Cinefantasy traz destaque ao cinema fantástico com exibições inéditas de filmes nacionais e internacionais

A 16ª edição do Festival Internacional de Cinema Fantástico começa nesta terça-feira (2) no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Assim, com entrada franca, o evento produzido pela Fly Cow Produções exibirá centenas de filmes inéditos no Brasil durante 30 sessões. Logo, a programação se estenderá por duas semanas até o dia 14 de setembro.

O ‘Cinefantasy’ é um dos mais respeitados festivais do gênero na América Latina. Sendo assim, o evento é membro fundador da FANTLATAM e da ABRAFAN. Além da programação gratuita realizada no Centro Cultural São Paulo, o festival também exibirá filmes na plataforma Darkflix, parceira desta edição.

Em entrevista exclusiva, Eduardo Santana, diretor e idealizador do ‘Cinefantasy’, conversou com o Geekpop News e falou sobre a trajetória do festival, o momento atual e sua visão sobre o cinema fantástico nacional e internacional.

Dessa forma, Santana também relembra o início do festival e como foi conviver com José Mojica Marins, o Zé do Caixão. O cineasta dá nome ao troféu que as obras premiadas durante a mostra recebem, desde 2019. Portanto, o brasileiro será mais uma vez homenageado nesta edição.

O Cinefantasy chega à sua 16ª edição. Na sua visão, o que mudou na relação do público brasileiro com o cinema fantástico desde a primeira edição até hoje?

“Eu comecei o Cinefantasy, para falar a verdade, em 2004. Ainda na faculdade, pensando justamente em o que era cinema fantástico no Brasil. Não tínhamos CCXP, não tinha nada do fantástico. Tinha algumas mostras, acho que tinha o Anime Friends, mas não era nem esse o nome. Era bem de gueto, uma coisa com pouquíssimas pessoas e até hoje. As pessoas gostam do cinema fantástico, mas não sabem o que é. Então, quando eu criei o Cinefantasy foi justamente para isso, desmistificar o cinema fantástico. Desmistificar que não é só o ‘Sexta-feira 13’, como a maioria pensava na época, ou ‘Os Jogos Vorazes’, um pouco mais adiante. E não, o cinema fantástica tinham centenas de filmes que todo mundo já assistiu ‘Tubarão’, ‘O Estranho no Ninho’.

Você tinha já um série de filmes e ninguém falava que aquilo era fantástico. Então, fazer o Cinefantasy, pensar em 2004, começar o festival em 2006. Ele começa lá na cidade de Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, ainda como Mostra de Curtas-metragens de Cinema Fantástico em Ilha Comprida. Esse foi o primeiro nome do Cinefantasy. Fiz a primeira edição lá e a segunda. Nessas duas edições, recebemos menos de 100 filmes e acontecia em um final de semana, em um espaço cultural com apoio da prefeitura. Foi muito bacana. E aí veio a ideia de trazer para São Paulo porque eu morava aqui, eu sou de São Paulo. Acabei apresentando o projeto pro Centro Cultural São Paulo e bingo! Deu super certo. Não só o CCSP abriu os braços como a Biblioteca Viriato Corrêa, que naquela época tinha um projeto de bibliotecas temáticas, e eles eram a biblioteca da literatura fantástica. Então, nós inauguramos A Viriato Corrêa com o Cinefantasy.

E ai fui para a Roberto Santos, lá no Ipiranga, que é uma biblioteca de cinema. Nesse mesmo ano, entrei no Cinefavela, em Heliópolis, com uma parceria muito bacana, oferecendo cinema, pipoca e refrigerante para a criançada. Os filmes tinham classificação livre, mas eram super assustadores para dar grito. Então, era uma plateia só de crianças, gritando o tempo todo nos filmes brasileiros. Foi muito bacana essa trajetória de 2006, depois 2008. Em 2011, o festival teve uma oportunidade gigante de trazer o Ruggero Deodato, o mestre do ‘Canibal Holocausto’ pela primeira vez no Brasil. O Ruggero veio para o Cinefantasy e foi um sucesso. Nós fizemos o ‘Dia D’ de Deodato, então exibimos três longas e um bate-papo com ele. Ele ficou aqui em São Paulo durante cinco dias e foi muito, muito bacana.

A partir disso, teve uma pausa o festival de 2011 até 2016. Quando ele volta em 2016, o fantástico já está na moda. Você já tem o pessoal do cosplay, já tem a maior feira geek do mundo aqui em São Paulo fazendo um ‘boom’. E o Cinefantasy vem para somar, continuar esse trabalho lá de 2004 com 2016. Eu falo que o festival tem uma diferença bem bacana que ele reconhece alguns momentos. Nós reconhecemos a Espanha como grande polo de cinema fantástico mundial. Primeiro porque tem mais de dez festivais de cinema fantástico na Espanha, é um absurdo. Nós temos o SITGES, mas tem outros festivais lá. Por isso, o festival (Cinefantasy) tem uma mostra especial só para a Espanha, que é a ‘Espanha Fantástica’. Hoje, nós criamos para essa edição o ‘AI’, que está tão na moda, que é a Inteligência Artificial. Recebemos bastante curtas e fizemos uma mostra.

Se pegar uma linha histórica de 2004 a 2025, é um mundo. Porque a gente exibia filmes em película de 35mm, a gente exibia filmes em Ilha Comprida em DVD e hoje nós exibimos filmes em DCP. O mundo mudou muito, então tem o avanço histórico. Tem gente que acompanha o festival desde a segunda edição. Então, eu acho que o Cinefantasy tem um histórico muito grande com o Brasil no gênero fantástico, principalmente no audiovisual.”

Você disse que o festival é “um portal para outros mundos e laboratórios para experimentar o impossível”. De que forma essa edição traduz esse conceito na prática?

“Muita gente fala ‘o que que é o fantástico, né?’. Eu lembro que o meu TCC foi sobre ‘Cinema Fantástico: além do túmulo do Zé do Caixão’. Então, eu brincava que todo mundo falava que o cinema fantástico era só o José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Não, nós sempre tivemos cineastas fantásticos, tem o Walter Hugo Khouri que está ai. Nós homenageamos o Neville d’Almeida. Eu falo que o Neville é um cineasta super fantástico.

O fantástico é tudo aquilo que tira o real e deixa dúvida se existe ou não. Então, no momento em que você cria essa possibilidade da imaginação, que você cria um momento de ‘e agora, o que é isso?’, isso é fantástico. E o Cinefantasy nesses 110 filmes, dividido em 30 sessões, eu acho que nós estamos não só abrindo a porta do armário do Lewis, de Alice no País das Maravilhas, caindo no buraco, entrando em espaçonaves, tem possibilidade de tudo.

Tudo é possível. É um festival em que cada sessão, cada mostra, ela tem um diferencial, tem uma potência tão absurda porque o Cinefantasy não é feito por um ou dois curadores. São doze curadores, nós tivemos doze curadores para fazer o festival esse ano. E aí quando eu falo que existe esse grande mundo porque é mesmo.

Vou até citar alguns filmes da programação, dar alguns spoilers que eu acho que são importantes. No próprio Inteligência Artificial, tem um filme que é ‘Dark, Light, Yellow’. Esse filme vocês vão assistir e ficar bobo. Porque as referências do filme têm de tudo, ele passa de momento histórico a Mickey Mouse, é por isso que abre as portas.

Isso que eu gosto do cinema fantástico, você sai um pouco da realidade tão triste em que vivemos, você esquece um pouco das guerras, das crises econômicas, das raivas, dos ódios que existem e fica mais livre um pouco, mais leve. E ao mesmo tempo, tem a crítica do cinema fantástico em cima disso. Na animação, nós temos ‘A Cerca’ que é uma animação justamente falando sobre a migração, sobre você não poder entrar no país. Será que existe alguma coisa parecida hoje?”

O festival traz estreias de filmes inéditos no Brasil e até première mundial, como ‘Quando o Sangue Flui’. Qual é o peso dessa aposta em novidades para a consolidação do Cinefantasy no circuito internacional?

Cinefantasy exibe Quando o Sangue Flui
Cena de ‘Quando o Sangue Flui’, filme estreia durante o evento // Crédito: Divulgação / Cinefantasy

“Eu vou falar do ‘Quando o Sangue Flui’. Uma produção do Rio de Janeiro, homenagem ao nosso tropicalismo, ao cinema marginal, à antropofagia. Essa dupla de diretores está bebendo de Osvaldo de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, novamente vou citar o meu mestre, Neville D’Almeida. Eles bebem de tudo isso e fazem uma crítica à sociedade burguesa carioca.

Então, dois garotos, acho que não têm 30 anos, fazendo um filme que com certeza vai fazer barulho em festivais, estreando no Cinefantasy. Eles queriam estrear no Cinefantasy. Foi muito engraçado quando nós quando nós mandamos o e-mail falando que estavam selecionados, eles davam gritos, ligaram dizendo ‘recebemos o e-mail, isso é verdade?’. E eu falei ‘não, é verdadeiro’. Estão tão felizes que está vindo o elenco inteiro. Está vindo elenco, diretor, produtor, todo mundo vem para cá. Quando você tem um festival com não só um, mas vários filmes estreando, você se sente muito feliz. Porque São Paulo é uma cidade que tem vários festivais com verbas, com patrocinadores, com anos de janela.

Eu falo que o cinema fantástico no Brasil é pequeno, nós temos pouquíssimos festivais de cinema fantástico e todos eles são pequenos. Desculpa os meus amigos que são idealizadores, mas somos pequenos perto dos outros festivais de cinema. Então, quando você tem uma produção escolhendo o seu festival para estrear isso é muito bom. Eu tenho o ‘Arrebol’, na Mostra de Horror, também com Aramis Trindade. Ele está estreando no Cinefantasy com duas produções inéditas, olha isso. Ele vai estar nos dias 6 e 7 de setembro.”

O Cinefantasy destaca categorias como “Afrofantástico”, “AI Fantástica” e “Queer Fantástico”. Como essas curadorias contribuem para ampliar a diversidade do gênero e do público?

16ª edição do Cinefantasy começa nesta terça-feira (2).
‘Até o Caroço’ será exibido na mostra Brasil Fantástico do ‘Cinefantasy’ // Crédito: Divulgação / Cinefantasy

“O cinema fantástico tem uma grande parcela de homens como diretores. Quando começamos lá atrás, 90% eram homens dirigindo filmes. Não só no Cinefantasy, como no cinema mundial, eram poucas mulheres na direção. Hoje você tem um bom número. Quando nós abrimos a Mostra ‘Diretoras Fantásticas’, recebemos 40 inscrições apenas. Nesta edição, recebemos 250 títulos dirigidos por mulheres. Não só em diretoras, como nas outras categorias também. Então, se pegar o Cinefantasy hoje, nós temos mulheres nas outras mostras também. O Queer também, foi criado pensando no LGBTQIA+ com a temática fantástica, nós fomos o primeiro festival de cinema de gênero a colocar essa temática.

Depois da gente veio SITGES, que é o nosso maior festival de cinema do mundo, que eles acabaram criando também uma categoria. E aqui na América Latina, nós somos membros fundadores da FANTLATAM, vários festivais acabaram incluindo a Queer e dos Povos Originários. Porque nem todos os países da América do Sul tem negros, mas tem os Povos Originários. Então, eles acabaram incluindo nos festivais deles. O Cinefantasy tem essa preocupação gigante não só com mulheres, negros, LGBTs, mas principalmente com a formação. Durante esses 19 anos, nós fizemos mais de 150 atividades formativas entre cursos, palestras e workshops. Então, é formar a partir da base, a partir de crianças, mostrando o cinema. O trabalho para poder levar o público para o cinema, você tem que começar com crianças. Não adianta apenas colocar um preço baixo e não ter divulgação.

Eu falo que é a formação do olhar, a difusão também é formação. É uma maneira que os governantes deveriam levar mais as escolas em espetáculos de teatro, cinemas, exposições porque você forma o olhar. Durante muito tempo eu trabalhei na gestão pública, então eu acredito muito na entrada franca. Eu acho importante, principalmente, quando é tão caro o preço de um ingresso de diversão em uma família que ganha um salário mínimo. Então, se você pensar que você vai no cinema, tem que pagar. Ainda tem pipoca, refrigerante, o transporte. Acaba ficando inviável para um família classe média baixa ou de baixa renda.

O Cinema é um luxo, Arte é um luxo, infelizmente. Existe lugares de graça, mas ainda não tem a divulgação. Acho que falta mais, não é só aquele canal da televisão que faz ali o horário nobre. Ele tem que mostrar que existe teatro, cinema e festivais. Porque o festival é tão difícil. É um ano fazendo. Eu estou fazendo festival desde novembro de 2024, para fazer durar duas semanas. E já estou pensando no de 2026 e o Cinefantasy sempre teve isso, de graça. Sempre de graça, não tem custo.”

Este ano, o festival acontece tanto no Centro Cultural São Paulo quanto online pela DarkFlix. O formato híbrido veio para ficar nas próximas edições?

“Eu falo que o cinema é uma experiência única. Você entrar em uma sala, ver aquela tela mágica, gigante, naquele escuro, não tem preço. Não reproduz isso em uma TV, no notebook ou na tela de um celular, mas nem sempre a pessoa está na cidade. O festival está em São Paulo, (…) eu estou em qualquer outro lugar do Brasil e queria assistir o Cinefantasy, como eu faço? Tem que assistir por uma parceira e aí quem vem a Darkflix. Ela veio somar com o festival.

A Darkflix é a única plataforma brasileira de cinema fantástico. Nós temos um trabalho ai muito forte, eu quero parabenizar o Ernani pela Darkflix, por investir no cinema fantástico. E eles estão a mil, receberam o festival e vamos exibir 92 títulos do Cinefantasy lá na plataforma, durante duas semanas totalmente de graça. (…) É uma tendência, sim, de ficar.

Eu acho que o festival para o ano que vem vai continuar nesse formato híbrido, não tem como. Mas a experiência da sala de cinema não tem preço. Eu falo que é totalmente diferente você assistir um filme na sala ou em casa, onde você dá o play e pausa, né?”

O Troféu José Mojica Marins homenageia uma figura marcante do cinema fantástico brasileiro. Que papel você acredita que o Brasil desempenha hoje no cenário internacional desse gênero?

“Falar em cinema fantástico no Brasil e não citar o senhor José Mojica Marins não existe. É impossível pensar no cinema fantástico e não falar do Zé. O Zé é o cinema fantástico. Eu tive a honra de conhecer ele em 1998. Eu fiz uma exibição de ‘À Meia-Noite Levarei Sua Alma’ em 35mm em uma tela enorme na praia. Uma exibição ao ar livre às 22h30 na praia, foi uma coisa linda. A partir daquele ano, de 98′ até a sua morte, eu convivi bastante com o Zé. Com ele e com os filhos.

Sou muito amigo da Lis Marins, minha companheira e parceira. Quando eu falei que ia substituir o troféu Corpo Seco, criado pelo Rodrigo Aragão, pelo José Mojica Marins, ele ainda estava vivo. Naquele situação, eu falei ‘Eu quero colocar no troféu o nome do seu pai, Lis’ e ela ficou super contente, chorou. Fomos lá, escaneamos a mão do Mojica e fizemos a mão como troféu, colocamos as unhas porque ele já não tinha mais, colocamos como símbolo.

Esse troféu é tão bacana que os cineastas, quando recebem, marcam, ficam doidos. Eu tenho um caso, de uma edição anterior que o Ulises Guzmán, um diretor mexicano, veio exibir um documentário sobre Alucardos (…) Ele queria porque queria conhecer o Mojica. Nossa, quando ele conheceu, esse cara abraçava, beijava e falava ‘mestre, mestre’. O Mojica era muito simpático com todo mundo, ele foi homenageado duas vezes no meu festival e eu falo que para mim ele é único.

Não existe ninguém que vai substituir. Toda hora aparece ‘o novo José Mojica Marins’. Não, ele é único. Só tem um José Mojica Marins. Você pode ter gente fazendo filmes de terror, mas o Mojica é único. Eu falo que ele é o responsável por ter Cinefantasy porque eu assisti o Mojica no Cine Band, na televisão, quando eu vi aquele cara de cartola, pensei ‘quem é esse cara?’. Criança ali, eu gostava daquilo. O meu super-herói era o Mojica. Não era o Superman, Homem Aranha, Capitão América, era o Mojica.”

Confira a entrevista completa com Eduardo Santana no YouTube

Por fim, o Festival Internacional de Cinema Fantástico acontece entre os dias 2 e 14 de setembro no Centro Cultural São Paulo.

Imagem de capa: Adaptação