“Se nosso povo pode construir Angkor, ele pode fazer qualquer coisa”
“Encontro com o Ditador” leva o espectador a uma experiência única e inquietante, ao retratar a viagem de três jornalistas franceses ao Camboja para entrevistar Pol Pot, líder do regime Khmer Vermelho. Em meio a uma atmosfera carregada de tensão e mistério, o filme não apenas revela os bastidores de um encontro histórico, mas também expõe as contradições e os desafios enfrentados por aqueles que testemunharam de perto um dos períodos mais sombrios da história.
Ser convidado para entrevistar um chefe de Estado é uma honra para qualquer jornalista. Essa oportunidade única, ainda mais em um país distante e envolto em mudanças políticas, representa a chance de vivenciar e registrar a história de um ângulo privilegiado. Essa foi a experiência do trio de jornalistas franceses que, durante o período do Kampuchea Democrático, recebeu autorização para visitar o Camboja e entrevistar Pol Pot.
O grupo composto pelo fotojornalista Paul Thomás (Cyril Guei), Alain Cariou (Grégoire Colin) e Lise Delbo (Irène Jacob). Suas memórias, posteriormente registradas em um livro, serviram como base para o longa-metragem “Encontro com o Ditador“. A viagem tinha o objetivo de mostrar ao mundo os avanços promovidos pelo regime Khmer Vermelho. Guiados por um tradutor, os jornalistas visitam acampamentos, instalações públicas e comunidades, observando de perto o cotidiano do “novo povo”.
Conforme o filme avança, surgem incongruências que revelam o controle rígido e opressor do regime. As “traduções” do intérprete frequentemente não condizem com o que está sendo dito. E a sensação de vigilância constante, reforçada por enquadramentos claustrofóbico e uma iluminação contrastante. Filmagens realizadas com câmeras na mão, além de planos fechados e sombras conflitantes, amplificam a atmosfera sufocante. Pol Pot, onipresente na narrativa, mas, aparece de maneira imponente, como em retratos espalhados pelas instalações ou em momentos de quebra da quarta parede, confrontando diretamente o espectador.
Cada membro do grupo reage de maneira distinta às descobertas. Lise Delbo adota uma postura dissimulada e profissional para lidar com a situação. Paul Thomás é o mais combativo e crítico, enquanto Alain Cariou tenta se apegar à imagem idealizada de Pol Pot, com quem havia estudado em Paris e trocado correspondências. Contudo, a percepção do ditador muda à medida que as condições de miséria e opressão do povo se tornam mais evidentes. Contraditoriamente, o quarto modesto de Pol Pot contrasta com os banquetes regados a queijos e vinhos franceses.
Rithy Panh, renomado cineasta cambojano, utiliza o cinema como ferramenta de denúncia política. Em “Encontro com o Ditador“, ele incorpora a perspectiva de estrangeiros e utiliza maquetes como recurso narrativo para recriar momentos de tensão. Além disso, o diretor também mistura imagens de arquivo à narrativa ficcional, reforçando o impacto histórico do período.
Em respeito às vítimas do regime, Panh opta por deixar a violência gráfica fora de quadro. Assim, a execução de um cidadão acaba sendo sugerida por meio de elipses, com um raccord que associa o evento à imagem de jacarés enfurecidos. Essa escolha também denuncia a forma velada com que os abusos eram conduzidos. Durante o esperado encontro com Pol Pot, o diretor mantém o ditador nas sombras, apresentando sua figura de maneira fragmentada. Essa abordagem amplifica o medo e estimula o imaginário do espectador, transformando-o em um ícone ameaçador mais do que uma simples imagem.
Por fim, “Encontro com o Ditador” é um poderoso testemunho cinematográfico que denuncia as atrocidades do regime Khmer Vermelho, ao mesmo tempo em que explora as diferentes perspectivas de quem vivenciou ou testemunhou esse período histórico.
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