UMA HISTÓRIA QUE PRECISA SER CONTADA. Infelizmente, “Manas” retrata a realidade de muitas crianças e mulheres no Brasil — e por isso, é um filme necessário.

Confesso que não estava preparado para a história que é contada desse filme. Pensei muito sobre como escrever essa crítica sem revelar detalhes importantes da trama, mas também sem deixar de tocar em um assunto tão doloroso e urgente. É um filme que desperta raiva, tristeza e reflexão profunda — principalmente para mulheres, mas também para todos que desejam enxergar essa realidade.

Embora “Manas” tenha muitos aspectos elogiáveis, quero destacar dois pontos principais: direção e atuações.

UMA ESTREIA POTENTE E PREMIADA

“Manas” é o primeiro longa-metragem de ficção da diretora Marianna Brennand. Em 2014, ela iniciou um projeto que seria um documentário sobre a exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó (PA). No entanto, ao perceber a necessidade de expor menores em situação vulnerável, decidiu transformar a ideia em uma obra de ficção.

Em 2018, com o projeto em desenvolvimento, Marianna conheceu pessoas que a apoiaram na criação do longa. “Manas” estreou mundialmente em outubro de 2024 no Festival de Veneza, onde venceu o prêmio de melhor direção, e desde então já acumula mais de 20 premiações em diferentes festivais.

GRANDES ATORES, ATUAÇÕES GIGANTES

Logo no início, o filme apresenta a vida cotidiana dos moradores à beira do Rio Tajapuru — a escola, o comércio, os bares, a igreja — construindo um retrato sensível e realista da rotina ribeirinha.

A jovem Marcielle é interpretada com impressionante sensibilidade por Jamilli Correa, em sua estreia no cinema. Mesmo nos silêncios, seu olhar transmite dor, dúvida, medo e força. Ela é filha de Danielle (Fátima Macedo) e Marcílio (Rômulo Braga). Fátima entrega uma atuação comovente, vivendo uma mãe grávida, marcada também por uma história de abuso, tentando proteger suas filhas dentro de um ambiente opressor.

Rômulo Braga, mais uma vez, entrega um trabalho poderoso e incômodo. Sua atuação provoca desconforto, o que é exatamente o que o personagem exige.

O elenco ainda conta com a sempre brilhante Dira Paes, no papel de Aretha — uma personagem fundamental e vivida com a firmeza e profundidade que Dira domina como ninguém.

Primeiro longa de ficção da diretora Marianna Brennand, MANAS
Foto: Paris Filmes | Inquietude

BASEADO EM RELATOS REAIS

A diretora reuniu relatos reais de vítimas — em sua maioria crianças e adolescentes — da Ilha do Marajó, para construir essa narrativa ficcional.

Apesar de ambientada em um local específico, essa é uma história que pode ser ouvida em qualquer lugar do Brasil — nos noticiários, nos portais de denúncia ou mesmo em silêncios que ainda persistem.

Sem dúvida, essa foi uma das críticas mais difíceis que já escrevi. O filme provoca emoções contraditórias e profundas. Mesmo assim, recomendo fortemente que todos assistam — e, se puderem, que ajudem a divulgar. “Manas” toca em uma ferida que segue aberta, todos os dias, no Brasil e no mundo.