Koda Gabriel (ou Koda G.) tem 24 anos, é não-binário e nasceu no interior de Minas Gerais. Mora em Ouro Preto e é quase formado em Ciência da Computação. Escreveu o livro Manda Foto de Agora, que conquistou leitores pela representatividade abordada na obra, como é de costume nas temáticas com as quais trabalha. Em entrevista ao GeekPop News, Koda fala sobre a literatura +18 que produz e traz pautas sociais relevantes para o contexto social e de possibilidades para enxergar o mundo mais diversificado.
Primeiramente conta pra gente sobre você. Tudo o que achar interessante compartilhar com as pessoas.
Trabalho como programador hoje, que é meu trabalho principal, digamos assim. Mas escrever, eu escrevo há muitos anos. Sei lá, desde a 4ª série. Mas eu tentei fazer umas páginas no facebook, não deu muito certo, eu fiquei meio desanimado e ai eu fui pra literatura em 2019. Em 2020, eu lancei “Jogador Número 3”, que era mais adulto e foi aí que surgiu o Koda G., separando do Koda Gabriel, que são histórias +18 como Koda G. e histórias de público livre como Koda Gabriel. Eu sou apaixonado por vídeo game, eu gosto muito de ler, eu adoro ver séries. Eu acho que isso aparece em muita coisa do que eu passo nos meus textos e é isso.
A próxima pergunta tem ligação com a primeira questão, em que você deu uma introdução: como surgiu essa paixão pela escrita?
Bom, eu comecei com esses poemas, igual eu falei, na 4ª série, mas era uma coisa tipo, muito sei lá, crianças. Aí depois, no final do meu ensino médio, no meu 3º ano, eu fiz uma seleção de crônicas e contos. E eu falei ”ah, vou imprimir pros meus amigos”. Eu imprimi um livrinho pra mim, pro meus amigos e para os meus professores e vendi pra eles. Eu pensei tipo “nossa, que coisa legal. Imagina se eu continuo fazendo isso.” Escrevia crônicas e contos, mas eram coisas muito curtas, tipo duas páginas, três páginas. Eu tive páginas no facebook, que algumas deram certo, outras não deram muito certo e eventualmente (eu) falava que aquilo não funcionava mais pra mim, então esse formato não estava fazendo muito sentido, não estava gostando mais e parei de escrever. Passei pelo processo de me redescobrir, parei de escrever, voltei a ler e falei “nossa, eu queria escrever sobre mim, sobre as pessoas como eu.
Queria escrever sobre o que eu não estou encontrando para ler”. E aí que eu acho que eu voltei a ter essa vontade de escrever de novo, que deu ânimo tanto para consumir mais coisas, pra ter mais embasamento, quanto pra produzir as coisas que eu queria ler e não estava encontrando. Então, eu acho que hoje, o que me move é isso. Por muito tempo foram outras coisas, mas hoje o que me move é que basicamente tem muita coisa que queria ler, que eu queria enxergar sobre mim e que eu não encontro, então eu vou lá e escrevo.
Por que a literatura erótica é um gênero que chama tanta atenção? Por que decidiu trabalhar e explorar essa temática?
Bom, eu acho que desde uns, sei lá, 17 ou 18 anos eu já tinha vontade e eu já lia bastante fanfic, que acho que é o lugar que mais tem explorado isso é nas fanfics. Mas nunca tinha pensado em escrever mais que uma fanfic nesse sentido. Ai no começo de 2020 eu tive uma ideia que virou o “Mais de Nós”. E eu falei “ah sei lá, vou tentar” e comecei a escrever e eu gostei bastante disso, é bem divertido. Deu para explorar coisas que eu nunca tinha explorado em outros textos que eu fazia. Então foi mais num sentido de “eu gosto de ler” e por um acaso eu testei e deu certo escrever.
Eu consegui transportar essas palavras pro papel de um jeito que eu considero que é um pouco diferente do padrão “mocinho bandido com a mocinha que ele encontrou…”. Tipo assim, você vai olhar na Amazon, você pesquisa “romance erótico”, uns caras descamisados, todo malhado. Umas mocinhas com umas roupinhas curtas e tipo, tudo bem. Tem um público pra isso, tudo bem que existam, não tem nenhum problema, mas eu queria escrever outro viés. Eu queria escrever uma literatura erótica que fosse LGBT. Então continuei fazendo isso e percebi que existia esse nicho de pessoas que queria ler e fiquei por ali. Faz muito sentido pra mim.
Sabemos que no cenário atual encontramos muitas questões relacionadas ao movimento LGBTQIAP+ ganhando força e isso traz muito a representatividade das pessoas. Como você se sente sendo alguém que traz esses questionamentos no ambiente social em que vivemos? Pensando que aquilo que você escreve pode também, além de entreter, mudar a realidade das pessoas, fazendo com que se sintam representadas.
Olha, assim, é uma responsa né (risos). Sei lá, toda vez que eu vou escrever uma coisa nova bate um negócio assim. Mas por exemplo, o “Videogames” – que foi meu primeiro de 2019 – ele é um clichêzinho bem simples e a estrutura muito simples. E também na época eu não tive revisão. Foi eu que fiz tudo com o meu marido, então foi amador, digamos assim até. Mas, por exemplo, até hoje tem gente que me manda mensagem de “nossa, é a primeira vez que eu leio uma pessoas trans negra, é a primeira vez que eu leio um adolescente trans.
E foi uma coisa que eu fiz, que foi despretensiosa e comparado aos meus trabalhos mais recentes tem muitos defeitos, e mesmo assim as pessoas consideram aquilo importante para elas, como um passo importante no que elas estão encontrando. É ao mesmo tempo muito gratificante, mas dá uma insegurança de vez em quando. É uma responsabilidade, especialmente as coisas de Koda Gabriel que são livres e uma questão quase de formação esse “Videogames”, ele é bem 12+, 14+ então é uma pessoa muito jovem que está lendo aquilo. Mas é muito feliz que elas estejam encontrando isso. E não é perfeito, mas nenhuma literatura tem obrigação, nem a capacidade de ser perfeita. É triste que seja a primeira vez, mas é feliz que tenha sido a primeira vez. Que agora ela pode procurar outras coisas e sair dessa primeira vez.
No universo literário especificamente, já houve alguma vez que te atacaram pelo fato de ser não-binário? Como é a sua vivência como autor não-binário?
Acho que diretamente, não me vem nada a cabeça, de ter acontecido não. Eu acho que o que acontece com frequência é sei lá, as pessoas não saberem como me tratar ou lerem alguma coisa minha e nem saberem quem eu sou. Então elas lêem alguma coisa e marcam, mas falam com os pronomes, digamos assim, errados. Mas tipo, eu nunca percebi uma coisa proposital. Acho que já aconteceu quando eu falava de outras coisas. Antes de eu escrever eu já cheguei a falar sobre bissexualidade, falava sobre transgeneridade lá no meu twitter. Nessa época acontecia porque eu estava meio que “advogando”, digamos assim, diretamente. Mas por causa dos livros nunca aconteceu de alguém vim falar comigo ainda não. Tomara que continue assim (risos).
Qual sua inspiração para escrever “Manda Foto de Agora”?
Eu estava com um Edital que eu precisava escrever uma história para ele em 2020 e era um edital sobre histórias de pessoas negras. Então não tinha um tema específico, era só sobre pessoas negras e aí eu tive uma ideia. Eu falei “nossa, imagina assim: duas meninas vão se conhecer em uma aula de inglês e elas vão ficar muito amigas, vão se apaixonar e vão precisar lidar com isso porque elas moram muito longe uma da outra.
Só que tinha um limite de 10 mil caracteres e era impossível eu desenvolver essa história em 10 mil caracteres, então eu deixei pra lá. Eu até tinha começado, mas não tinha nada a ver com essa versão atual e eu percebi que não ia dar certo e descartei a ideia. Meses depois o Se Liga entrou em contato comigo e falou “a gente queria publicar uma história que fosse +18 com você.
Quando tiver uma ideia, fala com a gente”. Aí eu tive essa ideia do “Manda Foto de Agora”, mas eu pensei “ela é um pouco estranha” na minha cabeça. Ela envolvia carta, ela envolvia a descrição de vídeo, ela envolvia a descrição das chamadas de telefone, descrever fotos. Então eu pensei “será que isso vai funcionar num livro?”. Então pensei em twittar e ver se o que o pessoal achava da ideia. Falei “nossa pessoal, imagina se eu escrevo sobre duas meninas…” e twittei e as pessoas surtaram. Fiquei muito receoso por causa do formato dela, achei que não ia funcionar, mas aí todo mundo comprou a ideia e eu fui lá e escrevi ela pro “Se Liga”
Os desenhos das suas capas são bem parecidos, dando uma padronização visual muito legal para o seu trabalho. Qual é o desenvolvimento delas?
No começo eu não tinha dinheiro. Apesar de eu ter um trabalho, eu não queria gastar dinheiro do meu trabalho com a literatura, investindo assim. Então eu fui gastando pouco. No começo quem fazia as capas era o meu marido, que ele manja de design, mas não é exatamente o que ele faz. Depois que eu cheguei em “Jogador Número Três” eu consegui um dinheirinho e falei “Vou voltar em Jogador Número Três e pedir para refazerem a capa”. E aí eu conversei com uma amiga minha, ela chama Gaby Panzito e falei “Gabi, você poderia desenhar uma capa pra mim e tals”.
E acabou que virou uma parceria. Toda vez que eu tenho alguma coisa pra lançar, tirando “O Príncipe Livera e a Livreira” que foi o projeto que fez a capa. Mas as coisas que eu faço, até o que eu fiz com a Maria, que foi “O Último Natal de Violetta”, a gente vai na Gaby porque já meio que fez uma identidade. Mas ela é ilustradora mesmo, ela vende capa e vende ilustrações.
Tem algo a mais que você gostaria de compartilhar sobre o livro “Manda Foto de Agora”?
Duas coisas que achei interessante em relação ao que a gente conversou: a primeira que você falou sobre o peso de como me sinto quando estou lançando essas coisas que tem representatividade. Um medo muito grande que eu tive, porque até então todas as minhas histórias tinham pessoas trans, e nessa história não tem. São duas meninas cis e eu sempre fique pensando “o que as pessoas vão achar disso? eu vou ser massacrada” e as pessoas foram tranquilas. Foi um receio que eu tive enquanto estava escrevendo. Mas, em geral, a recepção foi muito boa. O e-book vendeu bastante, eu fiquei muito feliz quando a gente teve o lançamento ano passado.
Tanto que o Se Liga voltou e agora está fazendo a impressão física dele no “Se Joga”. Estou muito feliz com a recepção. Uma coisa que aconteceu recentemente, foi que muita gente ficava assim “nossa, eu não queria ler um romance hot que fosse do carinha do CEO com a secretária dele” e sempre tem alguém falando “ah, tem o Manda Foto de Agora”. Assim, triste de novo, que tenha pouco e que as pessoas estejam indicando sempre as mesmas coisas, mas muito legal que elas estejam lembrando e indicando nesses pedidos, o Manda Foto de Agora. Ele é muito importante para mim, um grande passo pra mim como escritor e fico muito feliz que esteja sendo bem recebido e que agora a gente vai ter a impressão física dele.
Como escritor, quais seus próximos planos?
Esse ano eu não fiz nenhum grande plano ainda. O meu plano é preparar um romance mesmo, maior. Provavelmente não vai ser sozinho, estou com planos para um romance com a Maria Freitas. Mas a gente ainda está preparando a ideia do que vai fazer. Fora isso, provavelmente eu vou escrever alguma coisa e lançar, mas provavelmente vai ser independente.
Você comentou sobre a escrita de poesias. Você ainda faz isso?
Olha, é muito raro hoje. Geralmente eu posto no meu Medium, mas são coisas muito íntimas. É uma coisa que geralmente vem quando eu estou muito com raiva, muito triste ou com um sentimento muito intenso. E sai uma poesia, uma crônica.
Qual mensagem você deixa para as pessoas que buscam se reconhecer e se reencontrar se tratando da representatividade, que como seu exemplo, em algum momento se sentiram perdidas, em busca de uma resposta?
Eu acho que a mensagem que eu deixo é a mensagem que eu deixaria para mim do passado. Continue descobrindo outras pessoas, consumindo outra literatura e saindo do que parece ser a única resposta. Porque para mim, parecia que não ia ter uma resposta nunca e conforme eu conheci outras pessoas e descobri que tinham coisas para além da minha caixinha, foi quando eu me encontrei. Então eu acho que o grande X, é continuar descobrindo outras coisas, continue conhecendo outras pessoas e outras realidades, porque uma vai fazer sentido pra você e você vai se encontrar de fato nesse lugar que às vezes nem sabe que existe.
E o que você diria para as pessoas que sonham em iniciar no universo da escrita literária?
Eu diria para escrever. É uma regra muito batida, mas o importante é continuar escrevendo. “Ah, está muito ruim”, mas finaliza o texto. Porque se ficou ruim, você pode voltar no texto e melhorar. Mas se você nunca finaliza porque está muito ruim no começo, você nunca vai ter a chance de ter um final que ficou muito bom, por exemplo. Procura outras pessoas, posta no Wattpad, posta na Amazon, hoje é bem tranquilo de postar na Amazon. Óbvio, revisa seu texto, trabalha seu texto dentro do possível, mas dá uma primeira chance. Não desiste porque o começo está ruim, porque você acha que a sua ideia é mais ou menos. Porque todo mundo tem o primeiro texto mais ou menos, mas a gente pode melhorar os próximos.
Como as pessoas que querem conhecer mais sobre o seu trabalho podem te encontrar?
Estou no Twitter e no instagram com @ehkoda e tenho um site que é kodagabriel.com.br , que lá tem todas as minhas redes sociais. Está tudo lá, é facinho de encontrar.