O filme, baseado em fatos reais, mostra dois lados do comunismo russo pouco depois da morte de Stalin (1878 – 1953). No filme que é o candidato russo ao Oscar 2021, uma mãe e uma filha são colocadas em lados opostos durante uma greve que resulta no massacre de Novocherkasske em 1962, o massacre só foi investigado 30 anos depois. O filme foi destaque em diversos festivais de cinema no mundo todo incluindo O festival de cinema de Veneza e estreia nos cinemas brasileiros dia 29 de julho.
As primeiras cenas de Caros Camaradas de Andrei Konchalovsky (“O Círculo do Poder”, “Expresso Para o Inferno”, “Tango & Cash” e vencedor do Leão de Prata de melhor diretor por “Paraíso”) nos remetem a filmes como “La dulce vita”; “Morangos Silvestres” e “Ladrões de bicicletas”, não só por sua arquitetura europeia, mas por um início lento de filme que visa apresentar personagens e suas funções.
Lyudmila, a protagonista do filme, é uma devotada funcionária que defende o comunismo com unhas e dentes, apesar da grave crise econômica que atingia o país (o filme se passa em 1962). Ela é mãe de Svetka, jovem de 18 anos que trabalha numa fábrica de trens. A relação das duas é levemente conflitante, Svetka apresenta um comportamento e posição ideológica progressistas, muito diferente da postura conservadora da mãe, e isso fica claro no primeiro encontro das duas quando a filha se recusa a usar sutian quando tem sua forma física criticada pela mãe.
O grande evento norteador do filme é a greve que ocorre na fábrica em que Svetka trabalha, os grevistas sofrem cortes salariais e ainda tem que lidar com aumentos seguidos de produtos alimentícios. Quando a greve é anunciada o governo toma medidas de repressão para por fim à greve, a própria Lyudmila defende que as forças armadas recebam equipamento adequado para uma repressão violenta, sem se dar conta de que isso culminaria em inúmeras mortes e perseguições a possíveis opositores do regime.
Durante a repressão Svetka desaparece e sua mãe começa a busca, usando de toda a influência que sua posição profissional no governo pode fornecer.
O filme é em preto e branco, o que pode causar estranheza em pessoas não habituadas a essa estética. De maneira muito competente Konchalovsky explora aspectos sonoros de maneira rústica, afim de retratar esse visual retrô do filme também de maneira sonora e isso fica claro quando soldados soviéticos disparam sobre a multidão em frente à fábrica.
De maneira mais simples, mas muito bem feita, o figurino e os cenários retratam uma Rússia da década de 1960, destaque para os carros presentes no filme e o figurino de soldados e agentes da KGB que apresentam detalhes sutis como medalhas presas ás fardas e baionetas muito detalhas nas armas.
O filme é rodeado de discussões históricas e geográficas. Em uma das cenas o pai de Lyudmila revela detalhes sobre uma sobrinha assassinada, detalhes que remetem a violência praticada por cossacos na região de Don, território livre da Rússia. O próprio pai de Lyudmila temia a região pelo alto índice violência, principalmente contra mulheres.
Considerações finais
O filme possui um roteiro denso, prende o espectador quando a busca e os desafios de Lyudmila ficam claros. Possui cenas dinâmicas, diálogos concisos, e boas atuações, com destaque para Julia Vysotskaya, a Lyudmila, com uma atuação excelente que vai da indignação com a greve ao desespero de não encontrar sua filha.
A ambientação e a cenografia foram muito bem detalhadas, detalhes mínimos como fotos de família nas paredes de casa com pessoas em uniformes militares, propagandas coladas em paredes nas ruas e detalhes internos de carros se fazem presentes tornando o filme um registro realista dos eventos históricos abordados.
Um ponto fraco do filme fica por conta da fotografia, esta deixa a desejar e perde fôlego ao não explorar cenas aéreas do conflito, com poucas cenas abertas e focando na multidão, mas tenta compensar isso com cenas dinâmicas e registros de perseguição.