Em O Aprendiz (The Apprentice) acompanhamos o início da carreira de Donald Trump como empresário no setor imobiliário em Nova York nas décadas de 70 e 80. Muito focado na relação de mentoria entre o jovem e seu controverso advogado Roy Cohn, o filme é mais que uma crítica a Trump, mas principalmente ao sistema que permitiu com que ele se tornasse o que é hoje. 

De jovem ambicioso a empresário impiedoso, a narrativa mostra gradualmente a trajetória de um garoto que só queria provar para o seu pai que suas ideias valiam a pena rumo ao título de ‘America’s Golden Boy‘. Sobretudo, o filme mostra como as influências ao seu redor no início de sua carreira moldaram o seu comportamento, sua moral, e como isso o transformou em algo ainda pior do que seu mentor. 

Manual da extrema direita

A relação entre Trump e Cohn é, sem dúvidas, o que conduz toda a narrativa. Embalados pelas três regras fundamentais de Roy Cohn, o filme apresenta uma espécie de manual metodológico da extrema direita passado de mestre para aprendiz.

  1. Atacar atacar atacar
  2. Negar até o fim e nunca admitir culpa
  3. Sempre se declarar vitorioso

Coincidentemente – ou nem tanto assim – ele viria a usar essas exatas mesmas táticas décadas depois, na política. Afinal, o ex-presidente até hoje não reconheceu a derrota para Joe Biden nas eleições de 2020.

Apesar de mostrar um Donald Trump antes de ingressar nesse meio, O Aprendiz convida o telespectador a refletir sobre a máxima de que “tudo é político”, e que um indivíduo narcisista, com uma sede insaciável por poder, perfeitamente capaz de manipular o sistema e passar por cima das regras em benefício próprio, sempre foi perigoso – antes mesmo de se candidatar a um cargo público.

Dessa forma, a trama mostra como o advogado ensinou o empresário a se tornar um verdadeiro predador, sem escrúpulos, egocêntrico, obcecado com dinheiro e capaz de fazer o que for preciso para se manter no topo, incluindo subornos e manobras fiscais. Isso somado a uma fotografia e direção de arte que retratam perfeitamente toda essa extravagância e obsessão, transformam o projeto em uma grande imersão que vai conduzindo o telespectador pelos passos que tornaram Donald Trump a personificação do capitalismo estadunidense e da extrema direita.

Sebastian Stan com Trump em O Aprendiz

Interpretando perfeitamente seus maneirismos sem extrapolar, Sebastian Stan entrega uma performance estelar como Trump, tomando todo o cuidado para não ultrapassar a linha entre o real e o caricato e para não o desumanizar, mesmo em um filme crítico a sua figura. A caracterização certamente foi um fator crucial para o resultado final. Desde o cabelo aos figurinos, a impressão que tive é que a cada cena o ator se assemelhava mais e mais fisicamente a ele. 

Jeremy Strong também não fica para trás com sua interpretação de Roy Cohn. Novamente, ressalto o cuidado que o projeto teve em humanizar essas figuras – e aí vale destacar a diferença entre humanizar e o famoso “passar pano”. No caso do advogado, isso se deu especialmente nos atos finais do longa, que abordou sua homossexualidade e tópicos como o HIV com uma sensibilidade que vale ser mencionada. 

Ivana Trump e acusações de estupro

Em meio a isso tudo, o filme também acompanha o relacionamento entre Donald e Ivana (Maria Bakalova), outro tópico bastante delicado. Isso porque, em uma das cenas, o longa dá a entender que o empresário a abusou sexualmente enquanto ainda estavam casados.

Essa alegação não é infundada, já que Ivana Trump realmente o acusou de estupro em um depoimento judicial em 1990, quando eles estavam se divorciando. Porém, ela acabou retirando a alegação e o ex-presidente nega até hoje que tenha cometido tal ato. Vale lembrar que Ivana faleceu em 2022, portanto, não teve dizer sobre o que foi retratado na produção.

Além de Ivana, mais de 20 mulheres acusaram Donald Trump de “má conduta sexual”, porém esses casos viriam à tona após os acontecimentos do filme.

Polêmica nos Estados Unidos

Por muitos meses, O Aprendiz enfrentou diversos problemas para encontrar uma distribuidora nos Estados Unidos. A ideia do diretor Ali Abbasi sempre foi que o filme entrasse em cartaz antes das eleições, que acontecerão em novembro, porém, ameaças da equipe de Trump adiaram o processo.

Os advogados do ex-presidente enviaram uma carta aos cineastas na tentativa de bloquear o lançamento do filme. No entanto, até o momento, a equipe não deu seguimento à ameaça. Nos últimos meses, a campanha de Trump vem emitindo repetidamente declarações acusando o filme de difamação e de uma tentativa de interferir nas eleições.

Particularmente, acredito que dificilmente o filme irá abalar a fidelidade de seus eleitores que o adoram cegamente, mas pode sim balançar os indecisos, esclarecer pessoas mais jovens que não conheciam o início da trajetória de Trump fora da política, e até mesmo refrescar a memória do público com relação a casos de décadas atrás convenientemente varridos pra debaixo do tapete.

O Aprendiz estreia dia 17 de outubro nos cinemas brasileiros.