Zombando do machismo, O Clube de Mulheres de Negócios traz uma cômica, porém, reflexiva crítica a nossa sociedade atual
O que acontece quando o oprimido se torna o opressor? É a partir desta pergunta, que O Clube de Mulheres de Negócios usa da comédia e tensão para puxar uma discussão anti-machista. Uma discussão por meio de uma inversão de papéis desesperadora, mas real, a qual cutuca em muitas feridas da sociedade. Cutucadas estas que vem a tela através do uso de analogias e exageros (que não são tão exagerados, por assim dizer).
Com Anna Muylaert assumindo a direção e o roteiro, O Clube de Mulheres de Negócios traz o ápice da crise do patriarcado em um mundo imaginário onde os estereótipos de gênero estão invertidos. Ou seja, as mulheres ocupam as posições de poder, enquanto os homens são criados para serem socialmente submissos.
Neste mundo imaginário, acompanhamos o fotografo Jongo (Luis Miranda) e jovem repórter Candinho (Rafael Vitti), em meio a uma investigação jornalística sobre o Clube de Mulheres de Negócios, entrevistando as representantes que o comandam. Entretanto, a reportagem começa a assumir um caminho inesperado quando Candinho começa a fazer as perguntas certas as pessoas erradas. E para piorar: as onças que estavam presas no clube escapam de suas jaulas, criando um ambiente perfeito para o caos. Confira o trailer abaixo:
Com um tom sarcástico e um elenco de peso, O Clube de Mulheres de Negócios promete cutucar nas feridas estruturais de nossa sociedade. Mas a dúvida que fica é: será que o longa consegue de fato fazer isso? Ou melhor, será que O Clube de Mulheres de Negócios é bom mesmo?
O cômico e o trágico
Com uma ideia singular, O Clube de Mulheres de Negócios trabalha a sua proposta com uma narrativa linear e simples, sendo dividida em três núcleos, os quais se encontram e desencontram com frequência. Ou seja, o público pode acompanhar o desenrolar desta história pela visão de Jongo (Luis Miranda), de Candinho (Rafael Vitti), e das representantes de elite que administram o clube em si.
Aliás, a dinâmica destes três grupos tem um excelente diálogo entre si, no qual o terceiro representa a opressão da elite. Enquanto isso, Jongo e Candinho além de serem a voz dos oprimidos, também trabalham com a sonoridade entre a classe submissa, por assim dizer. E se quiser ir ainda mais além, a relação da dupla jornalística tem um tom de mestre e discípulo, em que Jongo tenta ensinar sobre o mundo real, tentando proteger – ou ao menos dar apoiar – o jovem Candinho.
Falar da dinâmica dos personagens e dos arquétipos que eles tanto representam poderia render a um livro, de tantos acertos que o longa tem aqui. No entanto, esse acerto só é possível graças ao elenco que consegue entregar uma atuação que flui com o andar da narrativa. Assim, há momentos para entregarem um clima cômico, com tom sarcástico, enquanto em outros, um ar mais emotivo, denso e pesado.
Entretanto, em meio a tantos acertos, há alguns desenvolvimentos onde a trama não flui naturalmente, ficando um pouco arrastada. Soa como se os núcleos se distanciassem tantos um dos outros, porém, ao mesmo tempo, como se tentassem falar um mais alto que o outro. Dessa forma, a narrativa perde a mão em meio ao seu desenrolar, tornando-se confusa e perdendo aquela fluidez que havia construído até então.
Um filme para refletir ou para “militar“?
Um dos pontos mais altos de O Clube das Mulheres de Negócios está em sua proposta. Afinal, não é sempre que vemos um universo alternativo onde o patriarcado está invertido, mulheres dominam enquanto homens se encontram na posição de submissos, não é mesmo? E se a proposta do longa não ficar clara até então, ao final, a direção de Anna Muylaert não perdoa e esfrega na cara do público a sua ideia por trás de toda a história.
Com muito humor e um tom escrachado, o filme cutuca a ferida e traz reflexões ao trocar os papéis, para que o outro lado sinta um pouco na pele do oprimido. Tal jogada da produção força o público masculino a cair na empatia, a fim de encarar e repensar quanto a nossa realidade é fundada em uma frágil estrutura do patriarcado. Sim, infeliz e erroneamente, haverá aquele público que falará que o longa é militante, ou que está “só lacrando“, se não que é “esquerdista“, ou o que for. Porém, o longa é muito maior que tais rótulos.
A visão do longa aqui não é de focar no debater em si. Mas sim em promover a empatia entre os gêneros, para então provocar a reflexão e levantar, assim, um ambiente de discussão. Por exemplo, se no machismo há uma facilidade e consequências pela objetificação do corpo feminino, a partir do filme, homens poderão sentir um pouco deste efeito neles mesmos. Aliás, até mesmo sentir um pouco do terror e desespero que o machismo causa em suas vítimas – tanto mulheres quanto os próprios homens mesmo.
Portanto, O Clube das Mulheres de Negócios quebra argumentos superficiais e simplistas, para apontar na cara de seu público, enfiando o dedo na ferida de nossa sociedade. E assim, resgata a ideia de que o opressor só legitimará o peso da opressão quando ele de fato vivê-la e assumir o papel do oprimido. Logo, seja de forma literal ou figurada, a empatia seria o caminho para uma sociedade saudável e harmoniosa.
Afinal, O Clube das Mulheres de Negócios é bom?
Quando a comédia faz rir, é bom, é o esperado. Mas quando ela faz refletir, é sinal de excelência e de alta qualidade. Assim, O Clube de Mulheres de Negócios acerta com um elenco forte, que entende a proposta do longa, entregando um desempenho genial.
O grande trunfo do longa está em sua ideação e na desenvoltura do elenco. Afinal, não é apenas uma “comédia pastelão“, mas, sim, uma crítica social a nossa realidade, a qual assombra tanto nossas vidas, e muitas vezes nem percebemos. A proposta cutuca a ferida e apela a uma empatia extrema ao trocar os lados da moeda.
Entretanto, a direção de Muylaert se perde um pouco em meio a tantas ideias geniais, o que resulta numa certa complicação da trama em fluir naturalmente, provocando até uma leve sensação que a história se arrasta, num certo momento. Contudo, durante este momento mais turvo do filme, é que as pequenas ideias e detalhes brilham e se sobressaem. Logo, o que começa a se tornar chato, torna-se cômico pela sutileza de como algumas coisas são tão bem representadas aqui.
Por fim, O Clube de Mulheres de Negócios crítica a nossa sociedade com exageros, mas sem exagerar. Aponta as falhas estruturais de nossa realidade por meio do cômico e escrachado, ao mesmo tempo, visa provocar reflexões claras e profundas, por meio da sutileza e empatia. Deste modo, fica claro também que O Clube de Mulheres de Negócios é uma ótima pedida, e que precisa ser assistida para começarmos a repensar sobre o nosso mundo.
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