De Minas Gerais para a história da literatura brasileira, Drummond é celebrado junto com a poesia em data comemorativa
Nesta sexta-feira, 31 de outubro, o Brasil comemora o Dia Nacional da Poesia. Neste ano a data completa 10 anos desde que foi oficializada pela presidente Dilma Rousseff, na Lei 13.131/2015. Além disso, o dia escolhido também celebra o aniversário de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas do Brasil.
O então senador, Álvaro Dias (PSDB/PR), foi o responsável por elaborar a proposta. Na ocasião, argumentou que:
“A obra de Drummond continua a influenciar poetas e práticas de ensino e aprendizagem da poesia, seduzindo novos leitores a cada dia. Por isso, um dia dedicado à poesia que também homenageie o poeta poderá marcar ainda mais o amor dos brasileiros pela poesia”
Sendo assim, a data não só homenageia o grande autor, como também homenageia a força da palavra poética.
O gauche que se tornou símbolo nacional da literatura

Crédito: Marcel Gautherot/Acervo IMS
A palavra “gauche” é de origem francesa, e significa “desajeitado”, “estranho” ou alguém que não é habilidoso com as relações sociais. Na poesia drummondiana, o autor se reconhece como um sujeito gauche, assim como o próprio cita em seu famoso poema “Sete Faces“.
Nos primeiros versos, Carlos Drummond de Andrade se coloca como alguém que não consegue se encaixar socialmente, atribuindo o sentimento à solidão. O tema é muito presente na poética do autor em outras obras também.
“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
É assim, com seu jeito intimista e sensível, que Drummond conquista corações até os dias atuais. Nascido em Minas Gerais (1902), o autor se destacou por apresentar uma literatura que não só embeleza o cotidiano, mas também apresenta uma escrita marcada por ironia e humor. Ao longo de sua vida, publicou contos, poemas, crônicas e literatura infantojuvenil. Além disso, se dedicou como redator e redator-chefe do Diário de Minas.
Sua “fase gauche” marca o inicio de sua carreira na literatura brasileira. Próximo ao Modernismo de 1920, Carlos Drummond de Andrade explora uma linguagem sintética e irônica, formatos que tornaram sua poesia conhecida e única. Assim nasceu seu primeiro livro “Alguma Poesia”, em 1930:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
(No meio do caminho, presente no livro “Alguma Poesia”)
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O espelho do Brasil

Crédito: Evandro Teixeira/Acervo IMS
Além de ser conhecido por sua sensibilidade em versos, Carlos Drummond de Andrade também documentou em sua literatura as transformações que o Brasil passou. Sua poesia atravessou momentos marcantes na política mundial e brasileira, como os anos de ascensão do nazifascismo durante a Segunda Guerra, a Era Vargas e a ditadura militar.
Em suas obras Sentimento do Mundo (1940) e A Rosa do Povo (1945), por exemplo, o poeta aborda a solidão e a guerra, mas também a esperança de dias melhores. Dessa forma, Drummond questionava tanto o país quanto o próprio ser humano, sempre em busca de sentido em meio ao caos.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
(Trecho de “Mãos dadas”, presente em Sentimento do Mundo)
Durante os anos seguintes, o autor mineiro transformou sua poesia em uma maneira de denunciar e protestar contra o período em que estava vivendo. Além disso, explorava a injustiça e a opressão que a sociedade vivia na época. Ainda assim, seus versos continuaram apresentando o humor já conhecido pelos seus leitores, e levava um pouco de esperança nas palavras, apesar da melancolia.
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
que se esfacelou na asa do avião.
(Trecho de “Confissão”, 1951)
O legado de poetizar o Brasil
O gauche contou aos seus leitores que o silêncio pode ser tão eloquente quanto as palavras, assim como compartilhou grandes fofocas sobre como João amava Teresa que amava Raimundo.
Carlos Drummond de Andrade ensinou a enxergar poesia onde menos se espera. Seja no cotidiano, em momentos de melancolia ou para se posicionar politicamente. A poesia drummondiana é rica e reúne uma coletânea de versos que traduzem não só a história do Brasil, mas também costumes diários e o sentimento de ser brasileiro.
Em 1986, aos 84 anos, o poeta faleceu de insuficiência respiratória. Hoje, data em que estaria completando 123 anos, seus versos seguem vivos, atuais e continuam a poetizar o Brasil.
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
– Carlos Drummond de Andrade
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Imagem de capa: Reprodução