Inspirado no livro de Dráuzio Varella que deu origem à série e ao filme “Carcereiros”, o documentário “Encarcerados” traz uma reflexão importante sobre a realidade do sistema prisional brasileiro através de perspectivas impactantes. A produção, dirigida por Pedro Bial, Fernando Grostein e Claudia Calabi, conta com diversos depoimentos de agentes penitenciários aposentados e em atividade, além de apresentar filmagens internas dos presídios (todas gravadas antes da pandemia de Covid-19).
O documentário é muito bem construído e consegue levantar questionamentos extremamente pertinentes e necessários de caráter sociopolítico. São abordadas questões como a superlotação dos presídios, as dificuldades para a reabilitação e reinserção de ex-presidiários na sociedade, o surgimento das facções e do crime organizado nas cadeias, entre outros. Os devidos recortes sociais e históricos foram feitos de maneira excepcional, explicando questões como o papel da ditadura no aumento da violência nas cadeias, a influência do Massacre do Carandiru na formação das facções, a existência de problemas que afetam os presídios femininos com maior intensidade, etc.
Um dos pontos que mais me agradou na estrutura da produção é a maneira com a qual os relatos dos participantes são sempre acompanhados de imagens e filmagens que explicam visualmente o que está sendo falado, apresentando tudo com muita clareza. Os depoimentos por si só já são muito impactantes, porém o olhar da direção de fotografia foi muito preciso ao reforçar esses aspectos, proporcionando uma experiência mais imersiva ao telespectador. Enquanto a série e o filme “Carcereiros”, também originados das obras de Dráuzio Varella, retratam o universo prisional através de um panorama fictício, “Encarcerados” não procura ‘maquiar’ a realidade dos presídios brasileiros em momento algum. Ao longo do documentário são apresentadas imagens que retratam a violência do sistema prisional de maneira bem explícita, o que é uma boa estratégia para gerar o impacto desejado, porém também pode ser relativamente incômodo para pessoas que se sentem desconfortáveis com esse tipo de conteúdo.
As gravações dos relatos dos agentes penitenciários foram feitas em sua maioria nas casas dos mesmos, imagino que como uma tentativa de deixá-los mais confortáveis, visto que algumas de suas histórias possuem caráter violento, podendo trazer à tona memórias de episódios traumáticos na carreira dos entrevistados. O cuidado da produção ao construir uma relação de respeito e confiança com os profissionais que se dispuseram a participar do documentário é perceptível e muito interessante, pois os depoimentos realmente agregam muito ao projeto. A opção por selecionar tanto agentes em atividade quanto aposentados – que trabalharam em épocas como a ditadura, por exemplo – também foi muito enriquecedora.
A narração que acompanha toda a obra é fluida e muito bem embasada em pesquisas, tornando a experiência didática mesmo para quem não apresenta conhecimentos prévios sobre o tema, o que, na minha opinião, é essencial em um projeto com tamanha ambição sociopolítica. Tornar o conhecimento acessível é um passo fundamental para que mudanças aconteçam, e “Encarcerados” consegue fazer isso com maestria, humanizando questões tratadas como tabu em nossa sociedade, e combatendo estereótipos com informação, clareza e consciência.
O documentário estreia dia 26 de agosto nos cinemas do Brasil.