Devil May Cry 5 talvez seja o melhor jogo de ação de todos os tempos. No entanto, ao olhar com mais profundidade para essa obra, além da euforia e do encanto pelos gráficos, enxergamos novas camadas. O que mais me interessa na saga são as referências e inspirações literárias e religiosas nos jogos — me refiro às filosóficas.

“Do poder assumido pelo primevo sacerdote

Quando os Eternos lhe rejeitaram a religião

E lhe deram um lugar ao norte,

Obscuro, sombrio, vazio, solitário.”

Prelúdio ao Livro de Urizen (1794), por William Blake.

Vergil e V, duas faces da mesma moeda

Logo no começo do game é dito que o nome do vilão é “Urizen”. Porém, apenas V o chama dessa forma. Isso porque Urizen é o nome de um dos personagens da mitologia de William Blake (1757-1827), um famoso poeta britânico do século XVIII. O jogo se inspira nos poemas do “Matrimônio do Céu e do Inferno” e “Canções da Inocência e da Experiência”, que são lidos frequentemente por V causando complexas reflexões quando se analisa os personagens individualmente.

Para começar, tanto Vergil quanto Urizen são guiados por um desejo incessante por poder. Já Urizen…de Blake, é a personificação da razão e da lei.

Porém, V é a parte humana dessa alegoria. Se pudesse descrever esse personagem em poucas palavras seria arrependimento e determinação. Durante a duração da aventura, V tenta a todo momento compensar os males feitos como Vergil de uma forma ou de outra. Lembrando que a separação de Vergil para V e Urizen ocorreu com uma ofensa direta à Deus — essa sendo suicídio.

Sinto imenso prazer em ver um jogo desse calibre e desse gênero específico, lidando com temas tão profundos de uma forma pouco sutil, mas sem exageros.

V, um dos três protagonistas de Devil May Cry 5.
Imagem: Divulgação

Da fruta do saber, nasce a joia rara

Apesar de não ser inédito, outros jogos com mais peso narrativo não conseguem fazer alegorias tão diretas sem escrachar na cara do jogador que são uma “obra de arte também”, procurando ganhar espaço ao lado do cinema e da literatura, mas se esquecendo de suas próprias limitações e apelos. 

Um belo exemplo disso seria “Dante ‘s Inferno”. Nesse último, toda a ambientação é inspirada no primeiro poema de Dante Alighieri, A Divina Comédia. Porém, todo o espetáculo visual se perde no meio de um combate com potencial mas sem inspiração, com os discursos e personagens do poema espalhados sem contexto, e uma dinâmica de jogo parecida mas não igual à de God of War — algo que gostaria de falar no futuro.

Let’s Rock Baby

Quando falamos de produto final, de resultados e qualidade, apenas Devil May Cry 5 se sobressai em meio aos seus contemporâneos. Todo o espetáculo mecânico, visual, sonoro e literário me cativou de uma forma que os jogos não me cativavam há muito tempo. O que grande parte dos jogos contemporâneos carecem, Devil May Cry 5 entrega com grande estilo e confiança.

Entretanto, leitor, se sua natureza adota o ceticismo e prefere acreditar que nada pode ser mais grandioso do que já se conhece, o convido a se aventurar pelas leituras infernais e jogatinas frenéticas. Só assim você será iluminado.

“Quem deseja mas não age, gera pestilência”

Provérbios do Inferno (1793), por William Blake