Em “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança” aprendemos que uma das grandes verdades sobre a vida é que nem sempre estamos aptos a passar pelas provações com sobriedade, principalmente quando se trata de perdas profundas. O longa assinado dirigido por Marcos Bernstein analisa profundamente o comportamento humano que lida com perdas intensas e violentas.
Carla é uma advogada de sucesso, com um casamento estável e uma filha inteligente e amorosa. Durante uma tentativa de assalto no Rio de Janeiro a filha de Carla é baleada e fica em estado grave no hospital. Na busca por alívio Carla encontra um grupo de apoio para pessoas com trauma violento, mas nem isso consegue acalmar sua alma e seu coração. Diante da inercia do poder público e do trauma que a consome, ela decide buscar as vias para se vingar. O que Carla não imaginava era que essa vingança seria muito mais profunda e difícil do que ela poderia imaginar.
Eu gostaria de primeiramente dizer a você leitor que em função do filme ser muito limitado dentro do seu próprio universo, se torna impossível fazer uma crítica profunda sem dar spoiler, sendo assim, a partir desse ponto você pode encontrar pequenos spoilers. Mas não se preocupe, vou poupar o final, ok?
Violência é tema central, mas não existe maior violência do que a corrupção
Os filmes de ação policial brasileiros têm uma coisa em comum, a maioria quando trata da realidade mostra como a morosidade do sistema é uma arma poderosa para os criminosos. Isso porque a sensação de impunidade é o maior combustível para que crimes continuem acontecendo. Aqui em “Tempos de Barbárie” a polícia tem um efetivo pequeno e uma quantidade absurda de crimes para solucionar. E cá entre nós, de ficção isso não tem absolutamente nada. Inclusive, essa história escrita por Marcos Bernstein, Victor Atherino e Paulo Dimantas poderia ser muito bem um relativo da vida real.
E claro, o sentimento de luto e perda que uma mãe pode sentir ao perder sua filha para a violência brasileira é retratado de forma impactante por Cláudia Abreu, que vive Carla, que nos faz acreditar e sofrer junto a ela durante boa parte do filme. É impossível não se relacionar com aquela mãe e com aquela história. Ao tentar buscar ajuda no grupo liderado por Natália, personagem de Júlia Lemmertz, Carla percebe que cada pessoa ali tem seu próprio trauma, e veladamente todos tem o mesmo sentimento, de que se ninguém irá fazer nada, eles mesmos poderiam fazer.
E é assim, com esse sentimento que Carla busca ajuda de um amigo da empresa para comprar uma arma. O filme tem uma cena inicial que trata dos dados estatísticos de mortes por arma de fogo no Brasil, que todos sabem ser aterrorizante. Mesmo assim, o filme tenta legitimar essa vingança de Carla, e em nenhum momento faz nenhuma ressalva quanto a isso.
Fiquei pensando se talvez não existisse aqui um vácuo de intenção, onde para justificar as estatísticas o filme decide abrir mão dessa coerência para manter o roteiro em pé. De qualquer forma, e para ser justo, o resultado final mostra que de fato nem tudo é filosoficamente resolvido.
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As atuações endossam o bom roteiro
Se há um bom roteiro sempre se espera que haja bons atores, é pelo menos o que deveria acontecer. E aqui há um casamento muito importante entre atuação e roteiro. Cláudia Abreu e Julia Lemmertz entregam uma atuação profunda e maravilhosa. É um daqueles filmes que você assiste acreditando em cada detalhe, pela perfeição da atuação em nos convencer de que aquilo ali é real.
O longa também é muito bonito, uma fotografia muito intensa, muito bem pensada e executada de maneira brilhante. Gustavo Hadba assina a fotografia, e com certeza é um dos melhores trunfos da obra.
O filme aborda temas como corrupção, tráfico de armas, crime organizado e desorganizado. Ele mostra que o puxar do gatilho é o resultado de uma cadeia de acontecimentos. Essa cadeia envolve a origem, a venda e a permissão da arma. Essa violência é uma consequência social de anos e anos. Porém, Carla e muitos brasileiros já perderam a esperança de entender essa cadeia. A violência parece natural.
Para concluir, esse tipo de filme pode parecer clichê no cinema nacional. Afinal, o crime e a violência sempre geram mais filmes. Mas “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança” tem uma camada profunda que poucos exploraram. Por isso, ele se diferencia dos outros.