No dia 5 de agosto, o filme O Diabo Branco chegou aos cinemas do Brasil como uma nova aposta para o gênero do terror sul-americano. Em entrevista ao portal, o diretor do longa, Ignacio Rogers, nos contou mais sobre as inspirações e desafios por trás da produção do filme, e deixou uma mensagem para os telespectadores brasileiros ao final. 

Ignacio Rogers (33 anos), é um cineasta argentino, natural de Buenos Aires, que começou a sua carreira como ator trabalhando em peças de teatro e filmes independentes. Além disso, também já dirigiu e produziu alguns curta-metragens, sendo “O Diabo Branco” a sua estreia no universo dos longas. 

Confira a entrevista completa a seguir:


Primeiramente, parabéns pelo novo filme. Para iniciar a entrevista, eu gostaria que você falasse um pouco sobre como surgiu este projeto. Qual foi a ideia por trás de tudo? 

Muito obrigado! Bem, primeiro eu comecei escrevendo um curta-metragem, que era sobre um casal que saía para acampar e a ideia era que eu queria trabalhar com sonhos, então metade do curta se passava no acampamento e a outra metade se passava nos sonhos do casal. Mas, naturalmente, sem eu nem mesmo perceber, os sonhos começaram a se parecer mais com pesadelos, o casal se tornou um grupo de amigos, e aí… eu percebi que estava escrevendo um filme de terror e a história começou a se desenvolver. Por trás de tudo isso, eu comecei a investigar lendas rurais e a ler “A Conquista da América”, e aí eu inventei uma nova lenda para estar por trás da história deste grupo de amigos que sai para viajar nas férias e chega em uma cidade onde existe uma lenda que controla tudo, e eles se tornam prisioneiros dessa vila e desse mito ancestral. 

Sabemos que o terror não é um dos gêneros mais explorados pela indústria cinematográfica sul-americana. “O Diabo Branco” é um filme dirigido, produzido e estrelado por latinos, que se passa na América do Sul. Mesmo com as inspirações vindas de grandes filmes internacionais, como você fez com que características culturais próprias ainda se fizessem presentes ao longo do filme? E qual é a sua perspectiva quanto a esse tema? 

Quando eu era bem pequeno, eu costumava alugar filmes infantis na locadora, até que um dia eu comecei a observar as capas e pôsteres de alguns outros filmes que eram expostos lá – não me lembro exatamente qual deles foi o primeiro, acho que foi “Chucky” – e então eu aluguei aquele DVD e eu comecei a assistir um filme de terror atrás do outro, e eles me impressionavam muitíssimo, me deixavam obcecado e acho que me marcaram muito; então havia toda essa inspiração vinda dos filmes norte-americanos das décadas de 90 e 80, e esses filmes realmente me influenciaram. Mas aí eu comecei a trabalhar com teatro, a assistir filmes independentes quando eu era adolescente, pois sou ator desde bem novo também, e eu comecei a trabalhar com pessoas, a participar de peças de teatro, viajar ao redor do mundo, atuar em filmes independentes argentinos e assisti-los, e me tornei mais interessado por outros filmes. Então quando eu comecei a escrever o curta-metragem, sem pensar tanto nisso, estes dois mundos se uniram.

Em “O Diabo Branco” o que eu quis fazer foi brincar com estas “regras” do gênero e com coisas que eu conhecia muito bem sobre aqueles filmes de terror, tentando traduzi-las para uma linguagem mais pessoal, como através do jeito com que os atores performavam, o ritmo, a fotografia… Eu queria pegar essas regras já conhecidas e moldá-las, eliminando algumas delas e respeitando outras, e tentando trazer o terror já conhecido para uma linguagem mais pessoal e mais local. Também acredito que, de certo modo, o filme fala sobre a conquista do território, e eu acho que é algo que se assemelha… Bem, nós fomos conquistados por estrangeiros, sabe? E essa foi uma tentativa de virar ao avesso tudo isso, e conquistar de volta. 

Reprodução: Pandora Filmes

Quais foram os maiores desafios de dirigir um filme como esse? Desde o roteiro às caracterizações, CGI, filmagens, etc. 

O roteiro e o orçamento foram as coisas mais desafiadoras e mais difíceis. De um lado, há o orçamento, pois é muito difícil conseguir o dinheiro para filmar e produzir o filme; e do outro lado, eu comecei a ter muitas exigências quanto ao roteiro. O primeiro rascunho foi bem mais fantasioso, era pouco explicado, haviam poucas sequências de ação e suspense, e haviam muitas coisas que eu queria fazer. Nós tínhamos um elenco de estrelas, e enquanto nós estávamos produzindo o filme eles começaram a trabalhar em outros projetos e a me pedir para fazer mudanças no roteiro; quer dizer, quando você tem muitas estrelas do momento, talvez você não possa escrever o que quiser e tudo bem. “O roteiro tem que ser mais curto”, “não podemos filmar isso porque é muito caro”, coisas assim mas também questões artísticas. Então o exercício era fazer o que eu queria fazer, adaptando para o que era possível de ser feito, sem perder o espírito que eu queria ao longo do caminho. 

Acho que nesse processo o filme perdeu algumas coisas, mas ao mesmo tempo ganhou outras. Tendo recursos limitados, eu pensava muito sobre cada aspecto e cada detalhe, porque eu não tinha outras tentativas, sabe? Era tipo… Ok, você não pode filmar tudo o que quiser, você tem que escolher exatamente do que o filme realmente precisa; se você tem CGI, você tem um limite e não mais que isso, então escolha o que você quer que seja mostrado, e tal. Então foi um exercício interessante porque muitas vezes eu percebia que algumas coisas não precisavam ser mostradas e eram possíveis de serem subentendidas, e de algum modo isso tornou o filme mais tenso e me fez trabalhar de um jeito interessante com o que estava “fora do quadro”. O som, por exemplo, é uma ferramenta que pode ser usada sem gastar muitos recursos e te dá muita liberdade de criação, então eu fiz um trabalho muito preciso com o som e acho que tornou o filme muito melhor. A ideia era criar uma atmosfera dramática baseada em estar assistindo aquelas pessoas e saber que algo terrível vai acontecer com elas, sem que aconteça de uma vez, criando essa tensão sob os protagonistas. 

É possível notar que ao longo do filme existem características e elementos do horror clássico e contemporâneo coexistindo em uma mesma fórmula. Como você conseguiu equilibrá-los, levando em consideração que são tão diferentes e podem alterar completamente a essência de um filme dependendo da maneira com a qual são utilizados?

Para ser sincero, eu não sei exatamente como eu equilibrei esses dois elementos – os mais contemporâneos e os clássicos. Foi como uma mistura de várias influências de outros filmes, mas também literárias como “Drácula”, “Frankenstein”, um pouco de Stephen King e alguns outros autores argentinos… Também li algumas crônicas da Conquista de pessoas que escreviam diários sobre as expedições, e isso também teve alguma influência. Então, de certo modo, eu peguei o que eu gostava e retirei o que eu não gostava, tipo, eu não quero dar spoilers, mas eu pensava “Porque tantos filmes de terror tem finais super felizes? Como isso é possível? É um filme de terror, tem que ser terrível”, e muitas pessoas podem ficar com raiva de finais assim, ou até mesmo de partes do filme, mas eu queria fazer com que isso fosse algo próximo de uma experiência pessoal. Eu queria que o grupo de amigos conversasse sobre coisas sem nenhuma importância, e queria criar esse sentimento de identificação com a viagem, os amigos e tudo mais, para que só então algo terrível chegasse de forma muito forte, violenta e do nada. Eu não queria construir os personagens de acordo com os “manuais” do roteiro, eu queria fazer simplesmente um grupo de amigos, que fala de coisas aleatórias assim como qualquer grupo de amigos, mas que do nada se deparam com uma lenda maligna, sangrenta e obscura.

Reprodução: Pandora Filmes

“O Diabo Branco” é uma co-produção entre Argentina e Brasil, e chega esse mês aos cinemas brasileiros. Quais são as suas expectativas? Você quer enviar uma mensagem aos telespectadores brasileiros? 

Eu estou muito muito feliz que o filme vai ser lançado no Brasil, principalmente nos cinemas. Eu adoraria que mais filmes brasileiros passassem nos cinemas daqui também, porque se eu quiser assistir um filme brasileiro eu tenho que assistir na minha casa. Eu fico super feliz de saber que “O Diabo Branco” vai poder ser assistido aí no Brasil. 

Especialmente atualmente, esse intercâmbio cultural pode fazer os nossos países mais fortes. Acho que nos últimos anos, com a pandemia e esse governo de extrema-direita terrível, essa conexão que estava sendo criada foi se perdendo um pouco, mas nós precisamos que fique mais viva que nunca, sabe? Porque esse tipo de governo é realmente inimigo da cultura, ele ataca a gente de uma maneira muito grave e direta. O que aconteceu recentemente no Brasil com a Cinemateca [incêndio do dia 29/07] foi muito triste e é claramente responsabilidade desse governo que eu sinto muito que vocês tem. Não é como se eles apenas não ligassem para a cultura; é um ataque e é muito agressivo. Então os artistas da América Latina realmente precisam se conectar, pois temos muito o que falar, mas não temos os recursos. Temos que encontrar recursos e nos unir para fazer com que a nossa arte brilhe. 


Por fim, o cineasta ainda nos revelou que possui algumas ideias e projetos encaminhados para o futuro, como um filme de comédia e duas séries de terror. Enquanto isso, os telespectadores podem aproveitar para assistir aos seus outros trabalhos e apoiar artistas latino-americanos que precisam e merecem a nossa visibilidade e colaboração.