Diego Rates tem 22 anos, é formado como técnico de informática e autor de duas obras já lançadas: “As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo” e “Cena de Crime”. Em entrevista ao GeekPop News, Rates compartilha as principais referências de suas obras e o que inspira a própria escrita, que busca perspectivas mais críticas em diversos aspectos da sociedade e com toques de humor.

Primeiramente conta pra gente um pouco sobre você e o seu processo no universo literário.

Eu estou trabalhando com dois opostos aqui. Cursei o ensino médio como técnico de informática e, antes disso, eu não gostava muito de ler. Eu até tentava ler quando eu era mais novo, mas eu tenho um TDAH diagnosticado desde que eu era muito pequeno. Então, às vezes, eu lia 20, 30 páginas e quando ia parar pra refletir eu não lembrava nada do que eu tinha lido. Em 2020, pouco antes da pandemia, eu comecei a ler pra valer. Eu consegui trabalhar o meu foco e consegui melhorar a minha atenção em vários aspectos. Até hoje foram aproximadamente 130 livros lidos. E depois de essas obras todas que eu li, por coincidências do acaso eu acabei caindo num curso de como escrever ficção e agora, lancei os meus livros.

Reprodução: Capa dos livros do autor Diego Rates
Reprodução: Capa dos livros do autor Diego Rates

Você deu uma introdução, falando um pouco sobre como tudo isso começou, mas gostaria que você se aprofundasse mais sobre. De onde veio essa vontade de ser escritor e de produzir a sua própria obra? Foi algo que você sempre quis fazer?

Olha, desde que eu era muito jovem, eu tinha um colega que sempre me incentivava na questão da escrita. A gente sempre teve a ideia de desenvolver uma história juntos, só que na época não deu muito certo. Quando você tenta escrever e não entende muito bem como é que funcionam as narrativas, ou não tem uma bagagem literária muito intensa, acaba que as ideias não fluem tão
bem. A sua gramática também não é tão boa como você espera e o seu vocabulário também é bem menor. Mas essa ideia sempre esteve dentro da minha cabeça, mas estava dormente por muito tempo. Então eu levava todos os dias um livro pro meu serviço. Eu trabalhava na Polícia Federal, terceirizado no setor de passaporte, e um dia uma das pessoas que eu estava atendendo perguntou se eu era escritor e eu respondi que não, e ela começou a falar que o marido dela era escritor e eu achei o máximo. Aquela ideia ficou guardada na minha cabeça, mas eu, inicialmente, não comecei a escrever.

A ideia do meu primeiro livro mesmo, em si, que eu tive antes de fazer o curso de escrita, etc, eu ainda não a desenvolvi. Então, quando eu comecei a fazer o curso houve uma atividade onde você tinha que anotar várias ideias de títulos durante uma semana e no final do período você teria que desenvolver. Só que a primeira ideia que eu anotei já foi “As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo”. Eu simplesmente falei: “beleza, não vou esperar uma semana” e já desenvolvi a história.

Notei que você curte bastante esse estilo mais de suspense, terror e ficção. Queria saber, em relação a sua obra, se além de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, teve algum outro livro que te inspirou na construção da narrativa de “As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo”.

Além de Memórias Póstumas, existe uma obra que assim, é uma obra espetacular, e às vezes a gente não dá tanto crédito a ela porque acredita que ela vai ser muito parecida com o filme, que é Guerra Mundial Z, de Max Brooks. A obra, pelo que eu ouvi falar, que eu nunca assisti ao filme, é muito diferente, em vários aspectos. O livro Guerra Mundial Z é como se fosse uma série de
entrevistas, que são feitas com pessoas que estão vivendo em um ambiente onde houve um apocalipse zumbi. Então, assim, ele vai trazendo muitos pontos de vista diferentes, de vários países diferentes, de várias vivências diferentes, do exército até a população geral. Até pessoas que trabalhavam dentro do governo.

Então esse foi um livro que me marcou bastante na época e que eu utilizei alguns elementos do apocalipse zumbi dele, da questão toda de trazer essa visão que a gente não está acostumado. No meu intuito de carreira, sempre foi, eu pegar um gênero que eu acredito que já é bastante trabalhado por muitas pessoas. Por exemplo, o gênero zumbi, o gênero crimes, esse tipo de coisa e trazer a minha própria interpretação para aquilo. Então eu pego o gênero, eu trabalho as minúcias dele e eu vejo o que dá pra trazer pra fazer uma história diferenciada. E na minha primeira obra, a ideia principal foi trazer a inspiração de Machado de Assis, pra poder poder colocar um personagem que conversasse diretamente com o leitor.

Reprodução: Livro "As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo"
Reprodução: Livro “As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo”

Quais os elementos de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” que você quis destacar dentro da sua obra?

A quebra da quarta parede. Porque, eu acho que Machado foi revolucionário na época dele. A questão toda da conversa direta com o leitor e um pouco da personalidade cáustica de Machado, de fazer algumas críticas, ali no meio da leitura. Então você está lendo aquilo ali e percebe que ele está criticando, mas você vê também que ele está contando uma história muito bacana. Existem momentos que ele usa um português bastante rebuscado. Então esses elementos todos da narrativa e da própria personalidade de Machado, eu coloquei um pouco deles no meu personagem principal, que é o Joe.

Qual foi a sua virada de chave para que você tivesse essa inspiração para escrever esse novo livro? Em qual momento você quis transformar a ideia em uma história?

No momento que eu anotei a ideia, eu criei um arquivo no word e anotei algumas ideias de títulos. Quando eu olhei para a primeira ideia que eu tinha anotado, eu falei “beleza, eu preciso fazer isso agora”. Então eu já criei outro arquivo e já comecei a escrever. Como a história do Morto-Vivo tem muito da minha vivência, da forma que eu estava me sentindo, como um morto-vivo, a história simplesmente fluiu.

Então eu ia escrevendo o que vinha na minha cabeça, ia colocando alguns elementos ali. Foi o período de um mês no máximo. Eu simplesmente sentei na frente do computador e coloquei. Eu sabia como que ia ser o começo e como ia ser o final, mas a jornada toda de escrita foi um processo muito interessante e foi escrito todo no momento em que eu estava tendo uma recente inspiração e criatividade. Então existem muitos momentos em que eu releio minha obra e até me assusto com o que escrevi. Realmente foi algo muito espontâneo.

Reprodução: Foto do autor Diego Rates
Reprodução: Foto do autor Diego Rates

Lendo a proposta do seu livro, achei interessante que ele trata de uma outra perspectiva do apocalipse, que geralmente temos aquela visão das pessoas que estão ali tentando sobreviver. Dentro dessa linha de raciocínio, existem as teorias fantasiosas de que quando um zumbi se transforma, dentro desse universo geek, os apaixonados pela temática, falam sobre a possibilidade de ele ainda tem a consciência como ser humano, porém não tem mais controle do próprio corpo. Isso ainda intriga algumas pessoas, especialmente com lançamentos de jogos como The Last Of Us, por exemplo, que trata isso brevemente. Gostaria de saber se isso te influenciou a trazer essa nova perspectiva para a sua narrativa.

Sim. Isso foi uma inspiração direta para o que gerou, como posso dizer, a fagulha inicial do acontecimento da obra. Eu pensei “beleza, esse morto-vivo vai ter consciência. E todas essas inspirações que houveram nessas obras, que trazem essa abordagem, que eu acho assim, interessantíssima. Inclusive eu acho muito legal você ter mencionado The Last Of Us, porque muito do imaginário de The Last Of Us, de ver o mundo daquela forma que ele ficou, como eu posso dizer, reflorestado, como manter os seres humanos para poder continuar né? Apesar de toda poluição, o mundo não fica tão feio, quanto fica, por exemplo, em uma
obra que nem The Walking Dead. Mas agora eu vou colocar mais um nó na sua cabeça, porque: Uma das maiores inspirações, nesse aspecto da consciência do zumbi, veio de um capítulo específico do Guerra Mundial Z, onde é citado o fato de que, como o apocalipse zumbi estava acontecendo, algumas questões psicológicas novas surgiram. Uma delas é a de que algumas pessoas não
conseguiam ver o sentido da vida, de forma tão intensa que elas simplesmente morriam no sono. Isso eu acredito que exista até mesmo hoje, só que na época do apocalipse zumbi isso se tornou mais proeminente. E também existiu um transtorno psicológico onde as pessoas acreditavam que eram zumbis. Então, teoricamente, fisicamente elas estavam vivas, porém, elas agiam e, inclusive, a aparência ficava igual a de zumbi, por conta desse transtorno psicológico.

Então, assim, eu pensei “nossa, isso é muito interessante, é um conceito muito bacana”. No começo ali da história eu pensei “beleza, será que o meu personagem, ele é um personagem que está passando por essa questão toda de um transtorno psicológico, de acreditar que é um zumbi, será que ele é um zumbi? Então, assim, eu não gosto de dar respostas definitivas, mas como escritor de uma obra que eu escrevi em um momento de inspiração, depois de ter relido várias vezes, essa é uma das principais teorias.

Então você acredita que essa proposta veio como um elemento para instigar o leitor a refletir mesmo, não é?

Exatamente. E aumenta a questão toda da intertextualidade da obra, que se alguém ler o meu livro e depois ler Guerra Mundial Z, quando chegar nesse capítulo vai pensar “putz, pode ser que seja isso”. Mas eu acho o máximo!

Reprodução: Capa do livro "As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo"
Reprodução: Capa do livro “As Últimas Memórias de Um Morto-Vivo”

Apesar de parecer algo mais mórbido, o livro contém algumas passagens com humor. Quando você aplicou esses dois elementos dentro da narrativa, o que você imaginou? Que isso seria algo mais interessante e fluido para o leitor ou que seria algo para ser mais leve e descontraído?

A questão toda do humor, que eu introduzi, é o aspecto que por muitas vezes é muito importante na obra e algumas vezes ele é colocado apenas como um pano de fundo, onde é uma crítica ácida que te faz rir ou, então, um momento terrível que você não deveria estar rindo, mas você acaba rindo pela situação toda que está acontecendo. Mas, eu acredito que a fluidez da obra, especialmente nos tempos que a gente vive hoje, onde o nosso foco, ele foi encurtado de forma que você não tem mais o hábito de ler cotidiano.

Então eu pensei: “se eu quero que minha obra alcance um público maior, eu tenho que fazer esse público ler as primeiras páginas e não querer parar de ler”. Esse aspecto todo do humor, ele contribui muito para a personalidade do personagem, ele aproveita toda a metáfora do apocalipse mesmo, tudo aquilo que está acontecendo ali, para colocar algumas críticas para vários aspectos da sociedade.

O humor é uma forma de quebrar um pouco isso. O humor é uma forma de você deixar um pouco mais implícito o que está acontecendo pra pessoa ler ali e dar uma risada às vezes, que isso eu acho maravilhoso. Inclusive, uma pessoa quando eu estava expondo na Bienal, me falou que a minha escrita lembrou um pouco a de Douglas Adams, no aspecto ter aquelas tiradas cômicas que você simplesmente ri alto naquele momento. Isso tudo contribui para a fluidez da narrativa e para alguns aspectos dentro dela.

Você tem mais dois livros prontos. Conta um pouco sobre eles.

Claro! Juntando a questão toda da pegada reflexiva que eu gosto de adotar, a minha segunda obra já foi até lançada. Inclusive, lançou no dia 13 do mês passado. Ela conta a história de um assassinato que aconteceu, e é uma cena de crime, só que as evidências desse crime é que ganham vida. Então a Arma do crime, as Digitais, o Corpo, o Fantasma, eles começam a interagir pra tentar entender o que é que está acontecendo e aí começa o embate com as testemunhas do crime que são: os objetos da casa do falecido. Então tem toda aquela pegada de realismo mágico.

Você tem outro livro além dos citados?

Eu tenho um terceiro livro que ainda não foi publicado. Ele se chama “O Homem e a Cópia”. Esse conta a história de uma pessoa que trabalha com redes sociais, um influenciador digital e ele desenvolveu uma personalidade diferente pra poder trabalhar ali e facilitar a vida dele. Só que um dia ele vai no psiquiatra dele e quando ele volta pra casa, na frente do computador em que ele trabalha, tem uma Cópia dele. Essa Cópia tem a personalidade dele na rede social. E aí começa aquele embate desta Cópia complicar a vida, de não deixar ele fazer determinadas coisas, de podar ele em vários aspectos, até chegar ao ponto que essa cópia o proíbe de tomar os remédios anti depressivos, por exemplo. Aí começa toda a viagem.

Reprodução: Arquivo pessoal Diego Rates
Reprodução: Arquivo pessoal Diego Rates

Você gosta de ser polêmico e crítico nas suas escritas, não é mesmo?

Exatamente! Eu gosto de abordar temas que as pessoas às vezes não comentam muito sobre ou não param para pensar sobre e colocar na minha obra de alguma forma mais metafórica, obviamente, porque ninguém gosta de tomar lição de moral. Mas eu coloco essas mensagens e introduzo na minha obra. As interpretações, vão variar da questão. Todas as três narrativas sempre procuram muito quebrar com o conceito da própria narrativa. Existem algumas regras que já são definidas, até como se escrever uma história. Eu gosto de usar essas regras pra criar momentos de subversão da história.

A pessoa acha que vai acontecer tal coisa e eu pego e trabalho em cima disso de forma que ela vai ficar surpresa, mas surpresa positivamente. Porque não adianta você pegar um elemento narrativo, jogar ele o contrário e achar que a pessoa vai achar legal. Você realmente tem que trabalhar aquilo na cabeça da pessoa. É isso o que eu gosto de fazer nas minhas obras.

Tem algo mais que gostaria de acrescentar sobre seu trabalho?

Olha, o máximo que eu gostaria de acrescentar é: hoje essas obras estão disponíveis no formato romance. Eu pretendo, em breve, para o lançamento dessa terceira obra, que talvez seja no ano que vem, eu não sei ainda definitivamente. Pretendo trazer mais formatos. Pretendo trazer em formato de quadrinhos e áudio livro, porque eu acho que essa acessibilidade é muito importante. Ela traz mais pessoas interessadas para a obra.

O que você diria para quem quer começar a escrever, mas que ainda não tomou essa iniciativa por algum receio?

É uma longa escada e é sempre muito importante a gente dar um passo de cada vez. Muitas vezes, dependendo de uma frustração que a gente tem lá no começo, a gente acaba desistindo e você, por esse aspecto de ter toda essa dificuldade de entrar no mercado, pra publicar sua obra e essas questões. A gente acaba perdendo muitos autores espetaculares por conta disso. Mas, o
importante é a persistência e a consistência. Então assim, continua escrevendo, continua tentando procurar parceiros, continua insistindo. Às vezes você não vai ter tempo pra poder dedicar exclusivamente a isso, mas faz parte, isso daí é a coisa mais comum do mundo. O importante é que, se existe esse fogo de querer trazer essa literatura, de querer trazer essa mudança mesmo pro mercado, não desista. Eventualmente você chega em um ponto da escada em que você pode ficar tranquilo e desenvolver ainda mais sua literatura.

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