AMANHÃ é uma produção tocante e intensa do belo-horizontino Marcos Pimentel que ressalta com marca-texto e caps lock as desigualdades sociais da capital mineira.
E não é fácil de assistir, não. Apesar de ser um tema cotidiano, especialmente de um ponto de vista da mesma cidade, é difícil e até doloroso ver como as desigualdades são atenuadas em uma cidade que tem o nome de Bela. Principalmente quando se trata de um documentário, não ficção.
a trama de AMANHÃ gira em torno de Júlia, Cristian e Zé Thomaz, três crianças que vivem no entorno da Barragem Santa Lúcia. No entanto, os três não têm exatamente a mesma vivência. Isso porque Julia e Cristian vivem no Morro do Papagaio, lado de comunidade da barragem. Por outro lado, e do outro lado, Zé Thomáz vive no São Bento, bairro de classe média alta.
Desenvolvimento orgânico
De fato, se apegar aos personagens-pessoas é tão fácil quanto dar o play no longa. Com toda a simplicidade do mundo, as crianças, neste primeiro momento, convivem bem com brincadeiras de criança. A proposta do documentarista Marcos Pimentel era realizar esse primeiro contato dos dois mundos, de modo a estabelecer ali uma conexão e, depois de 20 anos, registrar o reencontro do trio.
Nesta primeira parte do documentário, de 2002, é bastante explorada a vivência simples de Júlia e Cristian, que são irmãos. Os dois moravam com a mãe, tia e avó, mas não resumiam suas brincadeiras à casa, não. Eles brincavam na rua, se jogando no chão cheio de areia e terra, sem medo de serem felizes. Isso fez com que o novo amigo da dupla, Ze Thomáz, se aproximassem deles. Aqui, o corte social era quase que apagado: não havia distinção dentro de uma brincadeira de criança.
Além do contato dos três no mundo dos irmãos, Júlia também foi convidada a passar um tempo na casa de Zé, com direito a videogames e brinquedos de playground de condomínio. Infelizmente, esse cenário não foi muito explorado no longa – o que tem o motivo explicado mais para o final.
Intensidade na direção
A direção de Pimentel transpassa ao expectador a intensidade da energia pela qual ele dedicava ao longa. Isso pode ser observado principalmente na segunda parte de AMANHÃ, quando há o reencontro do cineasta com as crianças – agora adultos.
É como se fosse um diário documentado: Marcos Pimentel registra os contatos, as reações dos documentados com os filmes gravados na infância e como se dá o desenrolar das gravações – agora em 2022.
Com firmeza, é possível observar a forma com que o cineasta se envolveu com a história e as pessoas (que, lembrando, não são personagens) e como as pessoas se envolveram com ele. É interessante pensar em como há uma linha tênue entre o trabalho e a relação interpessoal que, durante um trabalho documental, pode ocorrer.
Infelizmente, a não correspondência final é algo marcante mas não surpreendente. Sem spoilers, mas o filme é um retrato bem claro de como a sociedade de hoje em dia no Brasil está dividida – e não apenas socioeconomicamente.
Vale a pena assistir a “AMANHÔ?
Com toda a certeza do mundo. Inclusive, se você curte uma boa crítica social com um toque de melancolia e uma pitada de esperança (mas só pitada mesmo), AMANHÃ é pra você.
Com distribuição é da Descoloniza Filmes, AMANHÃ estreia nos cinemas no dia 29 de fevereiro.