Estreia nos cinemas o filme Salamandra, primeiro longa do diretor Alex de Carvalho. Baseado no romance de Jean-Christophe Rufin, o filme é um drama que trata de um amor baseado no interesse e na culpa. Estrelado por Marina Foïs e Maicon Rodrigues, a história pode trazer questionamentos importantes sobre colonialismo, etarismo e racismo estrutural.

A história de Salamandra

O filme se passa em Recife, onde acompanhamos a história de Catherine, vivida por Foïs, que vem para o Brasil morar com sua irmã após a perda do pai. Ao mesmo tempo, conhecemos Gil, um rapaz trabalhador que guarda consigo uma ambição de ser seu próprio patrão e uma vida cheia de segredos. E é na praia que o caminho dos dois se encontra, e nasce uma paixão inesperada e profunda.

Catherine, uma mulher madura e francesa que recentemente perdeu o pai, encontra-se vivendo um dia de cada vez. Gil, um jovem bonito que trabalha em uma casa de shows em Recife, sonha em ser seu próprio patrão. Ele é um rapaz cheio de segredos, mas com um coração pulsante e cheio de bondade, apesar das marcas da pobreza, do racismo e da exploração estarem presentes em sua vida e em seu corpo.

Quando os caminhos dos dois se cruzam, surge a oportunidade de cada um suprir a necessidade mais latente em suas vidas naquele momento. Gil encontra em Catherine uma mulher bonita, culta e rica que baliza seus sonhos, enquanto Catherine descobre em Gil um jovem bonito e vigoroso com quem pode viver uma sexualidade enclausurada. Essa inesperada conexão entre dois mundos distintos revela-se uma trama profunda e emocional, onde ambos aprendem e crescem com as diferenças que carregam.

A escolha de Marina Foïs, uma das maiores atrizes francesas contemporâneas, foi um dos maiores acertos do diretor, assim como a potência de Maicon Rodrigues, um ator versátil, que apesar da pouca idade já demonstra uma capacidade de atuação acima da média.

Foto: Divulgação

Um roteiro que abraça sem medo assuntos intocáveis

O filme destaca com clareza as diferenças sociais entre seus personagens, especialmente através do idioma. Catherine, uma francesa madura que recentemente perdeu o pai, não fala uma palavra em português, enquanto Gil, um jovem bonito de Recife, tem dificuldades com o próprio idioma. Essa barreira linguística serve como catalisador para o romance entre os dois, forçando-os a explorar formas não verbais de comunicação. A linguagem que eles encontram é a corporal, utilizando gestos, expressões e o uso de seus corpos para expressar suas intenções.

O diretor Alex Carvalho aproveita habilmente o jogo de câmeras para enfatizar essa comunicação corporal, deixando subentendido ou explicitando o que está acontecendo. As cenas de sexo permeiam o longa, usadas não apenas para chocar, mas para transmitir mensagens profundas e complexas.

Gil parece encontrar em Catherine uma espécie de “Sugar Mommy”, não pelo conceito superficial, mas pela dinâmica que se estabelece. Catherine, por sua vez, vê em Gil um jovem idealizado para satisfazer suas necessidades reprimidas. Ela tenta comprar sua presença com presentes e até mesmo uma proposta de sociedade em um negócio. No entanto, o que existe entre eles não é um amor shakespeariano, mas sim uma exploração mútua de oportunidades.

Um ponto decepcionante do longa é o arco envolvendo o “antagonista”. O patrão de Gil, que alterna entre um papel paternal e um explorador indiferente, não é suficientemente explorado, deixando a relação entre os dois em um limbo narrativo. Além disso, a história de vida de Catherine é pouco desenvolvida, oferecendo poucas informações sobre quem ela é e suas motivações. Esse recorte limitado do filme apresenta apenas uma amostra superficial da vida de cada personagem, deixando lacunas que talvez sejam preenchidas no romance “La Salamandre” de Jean-Christophe Rufin.

SALAMANDRA, FILME DE ALEX CARVALHO
SALAMANDRA, filme de estreia de Alex Carvalho Foto: Divulgação

Um roteiro político

O filme aborda de forma sensível às diferenças sociais e históricas entre seus personagens, sem necessitar de um aprofundamento excessivo na trama. Catherine, uma mulher europeia, branca, de meia-idade e rica, e Gil, um jovem nordestino, negro e pobre, representam polos opostos em quase todos os aspectos de suas vidas. O roteiro poderia ter usado esses contrastes para contar uma história política complexa, mas opta por um caminho mais simples e direto, sem grandes reviravoltas.

A história de Catherine, embora pouco detalhada, oferece algumas pistas sobre seu passado. Após a morte do pai, ela tenta se reconciliar com sua irmã que vive no Brasil, mas não se sente pertencente ao estilo de vida classe média que a irmã leva. Essa desconexão pode explicar sua decisão abrupta de se envolver profundamente com Gil, mudando-se do apartamento luxuoso à beira-mar da irmã para uma comunidade humilde, onde vive seu parceiro. Catherine parece estar em busca de uma forma de questionar seus privilégios, como alguém que carrega uma certa culpa colonialista. Além disso, a história também trata do etarismo, e quebra esse conceito de que uma mulher de certa idade não pode ter desejos sexuais ardentes.

O filme utiliza o corpo como território de exploração e comunicação. Catherine usa o corpo de Gil para satisfazer seus desejos mais profundos, libertando-se de suas amarras invisíveis, enquanto Gil se permite ser usado para conquistar um espaço e uma oportunidade de fugir de uma realidade opressiva. A comunicação entre os dois, na maioria dos momentos, é não verbal, um reflexo das suas diferentes línguas e mundos. Mas não se engane, esse não é um filme de mocinhos e vilões. Não há aqui espaço para tentar encontrar errados e culpados. O filme mostra um retrato específico da relação dessas duas pessoas, que encontraram, cada um a sua maneira, uma forma de viver esse relacionamento.

Vale a pena assistir?

Embora o filme apresente uma amostra superficial da vida dos personagens, ele nos oferece um vislumbre significativo de suas complexidades e das questões sociais e históricas que os cercam. A obra pode não responder a todas as perguntas que levanta, mas deixa uma impressão duradoura sobre os desafios e as nuances de relações humanas que transcendem barreiras culturais e sociais. É um filme necessário e muito interessante, e eu recomendo que você possa conhecer e aprender com ele.