O silêncio e o vazio do privilégio
Com estreia marcada para o dia 19 de junho nos cinemas brasileiros, A Odisseia de Enéias chega com distribuição da Pandora Filmes. Dirigido e estrelado por Pietro Castellitto, o longa apresenta uma sátira contemporânea que transita entre o drama familiar e o submundo do crime, revelando os dilemas existenciais de um herdeiro privilegiado e entediado.
Inspirado livremente na Eneida, o filme acompanha Enéias, primogênito de uma abastada família romana. À beira dos trinta anos, o personagem vê sua vida sem propósito tomar um novo rumo ao receber uma proposta inusitada, vender 20kg de cocaína para um chefão local. O convite à criminalidade surge como uma tentativa de preencher o vazio deixado pelo excesso de privilégios.
Enéias administra um restaurante japonês de alto padrão, mas dedica seus dias a jogos de tênis, noitadas e conversas existencialistas que escorregam para o narcisismo. Acompanhado por seu melhor amigo, Valentino (Giorgio Quarzo Guarisco), o protagonista vive entre dois mundos, o ambiente familiar de aparente sofisticação e as escapadas criminosas que revelam sua verdadeira natureza.

A família de Enéias é composta por figuras que, apesar de intelectuais, demonstram instabilidade emocional. Sua mãe, Marina (Chiara Noschese), comanda um talk show literário, mas reconhece a inutilidade de sua missão cultural. Já o pai, um psicanalista interpretado por Sergio Castellitto, distribui psicotrópicos à própria família enquanto esconde o próprio vício. Esse retrato familiar expõe a hipocrisia de uma elite que prega valores, mas vive em dissonância com eles.
A narrativa ganha novas camadas com a entrada de Eva (Benedetta Porcaroli), uma jovem que ignora a amoralidade do namorado e serve apenas como símbolo decorativo. Também figura na trama o jornalista investigativo Oreste Dicembre (Giorgio Montanini), personagem ambíguo que pode comprometer Enéias ao descobrir suas ligações com o tráfico.
Pietro Castellitto tenta desconstruir o gênero policial, propondo um “filme de máfia sem máfia”. Em vez de focar na ação, o diretor busca refletir sobre como figuras consideradas “respeitáveis” também flertam com o crime, retratando uma realidade onde moralidade é relativa e convenções sociais mascaram a decadência.

Embora visualmente exuberante e tecnicamente refinado, A Odisseia de Enéias é um filme longo, por vezes excessivamente verborrágico. A crítica à superficialidade da elite romana é clara, mas o longa parece tão imerso nesse universo que seu discurso perde força. Entre efeitos estilísticos e diálogos filosóficos, sobra pouco impacto real.
Em sua tentativa de expor o vazio moral de uma geração rica e desorientada, o filme acaba ecoando o mesmo vazio que critica. Ainda assim, é uma obra provocativa, que busca instigar o espectador a refletir sobre privilégio, identidade e responsabilidade.
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