O novo filme A Favorita do Rei, dirigido e estrelado por Maïwenn, nos transporta para os últimos anos da monarquia francesa, contando a história fascinante de Jeanne Vaubernier, ou Jeanne du Barry. De origem humilde, Jeanne conquistou um lugar na corte como uma das favoritas do rei Luís XV, desafiando não apenas as normas da época, mas também os valores de uma sociedade conservadora e hierárquica.

Um retrato profundo do contexto histórico

Maïwenn não se limita a contar a trajetória de Jeanne; ela cria um retrato detalhado de uma França pré-revolucionária em crise. A opulência da corte contrasta com as tensões sociais que fervilham ao redor, destacando a hipocrisia e a decadência da nobreza. O filme explora como Jeanne, uma mulher de origem humilde, desafia as barreiras sociais impostas, simbolizando uma força feminina em um mundo dominado por homens. Este pano de fundo histórico adiciona camadas à narrativa, permitindo uma reflexão sobre os paralelos com questões contemporâneas de poder e gênero. Maïwenn toca em feridas profundas de uma época tenebrosa, principalmente nas questões sociais, abordando desde a desigualdade social até o racismo. Ela não faz um filme para ilustrar, ela fez um filme para doer e machucar, onde precisa doer e onde precisamos refletir.  Jeanne é uma mulher que trabalha com sexo, usada como objeto por homens ao mesmo tempo que a condenam por isso.

Uma produção visual primorosa

Um dos grandes triunfos de A Favorita do Rei é a sua fotografia. Filmado em 35mm, o longa resgata a estética clássica, trazendo cores vibrantes e uma textura granulada que remete à época retratada. Laurent Dailland, diretor de fotografia, captura com maestria a atmosfera luxuosa da corte, com seus palácios grandiosos e figurinos elaborados. Essa opção estilística confere uma autenticidade quase tátil à narrativa, transportando o espectador diretamente para o século XVIII.

A direção de arte e os figurinos, por sua vez, não apenas impressionam pelo detalhamento, mas também auxiliam na construção simbólica dos personagens e de suas transformações ao longo da trama. É fundalmental sentir em qual periodo um filme se passa, pelas roupas, comidas, tradições.

A Favorita do Rei
Foto: Stéphanie Branchu – Why Not Productions

Johnny Depp e a complexidade de Luís XV

Johnny Depp entrega uma atuação muito consistente como Luís XV, equilibrando a autoridade do monarca com sua natureza introspectiva. Inicialmente, sua escalação como um ator americano para interpretar um rei francês pode gerar certos questionamentos. No entanto, sua atuação, baseada em silêncios eloquentes e olhares carregados de intenção, prova ser uma escolha certeira pra intereprar um Rei que tinha justamente essas características. Depp explora essa dualidade de Luís XV: um homem cercado por amantes e intrigas, mas que nutria uma ligação singular com Jeanne. Essa relação é central para o filme e serve como uma metáfora para as contradições da própria monarquia. A atuação é tão notável, que ela é esquecível, justamente porque apesar de ser figura central no filme, ao tratar Luís como uma figura de penumbra, ele se esquiva dessa atenção central.

Outra atuação que merece destaque é de Benjamin Lavernhe, que interpreta La Borde, o criado do rei, qual tinha uma amizade singela e humilde. A atuação dele acompanha a de Depp, com um personagem que age mais pelas entrelinhas do que pelo diálogo. Sua atuação é apaixonante e deslumbrante.

A Representação feminina e a força de Jeanne contrasta com uma falta de aprofundamento

Jeanne Vaubernier é retratada como uma mulher à frente de seu tempo: culta, independente e em constante embate com uma sociedade que restringia as possibilidades femininas. A narrativa ilumina aspectos pouco explorados sobre o papel das mulheres na história, destacando seu protagonismo em um ambiente predominantemente masculino. A escolha de Maïwenn para interpretar Jeanne reflete um desejo de explorar a complexidade da personagem de forma pessoal e intensa. Cada olhar e gesto revelam uma mistura de vulnerabilidade e força que faz de Jeanne uma figura tão fascinante, mesmo sendo desconhecida da maioria das pessoas.

E ainda que o filme brilhe em seus aspectos técnicos e na construção dos personagens, a opção de se concentrar apenas em um recorte específico da vida de Jeanne pode frustrar aqueles que desejam uma abordagem mais abrangente. Sua história pós-relacionamento com Luís XV, que inclui momentos significativos de transformação e resiliência, é apenas sugerida. No entanto, essa escolha pode ser interpretada como uma decisão artística que visa focar no impacto emocional de seu relacionamento com o rei, deixando o restante da história para a imaginação do espectador, ou para os livros de história.

Mais do que um drama histórico, A Favorita do Rei levanta questões universais sobre poder, liberdade e o papel das mulheres na sociedade. A luta de Jeanne por reconhecimento e respeito ecoa na atualidade, lembrando-nos das muitas formas como essas batalhas continuam sendo travadas. É uma obra que convida à introspecção e ao diálogo, entregando uma mensagem poderosa através de sua estética impecável e narrativa envolvente. 

A Favorita do Rei
Foto: Stéphanie Branchu – Why Not Productions

Vale a pena?

A Favorita do Rei é um filme que mescla romance, drama e história com primor. Não é uma produção para quem busca grandes reviravoltas ou cenas de ação, mas oferece uma experiência visual e emocional impactante. É um convite a refletir sobre o papel da mulher na história e sobre como as pequenas narrativas humanas moldam o destino de nações inteiras.

Recomendado especialmente para os apreciadores de dramas históricos, o filme ganha força com a atuação de Depp e o olhar sensível de Maïwenn, consolidando-se como uma das obras cinematográficas memoráveis desse ano.