O cinema francês é uma caixinha de surpresas. Quando menos se espera, você se depara com uma história profunda e delicada. Noites de Paris conta uma história comum, sem grandes viradas ou personagens extraordinários. Na verdade, é a simplicidade que encanta.
O filme dirigido por Mikhaël Hers se passa em 1981, ano em que François Mitterand foi eleito. Os aspectos políticos têm grande importância no roteiro, os impactos das decisões aquela época justificam o comportamento dos personagens. Elisabeth é uma mulher que se vê abandonada pelo marido e precisando cuidar de seus dois filhos. Ela, que nunca havia trabalhado para sustentar a casa, agora precisa conseguir um emprego dentro de suas capacidades. E é no rádio que ela se encontra e consegue encontrar também um norte para sua vida. Quando ela decide levar para casa Talulah, uma garota que tem um passado que ela esconde, tudo muda.
Entendendo a história para além da sinopse
O contexto histórico aqui também é muito importante. A França dos anos 80 vivia um momento conturbado em sua juventude. E isso é retratado no filme de maneira bem consistente. O abuso do cigarro e das drogas, principalmente a heroína, estão presentes na história. A França naquele ponto tentava embalar uma normalidade com a presidência de François Mitterand. E aqui é preciso destacar o trabalho fantástico de fotografia, que mesclou uso de imagens de época com efeitos digitais para levar o espectador aos anos 80. Toda a atmosfera dos anos 80, roupas, sons, cores, carros, uma perfeição incrível nos detalhes. E aqui é preciso destacar que Paris funciona como um personagem a parte, com todas suas luzes, o filme explora cenas externas que enchem os olhos.
As atuações funcionam muito bem aqui. Charlotte Gainsbourg é uma atriz muito interessante, consegue transitar entre todas as emoções que a personagem exala. E aqui é preciso dizer que ela atua praticamente o filme todo com adolescentes. E porque isso é importantes? Porque Megan Northam e Quito Rayon Richter, que vivem seus filhos, também estão excepcionais.
Entretanto, é a jovem Noée Abita que rouba toda a cena para ela. Talulah é uma garota misteriosa mas ao mesmo tempo carente de afeto. Mas é muito bonito ver a evolução de sua personagem ao longo de quase duas horas, e como que o afeto, o carinho, a fraternidade, foram determinantes para o desfecho da vida dessa garota.
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Um roteiro que entrega sentimentos e afinidades
Hers foi muito feliz em todas suas escolhas, ousado ao tratar de temas muito complexos, como o amor da meia idade para as mulheres, assunto ele que sempre foi taxado como tabu . Muito importante ele tocar em temas sensíveis, como as drogas na juventude, o câncer de mama e os sentimentos envoltos no resultado da mutilação gerada pela mastectomia, a aceitação do próprio corpo. A maneira como se constroem as relações humanas transpassam a tela, criando uma afinidade muito prazerosa com aqueles personagens. E é sempre nesse ponto que podemos notar o acerto e a sinergia entre roteiro e direção.
Em vários momentos o espectador pode observar como que o machismo estrutural perdura até hoje. Porém, nos anos 80 era muito mais na cara. Talvez a escolha de Mikhaël de contar a história de duas mulheres em sentidos opostos, Elisabeth tentando encontrar uma maneira mais intensa de viver, e Talulah, tentando encontrar um sentido para sua vida, seja na verdade uma metáfora. Uma metáfora sobre como não importa qual o desejo da mulher, o mundo sempre vai tentar atrapalhar ou condenar suas escolhas. Felizmente, no nosso caso as escolhas delas mudam completamente a vida uma da outra.