A arte é capaz de mostrar muitas facetas das emoções humanas que muitas das vezes deixamos passar despercebidas. A noção de tempo, de espaço, de presente, passado e futuro acabam ficando em segundo plano na nossa busca diária pela sobrevivência e acabamos desperdiçando muitos momentos com a rotina louca que a vida nos impõe. Pois bem, a arte e a cultura às vezes consegue nos levar a refletir sobre esses temas e faz com que possamos refletir sobre quem somos e o que queremos. Caminhos da memória é um filme que traz a reflexão das nossas ações, principalmente a relação entre passado e futuro e nos coloca a pensar bem sobre qual deles realmente importa.
Lisa Joy (série “Westworld”) faz sua estreia no cinema com Caminhos da Memória, assumindo a tripla função de diretora, roteirista e produtora.
Nick Bannister (Jackman), um investigador particular da mente, navega o mundo sombrio do passado ajudando seus clientes a acessar memórias perdidas. Vivendo nas margens do litoral da Miami submersa, sua vida muda para sempre quando ele aceita uma nova cliente, Mae (Ferguson). Uma questão simples de achados e perdidos se torna uma perigosa obsessão. Ao lutar para descobrir a verdade sobre o desaparecimento de Mae, ele descobre uma conspiração violenta, e terá que responder à pergunta: até onde você iria para manter as pessoas que ama por perto?
Caminhos da Memória se passa em um futuro distópico onde o mar invadiu o continente e as pessoas foram obrigadas a mudar suas vidas em função das novas condições climáticas. O filme não explica bem como isso aconteceu, deixa meio de lado a causa para focar na consequência. Á partir dessa nossa realidade as pessoas passaram a escolher a noite em vez do dia e passaram a escolher o passado em vez do futuro. Nick Bannister mantém um laboratório onde as pessoas podem revisitar seus passados através de uma tecnologia desenvolvida para interrogar presos de guerra. Cada um pode escolher um momento feliz, um momento triste, um momento marcante e retornar a esse momento através de uma viagem psicológica e reviver as sensações do que outrora foram seus momentos mais felizes.
O interessante do filme é que a parte mais intensa, que é a viagem para o passado, se torna pano de fundo para uma trama de ação e investigação intensa e inesperada. É justamente nessa trama que Hugh Jackman contracena com a talentosa Rebecca Ferguson, que vive Mae, uma mulher misteriosa que ao perder suas chaves pede ajuda ao laboratório de Nick para achá-las e é à partir desse ponto que tudo muda, nascendo entre eles um romance quase perfeito que merecia ficar marcado na memória para sempre.
Uma escolha acertada para o elenco sem sombras de dúvida é Thandie Newton, que vive a sócia/funcionária de Nick, Watts, que foi uma soldado na guerra que antecedeu a inundação. Essa característica militar dá a Watts a habilidade de lidar com a armas de forma mais técnica, porém, somente em uma cena podemos ver toda essa habilidade em ação; a melhor cena de ação do filme. Watts, diferente de todas as outras pessoas, foge do seu passado e esse contraste traz mais uma reflexão de que nem sempre podemos olhar pra trás se queremos ir para frente. A relação entre os dois poderia ter sido melhor explorada, mas o roteiro preferiu priorizar o relacionamento entre Nick e Mae deixando Watts como um cão de guarda, pronta para proteger e salvar Nick, desperdiçando o talento de Thandie onde era mais necessário, nas lacunas sem explicação.
Dentro dessa linha de pensamento sobre a visão do passado que tudo começa a tomar forma e a maioria das reflexões vem a tona, mesmo em meio ao caos gerado pela natureza e pela ação humana a divisão social ainda é bem forte, mostrando que nem mesmo na catástrofe o mundo poderia se unir. As pessoas continuam a olhar somente o seu lado e esquecerem dos mais necessitados.
O filme é criado quase em sua totalidade à partir da mistura de CGI com cenário real, mas a fotografia do filme é impecável, cenas muito bem produzidas e com realismo impressionante. A trilha sonora também é impecável e dá o ritmo do filme ao espectador, conduz o pensamento no ritmo necessário para entender o que está acontecendo, age quase como um ator coadjuvante.
Entre os erros que podemos destacar, o filme peca muito na história mal contada, apesar de durante as cenas Nick contar um pouco do que aconteceu na terra a história real dos fatos fica subentendida. Outro ponto que poderia ter sido melhor explicado foi a divisão das terras que geraram a guerra, já que esse fato é fundamental para o final do filme e pouco se entende do que aconteceu.
Em linhas gerais Caminhos da Memória é um filme intenso, inteligente, traz assuntos pertinentes e mais uma vez é uma história que nos faz pensar em como estamos construindo nossa sociedade. Mais um filme de tragédia e catástrofe distópica que nos faz pensar que estamos quase chegando lá; não pensamos no planeta, não pensamos nas pessoas, não pensamos no futuro.