Em O Vazio de Domingo à Tarde, o diretor Gustavo Galvão explora questões profundas sobre a indústria do entretenimento, a cultura da violência e o imediatismo do mundo digital, particularmente em relação ao impacto desses aspectos na vida das mulheres.
A história
A trama gira em torno de Mônica, vivida por Gisele Frade, uma atriz em processo de reinvenção, que, após um desgaste de imagem, se encontra no set de um novo filme em Goiás. Enfrentando conflitos internos e profissionais, Mônica tenta conciliar sua carreira com os desafios do casamento, enquanto seu marido lida com a iminente perda do pai, criando uma tensão constante entre a vida pública e privada da personagem.
Paralelamente, o filme introduz Kelly (Ana Elisa Chaves), uma adolescente obcecada pela fama, cuja busca implacável pelo estrelato a leva a acreditar que qualquer sacrifício é válido para alcançar o sucesso. Galvão entrelaça as histórias dessas duas mulheres de forma quase metafórica, como se fossem carros em uma estrada, um avançando e o outro tentando acompanhar. Enquanto Mônica lida com as desilusões do mundo do entretenimento, Kelly ainda sonha em conquistar seu espaço, sem perceber os sacrifícios e limitações que podem acompanhar essa trajetória.
Direção tenta dar um alcance ao assunto principal, mesmo que peque em detalhes importantes
O diretor adota uma abordagem visual crua, com câmeras e ângulos que mimetizam o olhar cotidiano, como se o espectador estivesse espionando a vida das personagens. Essa escolha estilística enfatiza o ponto central do filme: o fascínio do público pela fama alheia e os julgamentos que fazemos dos famosos. Em uma cena emblemática, Mônica enfrenta tensões com o diretor do filme que estrela, expondo a realidade do sexismo na indústria, onde papéis femininos são frequentemente reduzidos a estereótipos que exploram a aparência das atrizes.
Esse, inclusive, é um dos pontos que Mônica mais odeia na indústria, assim como os papeis que ela não quer fazer, mas sua empresária a obriga. Ela chega a dizer que “Você só pensa em dinheiro”, sintetizando muitas vezes o que pensamos sobre “porque fulano de tal aceitou, tal papel?”. Esse contraste se acentua ao observarmos Kelly, que ainda idealiza o glamour do entretenimento, sem a consciência das barreiras e desafios que ele impõe às mulheres. Ela não se dá conta em nenhum momento, do preço alto que tem que se pagar para chegar lá, mesmo pagando esse preço também, ao ser seduzida por um assediador de internet.
A reflexão necessária que o filme traz para o espectador
Galvão também traz uma reflexão pertinente sobre a cultura digital, onde o desejo pela fama rápida faz com que muitos jovens almejem se tornar celebridades de redes sociais, quase como substituição do sonho de ser jogador de futebol ou supermodelo de décadas passadas. A busca por uma vida melhor, onde os invisíveis passam a ser vistos pelas pessoas e pela sociedade. Kelly representa esses jovens que, ao se exporem ao mundo digital sem supervisão, se tornam vulneráveis aos perigos da internet. Esse tema se destaca no filme, reforçando os riscos que a exposição e a busca por validação podem representar, especialmente para mulheres jovens.
Apesar das intenções ambiciosas, o roteiro de Galvão e Cristiane Oliveira deixa algumas pontas soltas. Subtramas são introduzidas e não têm um desfecho claro, o que pode frustrar espectadores que buscam uma narrativa mais coesa. O final aberto do filme, embora intencional, desafia o público a lidar com a falta de resolução, evocando a efemeridade da vida online, onde histórias começam e terminam abruptamente, muitas vezes sem explicações.
O retorno de Gisele Frade ao cinema, após quase duas décadas, é um dos pontos altos do filme. Sua atuação como Mônica revela a experiência e maturidade adquiridas nos palcos e na vida pessoal. Já Ana Elisa Chaves, que interpreta Kelly, demonstra uma força inesperada em sua estreia, evidenciando o rigor da seleção de elenco. O olhar cuidadoso de Galvão ao escolher uma jovem atriz que pudesse transmitir a ambição e vulnerabilidade de sua personagem, se perpetua na tela.
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Vale a pena assistir?
O Vazio de Domingo à Tarde é uma obra que, embora não apresente uma narrativa impecável, compensa pela profundidade dos temas e pela maneira provocativa com que aborda o entretenimento e as armadilhas da fama. É um convite à reflexão sobre o preço da visibilidade e as expectativas depositadas sobre as mulheres em uma sociedade hiperconectada e, por vezes, cruelmente exigente.
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Foto de capa: André Carvalheira