O cinema consegue contar histórias que nós nunca sequer imaginaríamos que contaria. Isso porque o cinema não tem compromisso com certos detalhes que nós seres humanos damos tanto valor. Por exemplo, a temporalidade. Um filme pode começar de um ponto de uma história ao qual nós não tivemos acesso antes, não conhecíamos nenhum aspecto que pudesse no localizar dentro daquele começo.
A produção indicada a nove categorias do Oscar 2023® é estrelada por Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon e Barry Keoghan
A história
Em “Os Banshees de Inisherin” somos introduzidos dentro da vida e da amizade de dois homens, Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson). Nesse exato momento passamos a acompanhar uma situação entre os dois, onde Colm decide que não quer mais ser amigo de Pádraic. Ora, a primeira coisa que nos vem à cabeça é “o que será que aconteceu pra chegar nesse ponto?!”. Pois bem, O diretor Martin McDonagh brinca com todas as situações que decorrem desse fato inusitado, e passamos a acompanhar os desdobramentos dessa decisão afinco de Colm.
Inisherin é uma ilha remota na costa oeste da Irlanda, onde vivem alguns camponeses, que de longe acompanham a guerra em seu país. Vou gastar um parágrafo inteiro para falar da fotografia desse filme, que mescla planos abertos com planos fechados para nos fazer viajar por dentro da intimidade das pessoas e conhecer onde elas vivem. Aqui tudo é pacato, menos a amizade de Pádraic e Colm, que se torna o caso mais comentado da ilha. Afinal de contas, entre tomar conta do gado, plantar, e vender, sobra muito tempo para fofocas.
Analisar um filme desse tamanho é um trabalho complicado, principalmente em se tratando de colocar em palavras. Isso porque McDonagh traz para a tela um drama complexo, repleto de nuanças e entrelinhas. Em certo ponto não é mais possível desassociar o que é metáfora do que é real. O diretor usa a amizade entre os dois velhos da ilha para falar de abuso, de perseguição, machismo, sexismo, doenças mentais e guerra.
Atuações dividem o ápice do filme com a fotografia
Entre todos os acertos que justificam tantas nomeações para o Oscar 2023, o que mais se destaca é a escolha do elenco. Farrell e Gleeson estão impecáveis em seus papeis. O diretor já tinha dito que a escolha não foi aleatória, ele pensou nos personagens especificamente para os atores, que já tinha trabalhado juntos em “In Bruges”. O mais curioso é que ambos os personagens têm personalidades bem diferentes, Colm é quieto, gosta de música, poesia, faz reflexões sobre a vida. Já Pádraic é engraçado, enérgico, decidido, carinhoso. Mas é nos defeitos que eles se manifestam. Um pelo extremismo, o outro pelo inconformismo. Se para um, a paz é importante, para o outro, a paz significa perder algo, algo que ama.
Outro ator que se destaca pelo seu personagem é Barry Keoghan como Dominic Kearney, um jovem tido como o “pateta” da ilha, mas que carrega consigo a cicatriz dos abusos constante de seu pai, e uma sabedoria inocente que poucos na ilha tem. É interessante perceber que justamente o renegado por todos acaba sendo sensato em tantos momentos. Dominic nos faz refletir muito sobre como julgamos as pessoas, sendo que na maioria das vezes nem prestamos atenção nelas ou nos seus problemas.
Da mesma forma que temos Kerry Condon como Siobhán Súilleabháin, a irmã de Pádraic, tida como a mais inteligente da ilha e que vive com seu irmão. A atuação de Kerry é tão sobrea que quase precisamos parar para entender como ela é importante para a trama. Aqui, sua história corre por fora da curva. O seu final no longa prova isso, e mais uma vez me volto ao primeiro parágrafo dessa crítica. O cinema não precisa ter compromisso com regularidades. É possível ter mais de uma história dentro do mesmo filme, desde que o diretor saiba contá-las da maneira correta.
“Os Banshees de Inisherin” é uma expressão que precisa ser entendida
Além disso, queria fazer uma reflexão sobre os “Banshees”. Para quem não sabe, Banshee é uma entidade da mitologia celta, e que significa “Mulher Mágica”, considerada uma Fada, que previa a morte de alguém a distância. No filme McDonagh usa essa expressão de duas formas, uma explicita e uma metafórica. Se por um lado Colm dá esse nome “Os Banshees de Inisherin” para a música que ele escreveu e lhe custou tudo, por outro temos de fato um ser obscuro que ronda a vida de todos. Só nos damos conta desse fato quando paramos para juntar todos os pedaços (e claro, aprendendo o que significa Banshee).
Por fim, é preciso dizer que senti falta de certas conclusões, algumas pontas soltas, talvez um pouco mais de afinco em nos introduzir algumas histórias.