Assim como no mundo dos esportes olímpicos, o mundo dos esports também possui extrema competitividade. Portanto, é comum que um competidor, por arrogância ou despreparo, utilize de meios desonestos para alcançar sua vitória. Enquanto as olimpíadas possuem os seus sistemas anti-doping, que detectam uso de drogas, os jogos eletrônicos possuem os anti-cheats. Esses sistemas são feitos para detectar qualquer alteração na arquitetura de um jogo, também conhecida como cheat

Existem cheats de diversos tipos e com formas variadas de funcionamento, desde os famosos wallhacks (onde o jogador enxegar por trás de paredes) e aimbots (auxílios de mira), até trapaças que aumentam o input lag (travamentos) do adversário. Dessa forma, o cheat afeta não só o gênero FPS e jogos online, como também qualquer forma competitiva de jogo.

Pode passar despercebido, mas a falta de um sistema anti-cheat pode matar qualquer jogo multiplayer. Imagine como seria um completo caos, se qualquer um pudesse mexer nos valores internos de qualquer jogo, desbalanceando todo o sistema de cooldown ou dano do próprio personagem?

Haveria alguém “xitado” a cada esquina, e por isso, ninguém jogaria um jogo quebrado. Muitos FPS dos anos 2000 tiveram seu triste fim por esse mesmo motivo. Quem não se lembra do famoso Point Blank? Ele explodiu de popularidade, mas caiu no esquecimento não só por sua monetização pay to win, como também pela enorme onda de hacks que infestavam todas as partidas. Essas falhas englobam ainda outros perigos, como acesso total ao seu ip ou dados pessoais de perfil. Estas fragilidades do sistema do jogo furam não só a barreira moral, como também atingem a criminalidade, descredibilizando totalmente a empresa responsável.

Medidas preventivas contra o cheat em jogos FPS

Na prática, os métodos para se combater os cheats vão muito além de “programinhas”. Existe todo um trabalho em conjunto de desenvolvedores e players, para lidar com tal problema. Você provavelmente já ouviu falar de ferramentas como BattleEye, Easy Anti-Cheat e o VAC (Valve Anti-Cheat). As políticas de uso e trabalho da própria comunidade, para se ter um multiplayer livre de trapaceiros são assuntos frequentes de discussão.

Curiosamente, o mercado de anti-cheats aumentou bastante após a pandemia. Isso porque, na época, todos os torneios não aconteciam de forma presencial, então se tornou comum pro-players competirem de suas casas. Dessa forma, era essencial a existência de programas que escaneassem o jogo, e enviassem as informações coletadas sem alterações, para quem administrava a competição.

Constantemente, jogos atualizam suas medidas de segurança para que cada vez mais jogadores tenham a noção de seus atos. Nem sempre uma trapaça é a partir de uma modificação externa, muitas vezes pode surgir a partir de um glitch (falha) ou mecânica que não teve revisão suficiente. Isso pode dar margem para trapaças de certa forma “legalizadas”. 

Outro elemento interessante é o sistema de revisão de replays, muito presente no CS (Counter-Strike), em que a própria comunidade pode analisar jogadores suspeitos , julgando-os como “inocentes” ou “culpados”. Isso mostra o quão importante é a disponibilidade de ferramentas por parte das empresas para que seus consumidores os ajudem a tornar o jogo melhor.

Foto: Andrew Bell

Punições

É importante notar que todos os jogos online possuem políticas de uso e termos de serviço que os jogadores devem concordar ao criar uma conta. Violar essas políticas pode resultar em punições. As empresas de jogos geralmente têm o direito de impor essas punições, principalmente quando se trata de algum campeonato. 

Assim como na legislação de um país, na qual existem punições mais leves ou mais pesadas para cada tipo de crime, no mundo dos games também existe essa balança. Suspensões temporárias, por exemplo, são utilizadas geralmente para quando o jogador comete algum vacilo, e não necessariamente “xitou”. 

Xingar o companheiro de equipe, sair no meio da partida, spam, uso de exploits, violação de direitos autorais, são algumas das causas do famoso ban temporário, variando de minutos até meses. Em casos mais graves como comercialização de contas, uso de bots, assédio, racismo ou uso de hacks, é comum o banimento permanente. Em alguns games essa punição é ainda mais severa, associando o ban não só a sua conta, como também ao seu ip. Ou seja, o jogador só poderá jogar o jogo novamente, caso monte um pc novo ou compre um novo console.

VAC

O VAC é um sistema automatizado usado pela empresa Valve a fim de prevenir que usuários maldosos realizem o uso de trapaça para obter vantagem sobre outros usuários nos jogos. Quando o jogador acessa os servidores do jogo em um computador que possui alguma ferramenta proibida no FPS competitivo, o VAC automaticamente suspende o acesso, mostrando a página de erro.

Todo o software executado por terceiros para a utilização de cheats funciona adulterando arquivos bases do jogo. Desse modo, as alterações são configuradas como cheats ou hacks, e recebem o banimento do jogador pelo VAC.

A forma utilizada para combate é o banimento, que pela VAC é irreversível. Portanto, caso o usuário seja banido no sistema Anti-Cheat da Valve, não tem nada que possa ser feito para reverter a decisão. Aliás, recorrer através do suporte da Steam não é uma opção, isso porque a plataforma não tem a autonomia para “desbanir” os usuários. Entretanto, isso não impede o jogador de acessar o jogo no modo online, pois a punição é válida apenas para os servidores protegidos pela Valve.

O Valve Anti-Cheats é usado por um determinado número de jogos que vai além do CS:GO, que tem o maior suporte de jogadores. Sendo assim, o VAC funciona em vários jogos disponíveis na plataforma Steam, como Dota 2, Team Fortress 2, Day Z, Rust, Left 4 Dead 2, Dying Ligth e ARK: Survival Evolved. Segundo a plataforma, é recomendável que o jogador utilize apenas computadores confiáveis para entrar em sua conta, evitando assim o banimento por um possível descuido.

Logo: Valve Anti-Cheat

Riot Vanguard

O Roit Vanguard é o sistema anti-cheats usado pela Riot Games, ele é uma plataforma de segurança personalizada que auxilia o Valorant a preservar a sua integridade competitiva contra usuários trapaceiros. O software foi criado pela própria Riot e é um dos programas anti-cheats mais eficazes no mundo dos games.

O Riot Vanguard funciona através de um sistema antifraude utilizando IA, além de um drive a nível kernel para impedir trapaças em Valorant. O Vanguard pode continuar em execução em segundo plano a qualquer hora, até mesmo quando o jogo não está sendo utilizado.

O sistema se conecta diretamente aos servidores Riot Games a fim de detectar quaisquer tipo de atividade suspeita presente no servidor. O método IA ajuda não só na investigação de possíveis cheats, como auxilia a Riot a descobrir outros tipos de trapaça que os jogadores inventarem.

Desse modo, ao detectar alguma atividade suspeita feita pelos seus usuários, a Riot manda o banimento aos jogadores, que pode durar de 90 a 120 dias ou até mesmo permanentemente. Algo bem diferente se compararmos ao VAC. Por fim, como o Riot Vanguard possui acesso direto aos PCs dos jogadores desonestos, ele automaticamente pode identificar o hardware e impedir a execução do jogo.

Riot Vanguard anti-cheat
Tela de detecção de cheater do Riot Vanguard / Reprodução: Valorant

BattlEye

O BattlEye Service é um software feito pela empresa BattlEye, que a princípio era um programa anti-cheat terceirizado no jogo Battlefield Vietnam. É um dos softwares mais comuns para combater usuários trapaceiros nos jogos onlines, como hacks e cheats.

O BattlEye vem juntamente com os arquivos dos jogos aos quais ele oferece suporte, portanto não é preciso que o usuário baixe o BattlEye Service no site da empresa. O software funciona quando o jogo está rodando, e funciona como um escudo, bloqueando hacks sem afetar o desempenho do seu computador.

Com isso, o BattlEye Service executa análises rápidas, dinâmicas e constantes do sistema, procurando qualquer atividade duvidosa dos jogadores. A política da BattlEye é a de armazenar informações dos usuários, assim como o endereço de IP, identificação no game ou configurações do computador (somente quando o programa achar alguma informação que possa indicar a utilização de um programa suspeito).

Além disso, por ter integração aos jogos, o BattlEye Service possui uma maior eficácia na remoção de cheats e hackers. O banimento do jogador é imediato, baseado na identificação do usuário na Steam, tornando-o permanente e global. Portanto, caso haja banimento, o usuário não conseguirá acessar os servidores de outros jogos que possuem proteção do BattleEye, como DayZ e Arma 3.

BattlEye anit-cheat
Logo: BattlEye

A importância da comunidade na luta contra o cheat

Em primeiro lugar, precisamos destacar que as denúncias feitas pelos usuários são de suma importância, sejam elas de forma automática ou manual. É muito importante essa parceria entre empresas e jogadores a fim de coibir possíveis cheats, pois cada empresa possui um determinado método para impedir possíveis trapaceiros.

O banimento dos usuários trapaceiros, aliados à identificação dos cheats através das denúncias da comunidade de jogadores, podem trazer um pouco mais de credibilidade aos softwares e também às empresas. É através das denúncias que as análises conseguem mostrar a eficácia do sistema. Segundo dados da Riot, o Vanguard mostra que 97% dos usuários nunca receberam banimentos e apenas 3% já receberam denúncias pelo uso de cheats.

Além disso, temos o PUBG MOBILE, que utiliza um sistema anti-cheats chamado “Ban Pan”, que utiliza da colaboração dos próprios usuários na identificação dos cheats. Dessa forma, os jogadores que acharem novas formas de violação nas regras do jogo ganham 10 mil UC (moedas do game), assim como outras possíveis recompensas.

O software “Ban Pan” é constituído por usuários que são jogadores e investigadores ao mesmo tempo. Sendo assim, caso eles achem algo suspeito em alguma atividade que infrinja as regras do jogo, eles mesmos podem banir os jogadores trapaceiros. Entretanto, para ser um investigador é preciso preencher o formulário no site oficial do jogo e seguir as regras.

A estratégia da PUGB Corp é oferecer recompensas semanais para os “investigadores” que relatarem mais trapaças no jogo, isso é uma forma de incentivar também os jogadores a se tornarem investigadores. Dessa forma, para cada falcatrua nova relatada pelos investigadores, o jogador receberá 10 mil UC, além disso os cinco melhores ganharão 6 mil UC adicionais ou combos permanentes. Como resultado, toda semana 3 usuários são sorteados para receber 10 cupons Classic Creat.

Cenário no Brasil e impactos nas carreiras

É importante ressaltar que no Brasil não há muitas normas de ajuda no combate a esse tipo de conduta. Nesse caso, as regras presentes nos jogos são feitas pela própria empresa, através dos termos de uso dos jogos. Esses termos servem como um contrato entre o usuário e a empresa detentora dos jogos. Caso haja infração por parte dos usuários, a empresa irá aplicar as normas cabíveis. Ou seja, ao concordar com os termos presentes no contrato, o usuário deverá cumpri-los. Ao utilizar cheats, o jogador passa a descumprir o termo e automaticamente e após denúncia, recebe o banimento da conta no jogo.

Por fim, o impacto nas carreira dos jogadores profissionais é quase que semelhante ao de um jogador de futebol, por exemplo, que utiliza de produtos proibidos e reprova no exame antidoping. Isso acaba causando uma mancha na carreira do atleta, ao utilizar um de uma trapaça para ganhar os jogos e sofrer banimento por isso. Portanto, o jogador ficará marcado por um longo tempo, e consequentemente isso ira impacta-lo diretamente no restante de sua carreira. 

Atualizações e Manutenção

Em relação a enfrentar cheats e trapaças, a Riot Games está a frente em relação às outras empresas. De acordo com eles, o novo cheat é detectado e banido em até 12 horas pelo Vanguard. Além disso, os desenvolvedores estão sempre de olho para punir os jogadores que utilizam artimanhas dentro do Valorant. 

Recentemente, a página oficial do Valorant do Reino Unido divulgou um vídeo em que a empresa apresenta mais informações sobre o anti cheat.

No último dia 6 de outubro, a equipe da Noot Noot foi desclassificada do Game Changers NA por conta da detecção de um cheat entre as jogadoras. De acordo com a Riot, a equipe violou a integridade competitiva. Contudo, não foi divulgado se foi toda a equipe ou somente uma jogadora que utilizou o cheat.

Já a Valve vem travando uma batalha contra os cheaters. O antigo CS: GO apresentava diversos cheats, que só eram avaliados após a partida terminar. Contudo, o novo CS 2 chegou com um novo anti-cheat, o VAC Live, que vai cancelar a partida no mesmo instante que detectar a trapaça. Quem estiver no lobby com o cheater também sofrerá punições, e os outros que não estiverem junto vão ganhar os pontos da partida normalmente. Um jogador de CS2 postou um clipe de como vai funcionar o sistema.

Outro FPS que conta com cheaters é o Rainbow Six Siege. A desenvolvedora trouxe neste ano o QB e o MouseTrap para combater os jogadores trapaceiros. O QB é direcionado para quem joga no PC, e baniu mais de 10 mil contas até a metade deste ano. O MouseTrap é para os jogadores de console que utilizam teclados ou mouses, e conseguem vantagem contra os adversários que estão jogando pelo controle.

Experiência dos jogadores com o cheat

As experiências sobre jogar contra cheaters é de frustração. Os jogadores se sentem lesados quando caem com eventuais trapaceiros, e acabam não sentindo tanta vontade de jogar em alguns momentos. Gabriel Machado é jogador de Counter-Strike e já jogou contra muitos cheaters. Para ele, é um misto de emoções, já que em alguns casos até se sente motivado a tentar ganhar a partida. 

Já joguei contra, é extremamente frustrante, da vontade de kitar da partida e esperar acabar quando é cheat muito forte, tipo um gira gira que é combo aimbot wallhack e bunnyhop. Já quando é algo mais leve tipo só wallhack, você joga mais motivado para tentar ganhar. Logicamente eu sempre denuncio. O legal do CS era o modo spectator nas partidas casuais, onde era possível “telar” (ver a tela do outro jogador após um abate) e ter uma opinião mais forte para saber se o cara está usando cheat ou não, por isso eu preferia esse modo

Gabriel Machado, jogador de Counter-Strike

Mesmo assim, muitos jogadores encontram maneiras para não encontrar cheaters. Alguns procuram fechar lobby’s para diminuir o alcance de jogadores solitários que utilizam a ferramenta. E assim desfrutar melhor do jogo e não se estressar com problemas causados por outros jogadores.  

Relação conturbada entre empresa e jogadores

Fabrício Xavier, estudante universitário, também é mais um dos jogadores de Counter-Strike que se frusta com os cheaters. O sentimento segue de frustração, e de acordo com Fabrício, após uma experiência ruim a vontade é de não jogar mais, o que pode ser maléfico para a própria empresa, que perde jogadores. O estudante conclui dizendo que a Valve, empresa responsável, não fornece muitos esclarecimentos a seus jogadores sobre retornos de denúncias, mais uma fonte de desânimo para a comunidade do jogo.

Por parte da Valve, na maioria das vezes após uma denúncia não há nenhum tipo de feedback para os jogadores, a relação não é muito boa. Em uma partida com um cheater, você se sente um inútil, jogando tanto contra quanto a favor. Por conta desses problemas, um momento que seria de diversão, acaba se tornando uma frustração, e com isso a empresa corre o risco de perder muitos jogadores ativos, é uma sensação péssima para jogadores mais antigos e também para novos jogadores.

Fabrício Xavier, estudante universitário

O futuro da luta contra o cheat

Os cheaters ainda vão continuar por muito tempo nas comunidades dos jogos. As desenvolvedoras precisarão ter muito cuidado com novos cheats, e certamente vamos continuar lendo e ouvindo no futuro sobre essas trapaças. Os jogadores também precisam estar atentos a qualquer novo problema em relação aos cheats, já que o ambiente dos jogos muda drasticamente com as diversas atualizações.

A comunidade gamer deve se unir para ajudar os desenvolvedores, e também mostrar falhas dos anti-cheats apresentados. O futuro depende bastante desse contato para que vejamos uma melhora na luta contra os cheaters, e também em como a comunidade age diante desses problemas. 

Mesmo que tenhamos novos anti-cheats, os trapaceiros podem encontrar formas e jeitos de burlar os sistemas. Com isso, as empresas não podem deixar de atualizar os sistemas, e pensar em estratégias que visam a melhora desses programas. Os jogadores são peças fundamentais para entendermos os cheaters, entretanto, as empresas têm o caminho para avanços tanto tecnológicos quanto de desenvolvimento para combater esses problemas.

Reportagem por Juan de Arruda, Levi Gois e Kayky Lima, sob supervisão de João Pedro Andrada

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