processo de criação desse conto?

Tenho alguns queridinhos, mas acho que “o pássaro azul de céu” é meu filho preferido. Se fosse um top 5 eu colocaria junto com beija flor de concreto, a maior queda, a fecundação de rosa capeta e Pedro e Joaquim. Acho que esse é o conto que de certa forma reúne tudo o que tem nos outros, é o que mais deu trabalho. No começo do processo eu escrevia várias ideias e sinopses, a inicial desse conto era “Por causa de uma promessa não cumprida, um menino ao atingir 18 anos é transformado em um pássaro por causa de uma feiticeira da floresta.” Teve muitas mudanças, por exemplo, no rascunho inicial a feiticeira era bem diferente, não mudava de forma,

Tem a presença muito forte do avô, que é uma grande figura de afeto. Inclusive colocar água para os pássaros era algo que meu avô fazia. Ele sabia identificar o canto dos pássaros da região. O meu avô é uma presença curiosa na minha arte, porque ele surge muitas vezes de forma inconsciente. Uma vez fiz um papel numa peça como ator, era um lenhador, e logo depois minha mãe me mandou um vídeo que fizeram do meu avô cortando lenha: minha corporeidade era igualzinha a dele. Fiz sem notar.
O filósofo Gilles Deleuze tem esse conceito de “intercessores”, que é mais ou menos pensar como os encontros da vida se manifestam na sua criação, as inspirações, as pessoas, o espaço, os bichos… dessa forma, acaba que nessa concepção, você não escreve sozinho, mas sempre com a presença dessas influências.

Literatura nacional

Como é ser escritor no Brasil?

Eu sou nordestino e moro no Norte do Brasil, radicado no Pará basicamente, então é uma vivência bem específica. O Brasil é imenso, chega a ser assustador. Em Belém, que é onde vivo, a vida de um artista independente é um corre, você tem que estar em movimento o tempo todo pra sobreviver. Por exemplo, ano passado eu entrei no mestrado crente de que receberia uma bolsa, e ninguém da minha turma recebeu, por questões de organizações internas. Isso desestabilizou a todos esses artistas-pesquisadores.

Desde então creio que tem sido uma descida ao inferno para todos, a mínima estabilidade almejada não veio, e sendo assim, você sempre se divide em 5 pra dar conta de tudo. Um amigo meu, o Matheus Aguiar, que é escritor e parte do movimento Noite Suja, me disse uma vez algo que resume bem: “10% do meu tempo é de escrita, os outros 90% é no corre“. Isso acaba te roubando tempo pra dedicar a escrita. Antes de lançar o livro, quando ainda era um rascunho, pouquíssimas pessoas davam confiança de que isso ia dar em algo, é uma coisa que você percebe no olhar, então você tem que se segurar na sua própria autoconfiança.

Eu sinceramente até compreendo essa desconfiança, apesar de achar que as pessoas tendem a ser um pouco rudes com artistas iniciantes ou independentes. Eu sei que esse sentimento é compartilhado entre vários artistas daqui, de várias áreas. É importante continuar fazendo e aproveitando os bons momentos quando eles vêm.

Você sente que o mercado está aberto a novos escritores?

Creio que depende de onde ele está localizado no mapa do Brasil. Mesmo assim, de modo geral, vejo que muitos escritores contemporâneos estão fazendo nome, muita gente realmente talentosa, e sendo lidos, isso é bom. Dá uma certa esperança de que você vai ser lido também, e desejo de continuar fazendo.

Para você, o processo de publicação foi como o esperado? Levou muito tempo?

Eu estava no processo de edição de dois livros, meus dois primeiros, um deles com uma editora, e um deles independente, por edital. Com a Tato Literário foi tranquilo, me deram muita liberdade de escolher o ilustrador, a capa, e até arranjaram verba pra ilustrações que nem estavam previstas. Sempre agradeço a confiança deles de ver algum potencial no meu livro. Como eu sou o editor do meu outro livro, entendo que ocorrem atrasos, imprevistos, isso é normal.

Você tem planos para novas obras?

Sim, meu segundo livro se chama “Inquilino”, e também foi base de um média-metragem que dirigi junto do Tarcísio Gabriel. Tanto o livro quanto o filme saem esse ano. Ultimamente, tenho trabalhado num argumento de roteiro em parceria com o Coletivo Noite Suja, e num novo livro que estou gostando muito de escrever.

O que você diria para um escritor iniciante?

Eu diria pra ser paciente e resiliente. É o que eu tento.

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