A escritora Lilian Dias é a autora do romance “Futuro do Pretérito” da Editora Labrador. Ela vive em Saquarema, na Região dos Lagos, apesar de ter nascido e crescido no Rio de Janeiro. Ela é formada em Filosofia e Ciências Sociais. Mas decidiu não seguir a carreira acadêmica, passando a trabalhar como tradutora. Escritora desde os anos 1990, Lilian publicou seu primeiro romance, “Acorde vagante” em 2016. Também escreveu “A Dobra do Fio”, publicado em 2023.
“Futuro do Pretérito” é uma narrativa não linear, ambientada nos anos 1980. A autora buscou trazer elementos políticos e culturais da época. Em entrevista ao GeekPop News, Lilian Dias falou sobre sua trajetória como escritora e sobre a criação do livro.
Confira a entrevista com Lilian Dias.
Você pode se apresentar para os nossos leitores? Queremos conhecê-la melhor!
Meu nome é Lilian Dias, sou carioca, tenho 58 anos, e ultimamente venho me dedicando a escrever livros de ficção, em especial, romances e contos. Tive uma vida profissional estreitamente ligada ao mundo dos livros, portanto este é um campo em que me sinto muito à vontade.
Você é formada em Filosofia e Ciências Sociais. Por que entrou no mundo das letras?
A formação na área das ciências humanas se deu por uma necessidade que eu tinha de compreender as sociedades e as diversas formas como o ser humano estabelecia suas ações e valores no mundo. Naquela época, grande parte dos textos de ciências humanas não tinha tradução em português, o que me levou a estudar várias línguas, como o francês, espanhol e italiano, uma vez que eu só tinha conhecimento razoável em inglês.
Com isso, passei a fazer, informalmente, traduções de textos acadêmicos, que os próprios professores por vezes me solicitavam. Daí já estava dado o passo para me tornar tradutora. Apaixonei-me pelo trabalho de tradução, que é um dos mais instigantes que existem. Quando saí da faculdade, já fazia isso profissionalmente.
Fale um pouco sobre seus outros dois livros: “Acorde vagante” (2016) e “A Dobra do Fio” (2023)?
“Acorde vagante” foi uma experiência inaugural para mim no romance, e muito despretensiosa. Tinha, na época, dois amigos escritores, que me estimularam a escrever, pois tive, durante toda a vida, sonhos muito intensos, por vezes lúcidos, por vezes tão nítidos e detalhados, que se tornavam parte da memória vivida mesmo.
Agora, falar sobre sonhos não é fácil. É chato para quem escuta. Então, esses amigos me estimularam a escrever de forma ficcional estas vivências oníricas. Assim, escrevi o livro para os amigos. Mas aí, fui mordida pela experiência. Queria fazer mais. Criar personagens se tornou uma atividade fundamental para mim.
Então, comecei a escrever “A dobra do fio”, que foi composto em duas etapas distintas. Nele, há dois monólogos, sendo que o segundo, que é o desdobramento do primeiro, foi escrito anos depois. Creio que a principal diferença desses dois romances para o Futuro do Pretérito foi a urgência interior, a necessidade de escrever este último, que me surgiu quase como uma forma de sobrevivência. As experiências anteriores não foram tão viscerais.
Por que ambientar a obra nos anos 1980?
A obra passeia por várias décadas, mas de fato tem suas principais ações concentradas nos anos 1980 porque esta foi uma década de transição, tanto para mim, com relação à passagem para a vida adulta, como para o Brasil, que passava pelo processo de redemocratização. E eu precisava falar desse tempo, urgentemente. Estávamos presenciando a emergência de um movimento negacionista, que tentava negar inclusive nossa própria história.
E, dentro de mim, eu sentia que a negação da história do país significava, em última instância, a negação de mim mesma como pessoa. De repente, minha própria existência poderia entrar em xeque.
Em quem se inspirou para criar a personagem Mariana?
Meus amigos dizem que Mariana tem muito de mim, mas a verdade é que tentei criá-la com características muito diferentes da minha. Primeiro, é uma pessoa sem memória, e nada pode ser mais contrário a mim do que isso. Depois, é uma mulher que nunca foi mãe, quando eu entendo que a maternidade é provavelmente o elemento que melhor define quem eu sou.
Mas, no final, acredito que todos os personagens levam um pouco de nós, ao mesmo tempo, em que se individualizam e passam a ter vida própria, à medida que o enredo se constrói. Como os filhos, afinal de contas!
Como Mariana utiliza a literatura, o cinema e a música para compreender a passagem do tempo?
Essa é uma característica que Mariana herdou realmente de mim (risos). A vivência da literatura, do cinema e da música são tão profundas que, embora se renovem com o passar dos anos, com releituras várias, ao mesmo tempo, me fixam no tempo exato em que tive minha primeira experiência com eles.
Por exemplo, recordar uma música que me marcou profundamente quando eu tinha determinada idade, em um tempo e local específicos, é como voltar a ser a pessoa que eu era naquela época, e que não sou mais. É como voltar no tempo de verdade, voltar a sentir da mesma forma que eu sentia antes.
Ora, compreendi que, na construção de uma personagem sem memória de fatos cotidianos, como Mariana, esta deveria ser uma característica fundamental para que ela conseguisse estar no mundo de forma lúcida.
Mariana não se lembra do passado. Além disso, ela perde partes da memória após uma noite de sono. Como esse conflito pode ser compreendido no livro?
De fato, foi difícil para mim construir esse argumento sem atrapalhar a verossimilhança mínima que o leitor precisa encontrar na história, para não se sentir enganado. Sou uma leitora muito exigente, então penso com cabeça de leitor o tempo todo.
Uma coisa é criar uma fantasia completa, porque aí a gente já sabe e se deixa levar. Outra, é criar uma circunstância dotada de extrema singularidade, mas não conseguir dar sustentação a ela. No caso deste livro, a personagem tem níveis de memória bastante distintos.
Há coisas que se sedimentam profundamente, e outras que são varridas por completo. A ideia, nesta história, era mostrar as formas que Mariana foi encontrando para lidar com essa realidade, de modo a conseguir ter ações possíveis no mundo, dentro de uma condição tão específica com relação às suas memórias.
Um trecho do livro fala: “Quando uma música, por exemplo, te faz lembrar de um acontecimento ou de uma época da sua vida, você está, na verdade, lembrando de si mesmo, de quem você era e de como percebia o mundo naquela altura da vida.” Pode explicar o que quis dizer com isso por favor?
Acho que se trata da forma como a gente vivencia a memória. Dificilmente nos lembramos de fatos desconectados de qualquer emoção. Porém, a música tem o poder de aprofundar a experiência da memória num nível tal, que praticamente ocorre um teletransporte no tempo e no espaço. É a experiência mais próxima de uma viagem no tempo que conseguimos ter.
Quais são seus planos? Pretende escrever um novo livro? Ou se aventurar em outros gêneros literários?
Sim, tenho uma coletânea de contos já finalizada, que estou estudando ainda como vou publicar. Atualmente, estou trabalhando no projeto de publicação de um conto, no qual aprofundei a narrativa em prosa poética e, por isso, desejo que tenha uma diagramação artística e ilustrações.
Para finalizar, pode mandar uma mensagem para os nossos leitores?
Sim! Acredito que uma pessoa que goste de ler deva buscar, nesse campo tão vasto da literatura, aquilo que seja capaz de mexer com suas emoções, de acrescentar, à sua experiência diária, memórias que passem a fazer parte do que cada um de nós é.
Não há regras para isso, não há bonito nem feio, textos mais ou menos importantes. Há a experiência, que deve ser desafiadora em alguns momentos, mas em outros, apenas reconfortante. É nisso que devemos conectar nossa imaginação e nossas emoções.
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