A Flor do Buriti é um retrato do povo indígena Krahô em três períodos distintos da história do Brasil, todos eles marcados por luta e resistência. Drama ficcional com trechos de realidade, o longa retrata a espiritualidade Krahô em suporte de uma vivência de união, familiar e de amor.
Trama sem cronologia linear
A trama acompanha uma aldeia nos períodos de 1940, 1969 e 2022, sob perspectivas distintas de uma mesma família em uma cronologia não-linear. No primeiro período, então, acompanhamos a aldeia em um dia de festa. No entanto, a celebração não continua por muito tempo na aldeia. Isso porque duas crianças encontram um boi perto da aldeia, junto de uma sensação estranha a uma jovem, como o prenúncio de um massacre que o grupo sofreria pelas mãos de fazendeiros da região.
Em um segundo momento, longe de cronologia exata, acompanhamos essa mesma aldeia durante a ditadura militar. Neste período, os homens do povo Krahô começam a integrar a Guarda Rural Indígena. Era uma forma de manter seguras as fronteiras da área reservada, mesmo que eles deixassem a aldeia a sós.
Já no terceiro momento, o espectador se depara com o Brasil de Bolsonaro, período marcado por constantes ataques, verbais e físicos, aos povos indígenas. No entanto, há uma esperança: a futura primeira indígena a ser eleita deputada federal pelo estado de São Paulo, Sônia Guajajara, que já marcava presença em Brasília na mobilização dos povos indígenas.
Narrativa constante e imersiva
A centralidade da atual narrativa se dá a partir de Jotát, uma garota de menos de 10 anos de idade. Ela se vê assombrada por algo, o que faz com que choros à noite sejam constantes. Ela tem o apoio da mãe e do tio, Hyjnō, que tem poderes notáveis na espiritualidade.
Toda a narrativa, em linguagem Krahô, permite uma imersão total na cultura da aldeia. É possível observar um cuidado da direção de Renée Nader Messora e João Salaviza que, mesmo não-indígenas, não provocaram a presença da ocidentalidade nas cenas. O que deixa mais interessante o drama é a apresentação da vivência da aldeia, com costumes em relação aos cuidados cotidianos da família, as canções, os festejos e os rituais para com as crianças.
Espiritualidade
Com muita sensibilidade, são apresentadas as nuances Krahô, principalmente no que se diz à espiritualidade. A partir de uma atuação instigante, como se o espectador estivesse assistindo a alguma conversa em particular, são demonstrados no filme aspectos fortes das crenças. Dentre eles, o movimento de saída do espírito do corpo quando alguém dorme, ou quando está com alguma tarefa de proteção a outro.
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A citação das diferentes sensibilidades na espiritualidade em relação a pajés homens e mulheres também é feita, o que explica as diferentes maneiras com que os personagens lidam com desafios espirituais. Um exemplo disto é a mãe de Jotát passar ao tio a responsabilidade de cuidar de seu espírito.
Ainda, as festas e celebrações se fazem presente no onga de forma marcante e bela, sem deixar de lado a veracidade.
Simbologia
A simbologia é outro aspecto que ganha bastante força n’A Flor do Buriti. A linearidade de momentos de conflito com defesa na língua tradicional fazem com que o desafio e a dúvida sejam algo que perdure na ótica do espectador. No entanto, a esperança se faz presente em momentos bastante simbólicos, principalmente na nova vida que chega, apresentada desde a primeira cena do longa.
Ainda, a língua Krahô como dominante em todo o longa demonstra também que a resistência Krahô se faz também pela comunicação. Outro símbolo importantíssimo para a trama é o próprio Buriti. Presente em todos os momentos da trama, ele é considerado pelos Krahô como um ancestral, e responsável por proteção.
A fotografia do longa tem um papel essencial nesta imersão. Em tons escuros, com focos de luz nos importantes, aproveita de sombra e claridade para definir aspectos sobre os personagens consigo mesmos e como são vistos pelos governos das épocas.
Vale a pena assistir “A Flor do Buriti”?
Por fim, fica o questionamento: será que vale a pena assistir “A Flor do Buriti“? Bem, o filme não é para qualquer pessoa. A trama tem um aspecto contemplativo que, muitas vezes, provoca o questionamento de “Por que essa cena está aqui?”. No entanto, é um filme pra quem sabe olhar, observar e absorver.
E, dessa forma, se faz um dos retratos mais sensíveis da cultura indígena Krahô da atualidade.