Nesta quarta-feira (07), tivemos a oportunidade de entrevistar o diretor António Ferreira na véspera da estreia no Brasil de seu filme ‘Pedro e Inês’ (para saber mais sobre a obra, confira a crítica completa aqui). Na entrevista, o cineasta português falou um pouco sobre o processo de produção da obra, bem como sobre a história em si.
António Ferreira, 50 anos, é um diretor e produtor natural de Coimbra, Portugal. O cineasta nos contou que começou a trabalhar muito cedo como programador de computadores, mas sempre teve gosto pela fotografia e a música, até que aos 24 anos decidiu ingressar em curso de cinema em Lisboa. Posteriormente, se mudou para a Alemanha para estudar na Escola de Cinema de Berlim e, mais tarde, teve seu primeiro curta-metragem, ‘Respirar Debaixo D’água’ (2000), selecionado para o famoso Festival de Cannes, onde teve uma recepção muito positiva. ‘Pedro e Inês’ é o terceiro longa-metragem da carreira de António Ferreira, que é composta majoritariamente por co-produções internacionais, sendo o Brasil seu principal parceiro.
“O meu cinema é narrativo: eu procuro contar histórias; normalmente foco muito na questão familiar e nas relações interpessoais. Neste filme [Pedro e Inês], apesar de tratar de reis e rainhas, eu procurei dar esse tom pessoal de ter um rei tratado como uma pessoa comum, apaixonado como um mortal.”
A ideia de recontar uma lenda tão famosa na história portuguesa através de tempos e universos diferentes de onde se passa a original é muito inovadora. Como foi o processo de visualização e adaptação da lenda tradicional para os moldes do presente e do futuro?
Eu sou originário de Coimbra que é onde aconteceu a história original de Pedro e Inês, aliás, eu moro em frente ao lugar onde aconteceu a história original, onde supostamente a Dona Inês foi morta; então eu cresci com essa história. Quem é de Coimbra como eu… é uma história que está um pouco por todo o lado: tem a ponte Pedro e Inês, o vinho Pedro e Inês, o pão Pedro e Inês, enfim… E em certo momento eu tive conhecimento de uma obra, um romance literário de autoria da Rosa Lobato de Faria, que é “A Trança de Inês”, que tinha esta particularidade de contar essa história, que todos nós portugueses já conhecemos, mas em três épocas: a época original, na Idade Média, e depois havia um Pedro e Inês em dado presente e havia um Pedro e Inês no futuro. Isso imediatamente captou a minha atenção e, sendo eu vizinho da história, pode-se dizer, de repente eu vi uma oportunidade de falar de uma história que já várias vezes foi abordada na dramaturgia portuguesa, no cinema, no teatro, etc; mas de um ângulo completamente inovador. Então, basicamente, no filme essa questão das três histórias e três tempos que se cruzam na “trança” dos tempos são citadas no livro, e claro que depois eu tive que fazer um trabalho de adaptação ao cinema porque é um meio diferente da literatura e do romance. Eu alterei bastante o contexto do presente – no livro eles eram filhos de empreiteiros concorrentes e eu os transformei em arquitetos; e do futuro – [no livro] era um futuro tecnológico, com carros voadores, etc, e por questões óbvias e limitações de orçamento, eu o transformei em um outro tipo de futuro, um futuro rural, passado em uma aldeia, mas que já tinha essa ideia de um futuro preocupado com a questão ecológica, que condicionava quem poderia se casar ou não, quem poderia ter filhos ou não… Então eu adaptei a ideia central do livro e trouxe para o cinema.
Os atores se mantêm os mesmos em todas as linhas temporais alternativas do filme, e imagino que isso demande uma caracterização muito distinta tanto dos personagens quanto do cenário para que a proposta funcione bem. Como foi o planejamento para realizar essa caracterização de modo que os personagens principais não perdessem a sua essência apesar das mudanças?
Exatamente. Isso foi uma proposta que esteve desde o início muito presente, de que seria o mesmo ator em todas as épocas, e quando eu discutia com os atores qual seria a abordagem, se seriam pessoas diferentes de época para época, eu disse que, para mim, isso era uma história só: o Pedro é o mesmo da Idade Média, do século XXI, do futuro imaginário… só que, claro, ele vai se comportar de formas diferentes porque um Pedro do século XIV, filho de um rei, vai ter um comportamento diferente de um arquiteto no século XXI, mas a alma é a mesma, a essência, o caráter é o mesmo. Por isso, eu queria que na alma as três histórias se sentissem como uma única. Eu sei que no início é meio confuso, mas acho que com uns 20 minutos essa confusão desaparece, e acho que entra o que eu queria que acontecesse: que a sensação do espectador fosse a de assistir uma única história que viaja ao longo dos séculos. E claro, isso envolve uma preparação muito grande em termos de caracterização. Nós filmamos cada uma das épocas em contínuo: começamos pelo hospital, o que basicamente tem a ver com a questão das barbas, porque todas as barbas dos atores são verdadeiras e nós não queríamos usar postiças, queríamos que fosse real, então começamos pelo hospital onde o Pedro tem aquela barba enorme, o ator fez um estímulo rigorosíssimo para ficar mais magro, etc. Depois passamos para a Idade Média, onde aparamos um pouco a barba dele e cortamos um pouco o cabelo; depois passamos para o futuro, onde aí foi radical, cortamos e pintamos os cabelos literalmente de um dia para o outro, o que foi um pouco difícil pros atores, tipo ‘estamos na Idade Média e de repente saltamos 600 anos, e agora o comportamento é diferente, a roupa é diferente, a caracterização é diferente…’ Mas enfim, o nosso resultado foi um sucesso.
“Pedro e Inês” é descrito como uma coprodução entre Portugal, Brasil e França. Como foi a experiência de trabalhar com pessoas de diferentes nacionalidades e perspectivas? E qual foi o maior desafio em dirigir as produções do longa?
Então, eu próprio também sou brasileiro, naturalizado, claro. Aliás, morei vários anos no Brasil, ainda vou lá, nossa produtora também está no Brasil, a produtora do filme é brasileira, a Tathiani Sacilotto, de São Paulo; então o Brasil é, digamos assim, um parceiro natural de Portugal, até pela questão óbvia da língua. É um filme exigente do ponto de vista da produção, por toda a questão da caracterização, figurino, arte, etc. Então o Brasil foi sempre o nosso primeiro parceiro, por assim dizer e, entretanto, também surgiu-nos a oportunidade de co-produzir com a França, que é um país importante em termos de produção cinematográfica. E estas várias parcerias que vão, digamos, engordando o orçamento do filme e o viabilizando. Claro, o grande desafio foi encaixar um filme extremamente ambicioso com várias épocas; uma delas é a caracterização de Idade Média, que envolve sempre um esforço enorme em termos de locações, figurinos, etc. Era um orçamento curto para o tamanho do filme e realmente caracterizar épocas é muito difícil, então se temos que caracterizar uma época de 600 anos atrás… enfim, é certo que há monumentos, e no caso do filme foi todo gravado majoritariamente em Coimbra e a sua volta, mas é sempre preciso caracterizar porque as coisas não estão prontas para filmar; normalmente inclusive essas locações estão vazias, não tem qualquer tipo de mobiliário, etc. Claro que tivemos acesso à locações completamente espetaculares, por exemplo, uma curiosidade: o hospital, que é uma espécie de hospital de luxo, é o palácio original onde Pedro viveu com Dona Inês, que hoje em dia é um hotel de luxo, e aqueles jardins eram onde, supostamente, Pedro e Inês namoravam e conviviam. Então nós achamos interessante pegar o lugar onde eles realmente viveram há 600 anos atrás e filmar uma época presente. E produzir isso foi realmente um grande desafio, a questão da mudança de época… nós tínhamos que em poucas semanas caracterizar, na verdade, quatro tempos diferentes porque o hospital também conta como um tempo; caracterizar atores literalmente do dia pra noite onde o ator tinha que entrar numa espécie de ‘novo personagem’.
Amanhã, “Pedro e Inês” chega aos cinemas do Brasil. O filme pode ser uma boa oportunidade para que os brasileiros descubram mais sobre uma narrativa muito interessante, mas pouco conhecida por aqui. Quais são as suas expectativas para a estreia? Quer deixar um recado para os telespectadores brasileiros?
Primeiro, acho que é uma oportunidade de descobrir a origem da expressão comum no Brasil que é ‘Inês é morta’. Eu penso que a maior parte das pessoas não sabe, mas essa é a origem da expressão, que eu penso que no Brasil significa algo como ‘ah, já era’ né? Uma coisa do passado. E tem a ver com essa história de amor trágica, que eu costumo por vezes fazer uma comparação que essa história de Pedro e Inês é uma espécie de ‘Romeu e Julieta’: um amor infindável que ficou por se concretizar completamente. [Pedro e Inês] Foi o filme português mais visto em Portugal no ano em que estreou. Eu procurei fazer um filme emocionante, é uma história de amor, com toques trágicos, mas eu fiquei particularmente contente que um drama conseguiu bater na bilheteria as comédias, o que significa que as pessoas nem sempre procuram uma comédia e, acho que, sobretudo, procuram se emocionar. As pessoas vão ao cinema para sentir emoções fortes de preferência, e eu penso que o filme proporciona isso. E é esse o convite que eu deixo: ver um filme histórico, conhecer um pouco da história de Portugal e ver uma história de amor contada de uma forma inovadora.
O diretor ainda nos revelou que as produções de seu novo projeto, o longa-metragem intitulado ‘Bela América’, devem começar no final do ano e o filme deve ser lançado em 2022 se tudo correr como planejado. Enquanto isso, os telespectadores podem aproveitar para assistir seus outros trabalhos, como ‘Pedro e Inês’, que já está em cartaz nos cinemas do Brasil.
O máximo!! Adorei a entrevista e quero muito assistir esse filme!!