Um retrato íntimo, poético e reflexivo sobre a vida com esclerose múltipla
O documentário gaúcho Memórias de um Esclerosado conduz o espectador por uma jornada intensa e sensível, centrada na trajetória do cartunista Rafael Corrêa, diagnosticado com esclerose múltipla em 2010. A obra, dirigida por Rafael em parceria com Thais Fernandes, constrói uma narrativa potente sobre memória, identidade e superação, entretanto alia-se a uma linguagem cinematográfica inventiva e uma abordagem profundamente humana.
Ao revisitar momentos marcantes de sua vida, o protagonista busca registrar suas lembranças em meio ao avanço da doença. A narrativa flui entre passado e presente com naturalidade, recorrendo a imagens de arquivo, animações e quadrinhos, meios que refletem não apenas o estilo artístico de Rafael, mas também a complexidade emocional de sua jornada. A proposta vai além do relato sobre a esclerose múltipla, é uma ode à memória e à persistência do olhar criativo frente à fragilidade física.
Com uma estética ousada e linguagem não convencional, o documentário se destaca ao apostar na experimentação narrativa. A rotina de Rafael é apresentada em planos fechados e momentos cotidianos que revelam os impactos progressivos da doença. Como a dificuldade de entrar no chuveiro, uma cena simbólica que convida o público a mergulhar na intimidade do protagonista. Porém, esses fragmentos do presente se entrelaçam a registros de uma juventude vibrante, compondo um mosaico afetivo e visual que confere profundidade ao enredo.

Um elemento curioso e carregado de simbolismo é a presença de um sapo, cuja insignificância aparente contrasta com seu papel narrativo dentro do filme. Essa figura se torna um elo entre as reflexões internas e os elementos abstratos do enredo, representando medos, memórias e sentimentos em ebulição. Mas, a escolha por uma metalinguagem refinada confere à obra um caráter autorreflexivo, ampliando o alcance emocional do documentário.
Memórias de um Esclerosado evita o tom melodramático e aposta em uma abordagem leve, inteligente e espirituosa. O filme utiliza o humor como ferramenta de comunicação e resistência, apresentando as tirinhas e ilustrações de Rafael, muitas delas inspiradas em sua infância nos anos 1980. Esses elementos revelam não apenas suas raízes criativas, mas também como a arte se torna um instrumento de diálogo com a própria condição.
A montagem é outro ponto de destaque. A edição costura habilmente diferentes tempos e linguagens, misturando vídeos caseiros, cenas atuais, animações e desenhos com fluidez e coesão. E por fim, a trilha sonora, por sua vez, colabora para criar atmosferas específicas. Em momentos de maior tensão, como as pesquisas sobre a doença, a música ganha intensidade e reforça a urgência dramática.

Além disso, o jogo de luz e sombra empregado em diversas cenas realça o caráter sensorial da obra, proporcionando uma experiência visual marcante. A escolha por uma estética íntima e experimental reforça a conexão com o espectador. Transformando o documentário em um convite à reflexão sobre a vida, os medos e o valor das pequenas lembranças.
Ao fim, Memórias de um Esclerosado se consolida como um trabalho comovente, criativo e visualmente autêntico. É um filme sobre a luta contra a esclerose múltipla, sim, mas, acima de tudo, é sobre resiliência, afeto, arte e a beleza de se lembrar de quem somos. Contudo, com sensibilidade e personalidade, a produção entrega um olhar único sobre a existência humana e convida o público a repensar o que realmente importa ao longo do caminho.
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