Um incêndio real, na grande Paris de 1897. Um bazar de caridade em chamas e 129 vidas, em sua maioria mulheres da alta aristocracia, perdidas. A série embasa o desenrolar da vida de três mulheres fictícias na tragédia verdadeira. Tais mulheres possuem realidades e dificuldades distintas, mas são ligadas de alguma forma.
Adrienne Lenverpré (Audrey Fleurot) é casada com um homem de muita influência, Um senador, Marc-Antoine de Lenverpré (Gilbert Melki), com o qual se casou por amor quando nova. O relacionamento, porém, mostrou-se um infortúnio, visto que o marido era autoritário, possessivo e violento. Os dois têm uma filha juntos, cujo pai envia ao internato de surpresa, em uma artimanha para manter a esposa cativa.
Alice de Jeansin (Camille Lou) é sobrinha de Adrienne, e uma jovem cheia de vida, pensamentos liberais, progressistas, com um pai que, até então, apoia o posicionamento e a defesa de opinião. Alice tem um noivo, Julien de La Ferté (Théo Fernandez), com o qual namora há bastante tempo e que concordou em casar com ela, apesar de a mesma não ter dotes por conta da falência de sua família.
Rose Rivière (Julie de Bona) é empregada da família De Jeansin, trabalha há mais de dez anos para Alice e ambas são muito amigas. Rose é casada com Jean Rivière (Aurélien Wiik), com quem combina viajar para os Estados Unidos e começar uma nova vida, onde não serão criados.
Mas o incêndio muda tudo. Tal tragédia desmancha os devaneios juvenis de progresso e moral e revela atitudes animalescas que buscam nada além da auto preservação. Os homens mais ricos, tidos como instruídos, educados, pisotearam as mulheres e quem quer que fossem que estivessem em seu caminho. Os empregados, serventes do evento, ajudaram todos que puderam. O desespero era pulsante, mesmo em uma representação teatral, como a série. Aquelas pessoas, que o viveram de fato, e sobreviveram, tiveram suas vidas marcadas de forma permanente. O fogo não fez distinções, apenas queimou.
É uma série forte, tocante. Um evento assim não tem prevenção, pode acometer qualquer um, e o que as três protagonistas vivem também não foge à realidade. Naquela época, e em alguns casos ainda hoje, um divórcio é possível, mas não é bem visto pela sociedade ou aceito pelo cônjuge, muitas vezes levando a ameaças, morte. E, claro, o fato de que não se conhece ninguém verdadeiramente, o que pode soar melancólico. Mas, pense: uma pessoa é feita de muitos modos e comportamentos, vive muitas situações e adequa suas respostas, suas atitudes, de acordo com o que lhe foi ensinado, sua consciência moral. Se não é possível ver todas essas modificações naturais e controladas de um mesmo ser, quem dirá as respostas instintivas. Aquelas respostas que acontecem apenas uma vez, em uma situação inusitada, sem possibilidade de reprodução. Algo que atente à vida, como o incêndio, pode revelar uma preocupação consigo mesmo acima de tudo e qualquer coisa, ou um amor puro e verdadeiro por outra pessoa, um cuidado.
O que eu acredito que pode ser muito notado nessa série e utilizado para uma reflexão mais profunda sobre nós mesmos é a busca por ser. O que te define como ser? Você se sente “sendo” quando você conquista algo material ou quando você alcança um entendimento, ou ambos? Marc-Antoine é rico e controla muitas pessoas por seus podres, mas continua querendo mais, mais riqueza, mais pessoas aos seus pés. Thomas vive nas ruas e fica feliz em ajudar a mulher simpática que sempre compra seu jornal. Adrienne quer ser livre de seu marido e viver com sua filha. São muitas formas de ser, ou melhor, de se reconhecer como “sendo”. As classes, as regras, os julgamentos, são limitantes de “época”, uma tentativa ultrapassada de tentar criterizar e valorizar determinadas possibilidades de ser por uma dificuldade de escolha, uma dificuldade em ser livre. Acho que podemos nos perguntar: Como posso ser quem sou e ainda não me permiti ser?
Sinopse de Chamas do destino na Netflix: “Depois de um terrível incêndio em Paris, em 1897, a vida de três mulheres sofre reviravoltas com traições, mentiras e conflitos amorosos. Inspirada em fatos reais.”