A busca por um sonho leva dois amigos a uma jornada homérica contra os monstros da humanidade em filme destaque no Festival Italiano de Cinema

A jornada para realizar um sonho nem sempre é fácil, e isso fica muito claro em Eu, Capitão, um dos filmes em destaque na 19° edição do Festival Italiano de Cinema. O longa não poupa e traz ao telespectador a ambivalência do ser humano, ou seja, se há a esperança e o sonho, também há a grande monstruosidade da sociedade: o próprio ser humano. Dito isso, a jornada de um jovem torna-se épica, tal qual a de Ulisses, mas numa trama realista e atual.

A história gira em torno de Seydou (Seydou Sarr) que embarca em uma jornada com seu primo Moussa (Moustapha Fall), na esperança de chegar a Europa, ansiando por um futuro grandioso e belo. Assim, com um sonho nas mãos e a coragem no peito, a dupla parte de Dakar (capital de Senegal) rumo ao continente europeu. Entretanto, os dois jovens logo percebem que a busca por um sonho é repleta por desafios e nem sempre é fácil de chegar ao fim.

O longa italiano conta com a direção de Matteo Garrone, e chegou a concorrer ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Filme Internacional.

Desse forma, com 122min de duração, o longa dramático promete uma jornada épica entre dois amigos em busca de uma vida melhor. Mas será que essa jornada é de fato um sonho? Afinal, será que Eu, Capitão é bom?

Eu, Capitão: uma jornada homérica por um sonho

O drama Eu, Capitão não poupa as emoções e abraça o significado de jornada. Aliás, ao falar do longa, não consegui deixar de relacionar sua trama com uma daquelas grandes obras homéricas, principalmente a Odisseia de Homero, onde se conta a história de Ulisses: herói grego que almeja voltar para sua casa e encontrar esposa após lutar na Guerra de Troia. Porém, para realizar seu sonho, o herói grego precisa enfrentar um mar de monstros e desafios.

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Imagem: Reprodução

Agora, em Eu, Capitão, a história segue um rumo parecido. Afinal, temos aqui uma jornada épica de dois jovens a fim de realizarem seus sonhos. Entretanto, diferente da obra de Homero, a jornada aqui é realista, porém, se mostra desafiadora e com os seus próprios monstros a serem enfrentados pela dupla. Tais monstruosidades que são tão cruéis, que assombram a sociedade humana: o próprio ser-humano.

Em meio a aventura a fim de realizar seus sonhos, Seyou e Moussa testam sua tenacidade e seu desejo em conquistar o futuro que tanto almejam. Enquanto isso, cabe a nós, telespectadores, sofrermos com o lado maligno de nossa sociedade. Somos jogados a encarar os monstros que nosso mundo criou, seja a corrupção, escravidão, formas de tortura e morte.

No entanto, em meio aos espinhos, rosas de esperança também brotam. Se por um lado, o longa nos confronta com o lado cruel da sociedade, do outro, também somos entregues a sentir o calor da bondade humana.

Essa dualidade alimenta o drama do longa e nos faz refletir sobre a própria sociedade contemporânea. Isso é, o quão o ser humano consegue ser ambivalente, com traços de esperança e desesperança, bondade e crueldade. Assim, a ambivalência na obra torna-se mais que um ingrediente da narrativa, mas também um fator que a torna única e bela.

A sutil beleza em uma Jornada

Indicado ao Oscar, EU, CAPITÃO
Foto: Pandora Filmes

A trama de Eu, Capitão é bela, porém, os elementos que compõem suas cenas trazem um fator singular as telas. Aqui, o ponto técnico é apenas uma parcela da grandiosidade do todo. São elementos claros e expostos, e que também escondem em sua sutileza uma simbologia única, que torna cada pincelada dessa história em uma experiência singular.

Sim, a fotografia acerta com as noções técnicas, como contraste, luz e sombra, palhetas de cores e enquadramentos. Esses são pontos de acertos, sem dúvida. Porém, o ouro da fotografia está na composição das telas, e toda a simbologia por trás de cada grão de areia.

Dessa forma, o longa não só trabalha com a fotografia num aspecto técnico, mas também a transforma em um elemento narrativo e representativo de outra cultura, diferente da brasileira e ocidental. É trazer para a tela a representatividade e uma cultura que muitas vezes é negligenciada – quando não vilanizada ou banalizada.

Portanto, a beleza de Eu, Capitão vai muito além daqueles pontos técnicos que se vê no cinema, e abrange a beleza em forma de cenas simbólicas e marcantes. Cenas que cutucam fundo no âmago da sociedade humana, ao mesmo tempo, que trazem luz em meio ao caos, e vice-versa. Em outras palavras, Eu, Capitão consegue capturar as diversas facetas da essência humana e as colocam em cenas de forma bela, reflexiva e contemplativa.

Afinal, vale a pena assistir Eu, Capitão?

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Imagem: Reprodução

Em meio a um deserto de monstros e desafios, Eu, Capitão pode ser facilmente comparada a Odisseia de Homero, sendo uma jornada épica em meio ao desconhecido, almejando alcançar um sonho que se aparenta ser tão impossível. Entretanto, se a jornada de Ulisses havia monstros místicos, Seydou e Moussa enfrentam um monstro mais realista, mas que consegue ser tão cruel quanto: o homem.

A narrativa se desenvolve através da jornada em busca de um sonho em meio a tantos obstáculos e imprevistos. Apesar da dificuldade na jornada, a trama do filme é coerente, fluindo de modo agradável e carismática. Sim, o público se depara com a crueldade humana, mas este elemento não torna a história lenta. Pelo contrário, a trama brinca muito com a dualidade humana e sua sociedade. Se há o lado maligno, também há o lado bondoso, onde se transborda leveza e esperança.

Dessa maneira, o longa equilibra sua narrativa, não a tornando densa de modo a se tornar chata, e garante a sua fluidez e leveza em meio aos desafios. Aliás, desafios estes empolgantes que mantém o público atento e torcendo pelos jovens sonhadores.

Por outro lado, o longa também acerta muito quanto montagem das cenas e como colaboram com elementos narrativos e simbólicos. A experiência é enaltecida em meio a sutileza das cenas e de seus elementos. Em outras palavras, Eu, Capitão consegue muitas vezes dizer as mensagens, sem usar uma palavra se quer, fazendo uso então apenas da cena em si e na forma como esta se move.

Por fim, se você tiver a oportunidade de assistir Eu, Capitão, assista-o. Definitivamente, posso dizer que vale muito a pena assistir a esta bela obra do cinema, a qual acredito que brilhará no Festival de Cinema Italiano.