Lançado em 1996, o filme Corisco e Dadá, escrito e dirigido por Rosemberg Cariry, está sendo relançado nos cinemas em versão remasterizada em 4K. Protagonizada por Chico Diaz e Dira Paes, a obra conta a história de uma garota sequestrada aos 12 anos por um capitão, que passa a viver a dura vida do cangaço e acaba construindo uma parceria com o companheiro.

Com a volta de Corisco e Dadá para as telonas em diversas cidades do Brasil, novos debates vem à tona em meio a um público agora tão diferente. O GeekPopNews teve a oportunidade de entrevistar Cariry e Diaz para falar sobre o relançamento do longa.

O motivo do relançamento vir neste momento abriu a entrevista, e Rosemberg respondeu: Ano passado eu fiz 70 anos. O Petrus e a minha filha Barbara, que também são cineastas e produtores, são apaixonados nesse filme. Eles me disseram que iriam restaurar Corisco e Dadá como um presente. Na verdade, eu acho que a preocupação deles também é que o filme voltasse a circular e a dialogar com novos públicos e com novos com novas sensibilidades e olhares.

Corisco e Dadá e a nova geração

Com quase 30 anos do lançamento original, a sensação de revisitar a obra é marcante para os entrevistados, além de trazer uma visão sobre a relação das novas gerações com o filme. Sobre isso, Chico Diaz compartilhou:

“É com muita alegria que eu celebro esse novo encontro. Um filme fenomenal na retomada do cinema brasileiro para essa plateia de hoje em dia, que vive de internet. É uma comunicação superficial e rápida, fragmentada, e nesse filme nós temos uma síntese de história do Brasil. Eu estou muito curioso e empolgado desse encontro entre um longa como esse, de um Brasil profundo e distante, e a possibilidade dessas novas plateias poderem ver um filme com uma linguagem intensa, com uma narrativa rara e com uma leitura de luta. A síntese de uma luta do povo brasileiro, sem deixar de ser uma história de amor, de ter perseguição e ação. É um filme que tem seus componentes básicos mas é um filme com um vocabulário único do Rosemberg. Então, eu acho que as novas plateias podem se surpreender muito favoravelmente com esse filme.”

Cena do filme Corisco e dadá 1996. foto: Divulgação
Chico Diaz como Corisco. Foto: Divulgação/Cariri Filmes

Sob o mesmo ponto de vista, Rosemberg traz com muito orgulho sua origem cearense, e Corisco e Dadá celebra uma história de suma importância cultural. A força do cinema nordestino hoje recebe louvor do diretor, que traz a luta imposta por ele e seus colegas na outra década como uma conquista para o cinema brasileiro:

“O cinema brasileiro vive um novo momento. A luta da minha geração é vitoriosa, no sentido que todas as regiões do país hoje fazem cinema. É preciso que a diversidade do Brasil fale, e esse filme voltar nesse momento, estabelecer o diálogo, as novas compreensões. É muito importante. Ele é um filme que foi muito importante naquele momento histórico em que se afirmou o cinema do Nordeste. Eu vi uns três ou quatro livros sobre a retomada do cinema brasileiro onde Corisco e Dadá não era nem citado. Então você colocar novamente em foco e discutir as questões e os processos, sem nenhuma dúvida é de grande importância.”

A violência retratada no filme e os dias atuais

Além do filme provocar o público com seus personagens e narrativa, a violência também é bastante retratada em sua história, com cenas de estupro e feminicídio, por exemplo. Dentre esses e outros assuntos tão delicados e polêmicos, a expectativa de um olhar atual sobre essas sequências é certa.

Cariry trouxe sua visão sobre o assunto: “Tem realmente uma violência desgarrada, mas a violência se mantém, a forma de escondê-la ou de narrá-la que mudou. Então temos essa função de descortinar uma certa hipocrisia na narrativa de hoje em dia, que tem que ser corretamente permitidas. É bom se discutir isso, é bom provocar, trazer um um elemento provocador e desequilibrar do politicamente correto. Eu acho interessante. A narrativa do estupro foi narrada pela própria Dadá, e durante o filme ela fala dessa violência e do ódio que ela tinha por essa ferida que não curou nunca. Naquele ambiente tão hostil, seria cínico da minha parte não falar disso. Não há uma forma delicada de se mostrar isso, mas eu tentei da melhor forma possível. A questão do feminicídio foi um momento crucial no Cangaço, que eu queria mostrar também. Nós tentamos de todas as formas tocar nisso com muita sensibilidade, mas sem fugir ou negar a própria realidade.”

Rosemberg Cariry. Foto: reprodução YouTube
Rosemberg Cariry. Foto: Reprodução Youtube

O diretor ainda completou ao comparar a narrativa com os dias atuais: “Essa violência hoje, permanece assim tão intensa, ou até mais intensa, do que naquele tempo. Afinal de contas as periferias das grandes cidades sangram. É a juventude negra, a juventude indígena, os pobres desse país que estão sangrando. É muito perversa a nossa desigualdade, é profunda. Eu acho que o cinema deve sim tocar em todas essas questões e com coragem. Numa visão que não seja só da classe média carioca, nem da classe média nordestina, nem Paulista, mas do povo brasileiro. Dos realizadores brasileiros da periferia brasileira, do cinema indígena, do cinema de negro, do cinema de tudo quanto é jeito. Para nós termos uma multiplicidade de olhares que possam traduzir, por fim, a tragédia brasileira.”

Corisco & Dadá foi restaurado a partir dos negativos de imagem e som originais, utilizando o método de escaneamento em 4K com retoques digitais para uma experiência com imagem e som em altíssima resolução. A produção executiva da restauração é de Bárbara Cariry, com supervisão técnica de Petrus Cariry – ambos filhos de Rosemberg.

Confira a entrevista com Rosemberg Cariry e Chico Diaz na íntegra a seguir: