“Lamento” é um filme brasileiro que conta a história de Elder (Marco Ricca), o proprietário de um hotel à beira da falência, que deixa com que seus problemas profissionais reflitam em sua vida pessoal, abalando seu casamento e trazendo à tona antigos vícios no caminho, enquanto precisa lidar com os acontecimentos misteriosos envolvendo alguns hóspedes de seu hotel. O longa foi indicado a Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Burbank e participou da seleção oficial dos festivais de cinema de Brasília, Nashville e Cairo. 

Tivemos a oportunidade de conversar com os dois diretores da produção, Diego Lopes e Claudio Bitencourt, para falar um pouco sobre a história do filme, bem como sobre seus bastidores e desafios. Confira a entrevista completa a seguir:

Como surgiu a ideia para a criação desse projeto? 

Diego: Eu e o Claudio já somos uma dupla de direção há mais de 10 anos, então a gente já dirigiu muitos projetos juntos, e temos uma sinergia muito grande. Já faz também aproximadamente 10 anos que, por conta de envolvimentos familiares, principalmente com relação ao alcoolismo, surgiu essa premissa de história, que eu apresentei pro Claudio; ele também achou que seria uma coisa interessante pra gente se aprofundar, e disso a gente começou a desenvolver o roteiro de Lamento. Foram alguns anos escrevendo, até a gente a partir de 2017 começar a ter a parte de linha de financiamento mais bem-desenhada e começar efetivamente a produção. Agora é o momento de lançarmos. 

Claudio: A gente partiu da vontade de contar uma história com esse tema, que mostrasse a relação do personagem principal com o vício, a questão de estar tudo em volta ruindo, o que foi uma premissa que se manteve desde o primeiro tratamento até agora, mesmo o roteiro mudando bastante e sendo muito metamorfo.Então partindo dessa vontade de contar sobre esse aspecto da condição humana, a gente quis desenvolver esse projeto. 

“Lamento” é um filme que trabalha bastante com emoções em muitas nuances, além de abordar questões importantes como problemas familiares e o vício. Como tudo isso foi pensado, visto que é algo que deve ser trabalhado com muita precisão, equilibrando a delicadeza das temáticas abordadas e a intensidade das emoções?

Diego: Bom, eu acho que a preocupação é sempre contar a história. A gente tem ali um personagem central rodeado por seus demônios, onde ele precisa enfrentar isso, e o foco é sempre conseguir contar isso de uma maneira que seja muito verdadeira. A partir do momento em que a gente é honesto com esse projeto, eu acho que o resto flui naturalmente, inclusive a construção de empatia junto deste personagem, que é um personagem difícil, que tem uma história difícil e, como qualquer pessoa, acerta e erra. Ele é humano, e os comportamentos dele estão a mercê dessa humanidade, porém a gente acompanha uma ida ao fundo do poço, então nem sempre ele opta pelo melhor caminho, por assim dizer. 

Claudio: A gente pode abordar várias questões sensíveis, mas a gente não tentou em nenhum momento abordar essas questões com a visão de uma opinião nossa formada sobre o assunto. Então a gente trouxe coisas que a gente acredita que acontecem, como acontecem, como esses personagens são; e esses personagens têm defeitos, às vezes têm opiniões que nem a gente concorda como diretores, mas a gente acredita que esses personagens reagiriam a essas situações dessa maneira. A gente tentou tratar todos os personagens do filme de uma maneira muito livre para que quem julgue as suas ações, faça isso com as suas próprias experiências, dependendo de como cada pessoa vivencia a história.  

Sabemos que o processo de escolha do elenco e das locações de um filme são partes muito importantes na construção de um longa, especialmente no de vocês, onde não só os personagens, mas o local também conta uma história. Como aconteceu a escalação dos atores e atrizes que participaram dessa obra? E como foi a escolha do local? 

Diego: Uma vez que a gente começou a parte da produção com o roteiro pronto, junto com a nossa diretora de elenco a gente começou a fazer o desenho de quem seria o cenário ideal. A gente fez muito pouco teste pro filme, a grande maioria dos atores ali foram convidados porque a gente realmente pensou com muito carinho, já conhecendo e trabalhando com muitos atores, a gente já sabia mais ou menos quem a gente queria pra cada personagem. Agora, o filme tem uma característica peculiar que é o protagonismo do personagem principal, que é muito evidente: ele está em quase todas… cerca de 98% das cenas do filme e tem uma predominância narrativa, então a gente tinha essa preocupação de trazer alguém que de certa forma realmente personificasse esse personagem, e pensamos no Marco Ricca como um cenário ideal para o Élder. Com muita felicidade a gente teve um diálogo extremamente fluido, ele além de ser um ator incrível também é uma pessoa incrível, então ele rapidamente embarcou no projeto e foi um processo muito bacana. Eu sou muito feliz com o elenco que a gente teve, seja com os nomes famosos ou com os atores locais de Curitiba, tem gente de grande qualidade e atuações muito satisfatórias. 

Claudio: Falando da locação desses lugares, eu acho que o hotel tinha esse grande peso no roteiro e desde quando ele foi concebido sempre foi em torno desse hotel. A gente sabia que ia ser algo difícil de encontrar 100% como a gente tava imaginando, então a gente teve durante muito tempo na pré-produção essa busca pelo hotel, foi uma busca bastante intensa de achar o lugar ideal onde a gente conseguisse contornar todas essas ações; a gente tinha no roteiro necessidades específicas, interações específicas e muitas movimentações nesse hotel. Foi muita discussão até a gente entender se ia montar no estúdio, até a gente conseguir com a equipe de direção de arte, que foi incrível, construir esse ambiente em um hotel que já existia. Então a gente reformou toda a recepção dele, todo o primeiro andar, pra conseguir dar essa cara que a gente precisava, porque no filme ele acaba sendo um personagem também, então a gente teve que fazer toda essa maquiagem pra que ele possibilitasse essas narrativas que a gente usou. Então a busca do hotel tomou bastante tempo, a gente teve que tomar bastante cuidado com isso e acabamos optando por essa transformação pra deixar tudo do jeitinho que a gente precisava pra contar cada detalhezinho da  vida desses personagens.

Reprodução: Moro Filmes

Quais foram os maiores desafios na direção do filme? 

Diego: O projeto como um todo foi um desafio. A gente está falando de um projeto de baixo orçamento, onde a gente tinha um roteiro que por mais que seja um roteiro dramático exigia algumas especificidades em termos de cenário. Então todo esse processo de escolha de locação e de repensar para que elas funcionassem de acordo com o que a gente precisava foi um grande desafio a qual, ao meu ver, a equipe de arte fez com maestria, complementado pela equipe de fotografia que conseguiu pontuar esse universo de maneira que me deixou muito satisfeito com o resultado. A gente tinha poucos dias de filmagem, a gente fez uma filmagem de 24 dias, então a gente tinha uma decupagem que precisava ser bem dinâmica, com algumas cenas bem complexas nesse meio do caminho que demandavam extrema atenção. Tiveram algumas cenas ali que nos deram bastante trabalho, nos exigindo inclusive chamar profissionais muito específicos para que dessem conta do realismo que a gente gostaria de ter, mas a equipe como um todo é muito bem azeitada, eles estavam realmente compreendendo um todo e tudo funcionou de maneira muito interessante. Por último, eu trago o desafio dos próprios atores, porque a gente tinha uma história densa. O Marco tem um perfil muito visceral de atuação e sendo uma história que deprime e puxa os sentimentos pra baixo, isso fez com que muitas vezes a gente tivesse uma certa tensão dentro do set porque era uma história tensa sendo retratada. Mas eu vejo que, por mais que tenha tido tudo isso, foi um processo extremamente prazeroso, e tem que ser. 

Claudio: Acho que a gente gosta dos desafios, até como perfil nosso como diretores, nós sempre buscamos coisas que nos desafiassem. Então a partir do roteiro a gente sempre tentou seguir o que estava lá; por exemplo, tem um hotel de beira de estrada no final do filme, e conseguir um hotel de beira de estrada no Brasil é uma coisa que quase não existe, né? Então a gente teve que também recriar e conseguir essas coisas. A gente também tem uma cena de topo de prédio, uma cena complexa, perigosa; então tivemos que conseguir juntar tudo pra contar essa história de acordo com o roteiro, que já era bem desafiador desde o princípio. E aí conseguir encaixar tudo isso no orçamento que a gente tinha pra esse filme foi sempre usando a criatividade, a equipe de arte, de fotografia… pra gente conseguir fazer tudo isso acontecer.

“Lamento” esteve na seleção oficial de grandes festivais internacionais como em Brasília, Nashville e Cairo, além de ter sido indicado a Melhor Filme Estrangeiro do Festival de Burbank. Enquanto diretores, qual é a perspectiva de vocês quanto ao crescimento do cinema brasileiro ao redor do mundo? 

Diego: No meu ver, um filme é pra ser visto, o resto é consequência. Se a gente consegue ter a felicidade de entrar em festival, que coisa boa, porque ele vai ser visto, e vai ser visto em outros lugares que não necessariamente o nosso país. A gente sempre quer a história vista ao máximo possível, e os festivais acabam tendo uma importância nessa função de divulgar o filme seja no Brasil ou em outros países do mundo, e é sempre um prazer poder exibi-lo em diversos lugares. 

Claudio: Falando nesse sentido, eu acho que a gente tem uma qualidade e um amadurecimento muito grandes no cinema nacional, com grandes talentos e grandes histórias sendo contadas. Então o nosso reforço é sempre que valorizem a arte, valorizem a cultura, valorizem o que é nosso, porque tem muita coisa boa que às vezes lá fora é muito mais reconhecida que aqui. Então eu acho importante, obviamente, essas oportunidades que a gente tem de levar o nosso filme pra fora, mas o mais importante é a gente tentar realmente mostrar o que é feito aqui para a nossa cultura e para a nossa população. É isso que a gente sempre espera quando conta uma história; essa vontade de gerar uma discussão, de que as pessoas vejam, se emocionem… qualquer sensação que seja a partir da mensagem que a gente conta.