O livro de poesias “finde mundo” marca a estreia da atriz, dramaturga e roteirista Lígia Souto na literatura. Formada em atuação e dramaturgia, é autora de peças de teatro e foi roteirista de vários programas de televisão. Lígia Souto concedeu uma entrevista ao GeekPop News sobre o livro, assim como falou um pouco de sua trajetória como escritora.
Leia a entrevista com Lígia Souto
Por favor, fale um pouco de você.
Sou a Lígia, tenho 32 anos e dediquei os últimos 15 anos da minha vida ao teatro e ao audiovisual como atriz, dramaturga, roteirista, continuísta, produtora, editora, etc. Escrevo desde muito cedo porque sempre gostei de criar histórias e sempre falei pelos cotovelos. Em 2024, publiquei meu primeiro livro de poesia, o “finde mundo”, pela editora Patuá. Faço um pouco de muitas coisas porque sou curiosa, inquieta e geminiana.
Além de escritora, você também é atriz, dramaturga e roteirista. Como isso ajuda no seu processo de escrita?
Muitas vezes escrevo em voz alta. Acho que isso é um resquício do teatro, da dramaturgia: escrevo e leio em voz alta para brincar de achar o ritmo, o tom. Isso me ajuda muito – também a pegar o fio da meada. Olho tudo o que escrevo como parte de uma história, alguma história, mesmo quando ainda não sei qual. Essa pesquisa, de querer encontrar a história onde se encaixa aquele pedaço, também sinto que herdei da dramaturgia.
“Finde Mundo” origina-se do resgate do acervo do seu “blog secreto”. O que era esse blog e como ele ajudou você.
Eu sofro de uma contradição engraçada, porque sou uma atriz tímida. Tenho medo do ego. E é contraditório porque uma atriz necessariamente precisa aparecer. Quando estava estudando teatro, atuação, foi quando entendi esse desconforto e criei esse blog.
Não é que ele era um blog secreto, mas não era muito divulgado por mim, pouquíssimas pessoas tinham acesso. Então, ali era como outra persona. Para as aulas de teatro, eu usava toda a minha bateria de exposição e, para escrever no blog, eu conseguia estar só, não ser vista.
Podia dizer o que eu sentia, explorar formas, rimas, desabafar, tudo isso sem aparecer “na frente” do texto, sem me expor, isso me fazia sentir livre. E acho que essa liberdade reverbera nos textos, na estrutura que hoje compõe o finde mundo.
Por que escrever um livro de poesia?
Foi lendo poesia que acabei entendendo que nem sempre o que escrevemos, o que sentimos, precisa de uma lógica, de uma fórmula, de explicação. A poesia é capaz de traduzir coisas inexplicáveis, sintetizar sensações longas em versos breves, colocar as palavras para dançar.
Esse escape para a imaginação, para a sensação, é precioso. Como disse a Matilde Campilho, “a poesia não salva o mundo, mas salva o minuto” – e acho importante escapar, salvar os minutos, para conseguir suportar as horas, os dias, a vida.
Por que você acha que a finitude causa tanto medo nas pessoas?
É curioso que a única coisa com a qual todos concordamos é que, em algum momento, todos vamos morrer e, ao mesmo tempo, tentamos ignorar esse fato o máximo possível. Ninguém vive o tempo todo pensando que vai morrer, então parece que acabamos esquecendo disso. Eu não acho que a finitude cause medo e agonia nas pessoas, porque as pessoas não pensam nisso, elas preferem se preocupar com outras coisas.
Por que é preciso compreender a finitude?
Nós sabemos que vamos morrer, mas não compreendemos que vamos morrer, então não compreendemos bem como viver, como honrar o nosso tempo aqui. Nós vamos acabar e não vamos deixar nada para trás além de um rastro de destruição e sujeira. Talvez, se realmente entendêssemos nossa efemeridade, saberíamos aproveitar melhor essa oportunidade única que é a vida.
Como relacionar essa finitude com o contexto político e social atual? Você acha que essa sociedade atual tem mais medo da finitude?
Acho que todas essas coisas estão relacionadas. Veja bem, nós sempre soubemos que vamos morrer. Também sempre ouvimos a história de que o mundo ia acabar. Então, tecnicamente, nós estamos cientes do nosso fim. Mas, ao invés de lutarmos contra esse fim, decidimos correr a passos largos para os braços dele – emissão de gases, desmatamento, produção de plástico – que a essa altura já é infinito -, exploração e esgotamento das riquezas naturais, comidas envenenadas por agrotóxicos, enfim.
A sensação que tenho é que, quanto mais o tempo passa e mais consequências sentimos, mais nos tornamos apáticos e autodestrutivos. E isso é sintomático. Quando a pandemia da COVID-19 chegou, em 2020, eu fiquei desesperada ao entender que somos incapazes, como sociedade, de nos reinventar, mesmo para nos proteger.
Simplesmente continuamos indo trabalhar, correndo risco e colocando em risco pessoas que amamos, em troca de um dinheiro que, por sua vez, seria trocado por um alimento – alimento que poderíamos usar do nosso tempo para cultivar, tempo que poderíamos usar para cuidar uns dos outros, para redefinir as prioridades, traçar rotas de emergência.
Quero dizer, naquele momento tínhamos não só a oportunidade, mas a necessidade de repensar nosso modelo de sociedade, e isso não foi sequer cogitado pelas pessoas. Ainda eram os donos do dinheiro que determinavam o que fazer com o nosso tempo, com a nossa vida. Isso foi tão frustrante.
Como você analisa a situação atualmente?
Hoje, 5 anos depois, a extrema-direita segue avançando no mundo, reforçando a ideia de uma vida que só tem valor se render dinheiro, em que vende até a própria intimidade em nome do empreendedorismo, em que todos devem ser empreendedores de si mesmos.
O mundo em chamas, em brasa, em febre, em extinção e as pessoas preocupadas em conseguir mais dinheiro para comprar mais coisas inúteis para si mesmas, coisas que não servem para nada em um cenário como o da pandemia de 2020, por exemplo. O mundo está derretendo e há quem esteja preocupado em cortar as árvores, em nome do dinheiro. Tem pessoas passando fome e há quem esteja jogando plantações inteiras fora, por causa do dinheiro.
As pessoas se colocam em risco, se submetem a procedimentos desnecessários, em nome do status, que traz dinheiro. Quer dizer, vivemos numa guerra de mesquinharias onde ninguém parece estar agoniado ou com medo de nada, além da falta de dinheiro.
Um mundo obcecado por números em telas. Isso é resultado de um discurso que foi se disseminando e dominando a narrativa comum, principalmente depois da chegada das redes sociais, o qual é a falácia do capitalismo.
De onde veio o título “finde mundo”?
Justamente dessa ideia, já evocada pelo Mark Fischer no livro Realismo Capitalista e que o Léo de Sá inclusive cita no prefácio do finde mundo, de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Dessa angústia de ver que as coisas seguem iguais, não importa o que aconteça.
O mundo acabando e as pessoas indo trabalhar, os carros buzinando, a gente brigando por motivos fúteis, fazendo vídeos para redes sociais, tendo crises de ansiedade, chorando amores bobos. Os poemas do livro passam por esses lugares, de quem convive com a promessa desse fim que nunca chega, que é arrastado pelas tarefas inúteis do cotidiano. Então é meio como uma súplica: se é para acabar, que acabe logo. Vamos começar de novo, que esse mundo já vendeu o que tinha que dar.
Quais são os planos? Sabemos que está trabalhando em um novo projeto de dramaturgia e um novo livro. Pode dar detalhes?
Por enquanto, é isso mesmo, tenho esses dois projetos em andamento: o caderno de sonhos, que é um livro de poesias sonhadas, e a dramaturgia do “o vigésimo último natal”, que ainda está bem no começo.
No momento, estou mais lendo e pesquisando sobre a temática dos sonhos e também tenho me dedicado aos projetos audiovisuais que venho desenvolvendo no Saturno3, o coletivo de produção de formatos do qual faço parte.
Paralelamente a tudo isso, também estou sempre trabalhando nas produções da editora efêmera. Então, os planos são muitos, andando devagar e juntos e sempre, buscando a sorte e a hora certa de se realizarem. Se houver tempo.
Gostaria de mandar uma mensagem para os nossos leitores?
Quando tudo parecer perdido, leia um poema.
plante uma árvore.
Quando tudo parecer perdido, escreva um livro.
tenha um filho.
Quando tudo parecer perdido, busque a natureza.
Cada um ainda pode tentar salvar seu próprio mundo.
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