O cinema é capaz de nos transportar para várias épocas, e para várias vidas, e dessa vez talvez possamos entrar, mesmo que por um pouco, na história de Steven Spilberg. E não me refiro a uma história criada, mas a sua própria. Os Fabelmans, longa inspirado na infância do premiado Steven Spielberg, que foi escrito, dirigido e produzido pelo renomado cineasta.
Esse filme retrata de maneira breve fragmentos da infância pessoal de um dos maiores diretores de cinema da história. Aqui podemos ver os relatos de um jovem, amante da filmagem, que descobre um segredo em sua família, obscuro e perturbador, e precisa aprender a lidar com isso. Paralelamente, ele vai descobrindo como que os filmes podem ensinar lições importantes sobre a verdade sobre nós mesmos e sobre os outros.
Spilberg esteve presente em todos os momentos da concepção dessa obra. Para ele, isso não é nada, e nem foi a primeira vez. Porém, aqui temos uma história muito profunda, e que é perceptível como que o olhar íntimo dele fez diferença, como disse, uma aula que mostra a importância da Mise-en-scène na elaboração de um bom filme.
A história
Os Fabelmans são uma família de Judeus nos anos seguintes ao da guerra, vivendo nos Estados Unidos da era pré computadores. O pai, um engenheiro fascinado por números e por computação, a mãe, uma talentosa pianista. Na casa ainda mais duas irmãs, carinhosas e atenciosas. E claro, Sammy Fabelman, um jovem que aprendeu cedo a amar a arte de colocar em movimento as fotos depois de assistir “The Greatest Show on Earth”.
É preciso dizer que para os apaixonados por cinema de movimento, esse filme é uma aula. Conceituais e práticos, sobre como é produzir um filme, narrar uma história através das telas. É preciso dizer que já existiam filmes nesse ponto da história, o foco aqui não é sobre como o cinema foi descoberto, mas sim como Sam descobriu o cinema. E podemos entender, que foi como Spilberg também descobriu.
A sutileza dos detalhes é impressionante e marcante. Cada pequeno detalhe faz diferença no entendimento da história, que apesar de não ser complexa é profunda. Aqui, o diretor fez questão de colocar em foco pequenas migalhas no caminho, para que os espectadores fossem colhendo aos poucos, e assimilando passo a passo o que iria acontecer. E não, não é um filme cheio de plots, até mesmo o ápice do filme é previsível. Não haveria de ser diferente, afinal de contas se trata de uma obra baseada na vida de alguém.
Atuações marcam espaço em história dramática
Os senhor e senhora Fabelmans são vividos respectivamente por Paul Dano e Michelle Williams. Quatro vezes indicada ao Oscar®, não é nenhuma surpresa uma atuação tão impactante, convincente, sincera. Williams é meticulosa nos detalhes, nos faz acreditar em cada sorriso, choro, dança, movimento, palavra. O paralelo aqui é feito com Paul, que interpreta um homem silencioso, quieto, porém gentil e cordial. A simbiose artística que os dois promovem na tela chega a ser constrangedora de tão boa. Será que ter um diretor como Spilberg, faz essas coisas serem habituais?
Faço um pequeno parêntese aqui sobre Seth Rogen, que vive o melhor amigo do casal e pivô de todos os dramas envolvidos. Seth é um comediante muito competente, atua de maneira satisfatória, e aqui, apesar de atuar nas sombras, é impecável por ser assim. É nos detalhes e nos comedidos que ele entrega seu personagem. E por fim, como não falar da atuação de Gabriel LaBelle, o jovem ator de 20 anos que interpreta a versão adolescente e adulta de Sammy.
É um ator que tem suas virtudes apesar da pouca experiência. Derrapa um pouco nas caras e bocas exageradas, mas que consegue entregar tudo quando precisa. A sua sintonia com Michelle Williams é perceptível também.
Aqui me pego refletindo, esse é o tipo de trabalho que eu considero muito difícil de fazer. Criticar um diretor como Spilberg, ou o roteirista ganhador do Prêmio Pulitzer, Tony Kushner, é quase uma heresia. Se não enxergo os erros, posso ser omisso, se não enxergo os acertos posso ser ingênuo. A verdade é que fazer a média aqui é importante, e para minha sorte, ao escrever esse texto, só se passaram poucas horas do Globo de Ouro 2023, que premiou The Fabelmans como Melhor Filme de Drama.
A pergunta de hoje não é se vale a pena assistir, mas sim, quanto perdemos ao não assistir!
Eu me sinto privilegiado por poder dizer aqui, sem medo de errar, que os boatos estão corretos. Esse é um filme memorável, que faz da simplicidade do drama da vida uma obra de arte tão bonita, deixando claro para nós que é assim mesmo, os dramas acontecem simultaneamente com os sonhos.
Por fim, quero dizer que sigo apaixonado por cinema, e o Senhor Spilberg acabou de me dar mais um motivo para isso.