O cinema é entretenimento, mas também é ferramenta social, pois consegue levar para a tela histórias que de outra forma nunca conheceríamos. Esse é o caso da história de “Eu, Capitão”, do diretor Matteo Garrone. Nesta história, nós, como espectadores, podemos nos sentir cumplices do horror que acontece em partes do mundo que nem conhecemos. É impossível não se envolver na história de Seydou e Moussa, nossos protagonistas. “Eu, Capitão” concorre ao Oscar 2024 na categoria Melhor Filme Internacional e ganhou outros 11 prêmios no Festival de Veneza.
A história
O cineasta Matteo Garrone nos leva para uma viagem até a África, não o continente dos livros, das histórias, mas o continente real, do hoje. Jovens com roupas falsificadas das maiores grifes do mundo vivendo em condições deploráveis, em cidades com o mínimo de condição e dignidade. Mas apesar desse filme mostrar a verdade, Garrone escolhe a ficção para ilustrar a difícil jornada dos jovens senegaleses em busca do sonho europeu.
Garrone, com habilidade narrativa inteligente e consciente, retrata a agonia dos jovens senegaleses rumo à Europa. Com sensibilidade, tece uma trama de esperança e desafios, mergulhando o público na realidade desses corajosos viajantes.
E é nessa história, que é fruto da junção de várias outras histórias reais, que vamos seguir os passos de nossos protagonistas. Seydou e Moussa são dois adolescentes senegaleses, que sonham em fazer música na Europa, e para isso bolam um plano de fugir de casa em uma odisseia para chegar na Itália, sem pesar os perigos que poderiam encontrar no caminho. Deserto, Mar, e todos os horrores que podem ser causados pela ganância, pelo poder e pela maldade humana.
O diretor de fotografia Paolo Carnera não poupa detalhes em sua fotografia, nem nas belezas dos países africanos, nem nas mazelas do subdesenvolvimento. Fica evidente, de maneira clara, o motivo pelo qual é melhor desejar morrer tentando do que conviver com a realidade. É esse ímpeto de mudar a realidade que move centenas, milhares de pessoas a se arriscarem nas jornadas da imigração forçada, e raramente desejada.
Seydou e Moussa, mais que protagonistas, são a alma do filme
Em poucos momentos de filmes já nos afeiçoamos pelo jovem Seydou, um garoto de 16 anos que sonha em ser músico. Ao lado de sua mãe e quase uma dezena de irmãos, ele mora em um pequeno casebre que mal os cabe. É nesse cenário que Ele e seu primo Moussa pretendem ir em busca de uma vida melhor na Europa, assim como tantos outros jovens senegaleses.
Mas a vida dos dois passará por grandes provações no percurso, mostrando que seus sonhos ficarão em segundo plano. O objetivo agora é sobreviver.
A escolha do elenco foi muito bem pensada, e o ator senegalês Seydou Sarr foi uma decisão muito acertada. Todos os personagens do filme foram muito bem pensados também. Garrone busca trabalhar de forma lúdica algumas dores, inclusive, usando a cultura e a religião como base, a fé como forma de sobrevivência aos horrores impostos.
O roteiro assinado por Matteo Garrone, Massimo Ceccherini, Massimo Gaudioso, Andrea Tagliaferri, mostram que a jornada seria pior do que imaginado. Esse grupo de roteiristas não somente consegue desenhar a história, para que qualquer pessoa possa entender, mas também nos dão asas para tomar nossas próprias opiniões.
“Eu, Capitão”: Uma Jornada Cinematográfica de Cores e Emoções
Em um balé visual que dança entre luz e sombra, o diretor Garrone nos presenteia com uma fotografia exuberante. As paisagens desérticas do Senegal, do Mali e da Líbia, com seus tons dourados e o sol inclemente capturadas com maestria. Cada take é uma pintura, um quadro vivo que nos envolve na epopeia desses jovens em busca do sonho europeu. Os close-ups revelam sorrisos tensos, lágrimas contidas e determinação.
As tomadas aéreas, como pássaros curiosos, nos mostram a imensidão do deserto, que como um oceano, divide vários mundos. E tudo isso inspirado por uma trilha sonora, sutil e envolvente, que nos guia nessa travessia. É como se estivéssemos na proa, sentindo o vento, sonhando com terras distantes.
“Eu, Capitão” é um convite à reflexão. Através da lente cinematográfica, somos convidados a embarcar nessa jornada, a sentir o peso das mochilas, a ouvir os sussurros do vento, a dor dos nossos protagonistas. E, ao final, quando os créditos sobem, ficamos com a imagem gravada na mente. Será que entendemos todas as realidades que envolvem nosso mundo? É possível que no sofá da nossa casa, temos dimensão de tudo que acontece com nossos semelhantes em várias partes do nosso planeta?