Como podemos compreender quais os limites do comportamento humano, quando nos deparamos com histórias como essa? Não, o canibalismo não é exatamente um comportamento, pelo menos não em “Até Os Ossos”, onde os devoradores de carne humana parecem necessitar desse hábito para sobreviver. E mais, ao longo de toda a trama percebemos que se trata de um meio de vida.
Dirigido por Luca Guandagnino e estrelado por Taylor Russell e Timothée Chalamet, o filme se concentra na história de Maren, uma jovem mulher que tem um hábito perigoso e destrutivo, mas que faz parte de sua natureza. Além disso, Guandagnino consegue construir uma amarração muito forte, entre vários elementos importantes.
Tanto Maren quanto Lee, são pessoas marginalizadas pelas suas condições, pessoas excluídas e até certo ponto invisíveis aos olhos das pessoas. Duas pessoas que não se encaixam, não podem criar laços ou raízes, e que precisam se manter em constante movimento para sobreviver. Essa poderia ser a história de várias pessoas, de vários grupos. No fundo, me parece uma metáfora muito bem construída.
E aqui é preciso destacar a atuação de Timothée, pela simplicidade e pela plástica que ele impõe a seu personagem. O rapaz consegue se expressar bem diante da câmera, ele transparece sentimentos e usa seu corpo como quadro. E aqui, cabe fazer um paralelo, seus outros filmes talvez não souberam explorar essa característica. Mas é Taylor Russell quem acaba roubando a cena. Isso porque a garota, que é foco central do filme, passeia muito bem entre a garota perdida e marginalizada, a mulher decidida e que sabe o que quer para sua vida. Esse crescimento dentro do roteiro valoriza essas nuanças entre o passar do tempo dos personagens.
O roteiro Até Os Ossos, literalmente
O roteiro de David Kajganich é bem coeso, consegue deixar clara sua intenção de mesclar o horror com o romance, em uma sintonia embreagante. Esconderam bem o suprasumo da história, nem sinopse nem trailer deixa isso transparecer, dessa forma guardando uma “surpresa” para o espectador, que dura somente alguns segundos após o começo do filme. A primeira cena é um soco no estomago, para preparar o espectador para o que virá a seguir.
Por fim, é preciso dizer que existem histórias que precisam, necessitam de bons diretores. Seria impossível dar vida a uma história bizarra como essa se não tivesse a sensibilidade de um diretor que sabe captar bem a essência de seus atores. Sabendo explorar imagens, sons, paisagens, detalhes. E por falar em paisagem, a fotografia é lindíssima. Uma fotografia que valoriza a questão do viajante, do andarilho perdido que faz da terra sua casa. O casal faz uma viagem por vários estados do centro-oeste americano.
É um filme pra quem tem estomago, não se iluda. O romance aqui anda lado a lado com o gore e com o horror. O toque de suspense é só um deleite para manter a atenção na tela, mas o que importa mesmo é nojo levado ao limite.