Existe um motivo pelo qual Anora é um dos filmes mais comentados nesta temporada de premiações, e não é só pela performance estelar de Mikey Madison. Com roteiro e direção de Sean Baker, o longa é, sem dúvidas, um polêmico divisor de opiniões que desafia expectativas de gênero alternando entre o cômico, o absurdo e o dramático, enquanto oferece um retrato provocador sobre relações, poder e privilégios.
A história acompanha Ani, uma garota que trabalha em um clube de strip tease e acaba conhecendo Ivan – ou Vanya – o imaturo filho de um milionário russo que está passando férias nos Estados Unidos e se encanta por ela. Assim, o que era um relacionamento transacional acaba se tornando um conto de fadas às avessas, onde Ani acompanha Vanya e seus amigos em uma sequência desenfreada de festas, baladas, cassinos, sexo e drogas que acaba em um casamento improvisado em Las Vegas. E é aí que o filme embarca rumo ao caos.

Ao descobrirem sobre o casamento do filho, os pais de Ivan enviam seus capangas – um trio composto por uma dupla de armênios e um imigrante russo – para resolver a tarefa de anular o casamento. Se desde o início do filme já somos apresentados à personalidade forte de Ani, a partir desse momento, a protagonista se mostra ainda mais audaz e luta com unhas e dentes – literalmente – para impedir a anulação do seu casamento em uma das cenas mais histéricas do filme.
Em algumas entrevistas, Sean Baker se referiu a Anora como uma “montanha-russa de tons e gêneros”, e é a partir dessa cena que conseguimos entender o que ele quer dizer com isso. Se até então o enredo apresentava uma comédia romântica onde uma prostituta era salva por um jovem milionário e embarcava rumo ao “felizes para sempre”, a narrativa vira uma curva brusca em direção a uma longa sequência de comédia escrachada e descomedida.

Esse tom cômico vai ganhando contornos mais profundos à medida que percebemos uma Ani cada vez mais séria e desolada conforme é forçada a acompanhar os capangas por Nova York em uma busca incessante por Vanya, que desapareceu. Nesse momento, ela passa a dividir a tela com Igor, um imigrante russo que trabalha para os armênios e ocupa a posição mais baixa na hierarquia comandada pelo pai de Yvan. É através de uma atuação sutil mas impecável de Yura Borisov que conhecemos a primeira pessoa em todo o filme que enxerga Anora por trás do papel corajoso que ela se forçou a interpretar até então.
O último ato do filme é, possivelmente, o maior acerto de Sean Baker, que descarrega toda a carga emocional da história em seus últimos segundos, consolidando sua visão e o projeto como um dos títulos mais aclamados pela crítica na temporada.

Não temos muitas informações sobre a história de Ani, seu passado, família, ou como e porquê ela se tornou uma dançarina erótica. O mesmo serve para Igor, cujo único contexto que recebemos são flashes da sua relação com a avó. Confesso que eu gostaria, sim, de saber mais sobre esses personagens, mas a verdade é que eles servem como uma personificação de outras milhões de pessoas que se submetem a situações igualmente bizarras e subhumanas para sobreviver.
Anora oferece uma visão crua e intensa sobre relações de poder, dinheiro e, através de um humor histérico e por vezes exagerado, explicita como as estruturas sociais afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis e protegem os mais ricos e privilegiados. Diante de performances tão interessantes e uma proposta que desafia expectativas, fica difícil falar de outras coisas sobre o filme, mas é seguro dizer que o conjunto da obra contribui para que esse seja um dos grandes destaques do ano, merecidamente.
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