Mario Oshiro, autor da HQ Achados & Perdidos, deu uma entrevista exclusiva ao GeekPop News para falar sobre sua estreia nos quadrinhos, o processo criativo da obra e como sua vivência pessoal influenciou na construção de uma narrativa repleta de representatividade, afeto e questionamentos sobre identidade e pertencimento.

Leia a entrevista com Mario Oshiro

Antes de mais nada, você pode se apresentar para os nossos leitores? Queremos conhecê-lo melhor!

Primeiramente, obrigado pelo convite! Fico muito feliz de poder conversar com vocês, ainda mais com um portal tão bacana quanto o GeekPopNews. Um espaço que dá voz a novas ideias, à arte e cultura, e isso é algo que admiro muito.

Agora… essa pergunta é sempre uma pegadinha, né? Porque falar sobre a gente mesmo é um desafio e tanto rs. Mas acho que, se eu pudesse me definir de um jeito simples, diria que sou um contador de histórias. Sempre fui. Desde criança, eu inventava tramas mirabolantes com brinquedos, criava novelas com meus primos e até desenhava grades de programação fictícias pra “minha emissora de TV imaginária”. Eu já era roteirista, só não sabia ainda.

Hoje, sou autor-roteirista, diretor e sócio do Lobo Criativo, uma produtora focada exclusivamente na criação de roteiros e formatos para TV, Cinema e Novas Mídias. E, recentemente, realizei um sonho antigo: escrevi minha primeira HQ, Achados & Perdidos. É uma história que carrega muito de mim, das minhas inquietações, das minhas vivências, e que, espero, consiga dialogar com quem já se sentiu meio perdido na vida.

Costumo dizer que meu trabalho é uma mistura do ordinário com o extraordinário. Gosto de criar histórias que provoquem, emocionem e, se possível, deixem aquela “pulguinha atrás da orelha”. Acredito que as boas histórias são aquelas que nos fazem repensar alguma coisa — mesmo que seja no meio de uma risada ou em uma cena mais absurda. Pra quem quiser acompanhar meu trabalho e saber mais sobre a HQ, é só me seguir lá no Instagram: @marioshirojr e @achadoseperdidoshq. Bora bater um papo por lá também!

Mário, você tem uma trajetória impressionante no audiovisual, com experiência em TV, cinema e novas mídias?

Eu sempre gostei muito de criar histórias e não importava muito o formato. Quando criança, eu inventava de tudo: jogos de tabuleiro, RPGs improvisados, filminhos de terror como sangue falso e até realities shows usando a vizinhança no elenco. Acho que minha trajetória no audiovisual vem muito disso: eu nunca fiquei preso a um único formato porque, no fim das contas, o formato é só um meio — o que importa mesmo é a história que você está contando.

E as HQs sempre tiveram um cantinho especial no meu coração. Lembro que, por muito tempo, as páginas da Turma da Mônica, do Maurício de Sousa, foram meu playground favorito. Depois vieram Ziraldo, Laerte, Glauco, Angeli… Sempre fui fascinado por esse jeito quase mágico de contar uma história misturando imagem e texto.

Mas a vida seguiu e, por anos, o cinema e a TV acabaram tomando mais espaço na minha trajetória. E foi nessa jornada que Achados & Perdidos nasceu. Inicialmente como um argumento cinematográfico, lá em 2016. A ideia chegou a ser premiada e quase virou filme, mas, como quem trabalha com audiovisual sabe, tirar um projeto do papel é uma verdadeira montanha-russa. Orçamentos apertados, burocracias, interferências criativas…

De onde veio a vontade de escrever um livro, especialmente no formato de HQ?

A história foi se perdendo no meio desse processo e, de repente, aquilo que um dia tinha sido tão pessoal já não parecia mais meu. Foi aí que decidi que precisava retomar essa história, mas, dessa vez, no formato que sempre admirei: uma HQ. Uma mídia que me permitiria contar essa trama do meu jeito, sem precisar diluir as temáticas ou negociar minhas ideias. Era uma forma mais direta de me conectar com o público.

Em 2023, inscrevi o projeto no ProAC/SP, na categoria de Criação e Publicação de Histórias em Quadrinhos, e tive a felicidade de ser contemplado. O apoio do ProAC foi essencial para viabilizar a obra e, mais do que isso, me deu a oportunidade de reunir uma equipe incrível — e aqui não posso deixar de destacar a ilustradora Dominic Amaral, que conseguiu traduzir cada emoção da história com uma sensibilidade e uma poesia que vão muito além do que eu poderia imaginar.

De certa forma, acho que essa minha vontade de transitar por diferentes formatos — essa inquietação criativa — foi o que me levou a transformar Achados & Perdidos em uma HQ. Foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado.

Sou muito grato a quem embarcou nessa comigo: aos meus editores, Bruna Perello e Diego Moreau, à Skript Editora e, claro, à incrível Dominic Amaral, que não só ilustrou, mas trouxe uma alma inteira para essas páginas. Essa HQ é nossa.

Mário, seu livro Achados & Perdidos apresenta uma ideia muito curiosa: um setor onde pessoas sem memória são tratadas como objetos esquecidos. Pode falar sobre isso?

Essa é uma ótima pergunta e já começo dizendo que torço um pouco o nariz sobre a expressão “sem memória”. Na verdade, o que acontece com elas é mais complexo, é uma perda de identidade. Elas não esquecem apenas fatos ou momentos, mas sim quem são. E é essa perda de si mesmas que faz com que sejam tratadas como objetos esquecidos.

Na trama, o protagonista, Kenzo, é diagnosticado com uma condição chamada SAP — Síndrome dos Achados e Perdidos — e, por isso, é levado para esse setor onde pessoas são tratadas como itens extraviados, à espera de serem encontradas por alguém que possa provar um vínculo com elas. É uma ideia curiosa, mas que, pra mim, sempre fez muito sentido.

De onde veio essa inspiração?

A inspiração, na verdade, surgiu meio do nada, e isso é bem comum comigo. As ideias vêm rápido, pipocam na cabeça, e algumas ficam, outras somem. Mas, geralmente, elas nascem de alguma inquietação.

Eu sempre usei muito o transporte público de São Paulo, e sempre fiquei atordoado com aquele automatismo das pessoas: metrôs lotados, multidões de rostos, cada um carregando sua própria história, mas todos meio que… isolados. Estamos cercados de gente o tempo todo, mas isso não significa que estamos realmente conectados. Esse paradoxo — estar rodeado, mas sozinho — sempre me incomodou.

E foi daí que veio a ideia: se somos tão facilmente objetificados, reduzidos a números, funções ou aparências, e se há uma sociedade que, de certa forma, já nos trata como peças substituíveis… por que não levar isso ao extremo? Se existisse uma síndrome que combinasse sintomas de tantas outras síndromes reais — ansiedade, pânico, fobia social — e que fizesse as pessoas se perderem de si mesmas? E se, por perderem a própria identidade, fossem tratadas como objetos esquecidos, catalogadas e armazenadas?

Daí veio a distopia. E a verdade é que essa distopia não é tão distante assim. Acho que, de certa forma, Achados & Perdidos usa esse universo meio absurdo pra falar de algo bem próximo da nossa realidade. Hoje em dia, é muito fácil se perder de quem você é — seja pela pressão social, pelas expectativas externas ou mesmo pela rotina esmagadora que te faz funcionar no automático. A HQ fala disso: do perigo de viver uma vida onde você se apaga aos poucos, até esquecer quem é de verdade.

No fim das contas, a distopia é só um pano de fundo para falar sobre identidade, pertencimento e essa nossa busca por conexão num mundo que, muitas vezes, parece projetado para nos desconectar.

E como foi o processo de transformar essa ideia em quadrinhos? Você já tinha experiência com esse formato?

Olha, quando eu decidi transformar Achados & Perdidos numa HQ, tinha exatamente zero experiência com roteiro de quadrinhos. Mas, quando fui entender como funciona esse formato, percebi que ele é muito mais próximo do que eu já fazia no audiovisual do que eu imaginava.

Claro, são formatos diferentes, mas, no fim das contas, contar uma história é contar uma história. A forma e a técnica a gente aprende, mas a narrativa em si, os macetes de criação e de condução do leitor ou do espectador são bem parecidos.

No audiovisual, por exemplo, a gente trabalha muito com ritmo, com cortes que conduzem a atenção do espectador, com a construção de cenas que prendem o público até a próxima virada. E, nos quadrinhos, é mais ou menos a mesma lógica, só que com outro tipo de ferramenta.

Nesse processo, aprendi muita coisa nova. Meus editores, a Bruna e o Diego, foram fundamentais nisso. A Bruna, com toda a experiência dela na literatura, sempre trazia uma visão mais objetiva e fluida para a narrativa. E o Diego me ensinou algo que mudou completamente minha forma de pensar as páginas. No audiovisual, a gente aprende a criar ganchos no fim de uma cena ou de um episódio para segurar o espectador. Já o Diego me mostrou que, nas HQs, esse gancho precisa estar na virada de página.

Então, foi um aprendizado enorme e muito divertido também. E, no fim, percebi que a HQ não é um mundo tão distante do cinema e da TV. São linguagens diferentes, claro, mas todas têm essa mesma missão: conduzir o público/leitor por uma boa história. E isso, felizmente, é algo que sempre fez parte do que eu amo fazer.

O estilo artístico escolhido influencia na forma como o público percebe a história?

Com certeza. Cada traço, cada detalhe visual ajuda a contar essa história e influencia diretamente na forma como o público se conecta com ela.

No caso de Achados & Perdidos, a escolha artística foi fundamental para transmitir o tom da história. A HQ tem essa pegada tragicômica, com momentos de leveza e humor, mas também é cheia de melancolia, solidão e questões existenciais.

Há cenas com traços mais delicados e expressivos, que aproximam o leitor dos momentos mais íntimos e emocionais. Isso cria um contraste incrível e faz com que esses momentos de conexão se destaquem ainda mais.

Eu poderia ter escrito a mesma história para o cinema ou para uma série, mas só nos quadrinhos essa estética específica — esse equilíbrio entre o visual e o texto — conseguiu dar o tom exato que a história pedia.

A arte da Dominic não só ilustra a história, ela amplia o impacto emocional da narrativa. E isso é mágico nos quadrinhos: a forma como texto e imagem se complementam, quase como uma coreografia.

Então, sim, o estilo artístico tem um peso enorme na forma como o público percebe a história. Em Achados & Perdidos, ele é uma extensão dos próprios personagens — perdido, fragmentado, mas ainda assim poético e cheio de esperança.

Para quem nunca leu uma HQ adulta e reflexiva, como Achados & Perdidos, por que vale a pena dar uma chance ao formato?

Acho que muita gente ainda associa HQs apenas a super-heróis ou histórias mais leves e juvenis — e, claro, essas histórias são incríveis também. Mas o universo das HQs é muito mais amplo e surpreendente do que parece.

No caso de Achados & Perdidos, e de tantas outras HQs adultas e reflexivas, o que mais me encanta é como essa mídia permite contar histórias de uma forma que só ela consegue. A mistura entre imagem e texto cria uma experiência muito sensorial — você não só lê a história, você vê, sente e percebe cada detalhe. A pausa dramática que, no cinema, acontece com um corte ou uma trilha sonora, nos quadrinhos pode vir com uma ilustração silenciosa que diz tudo sem precisar de uma palavra sequer.

Além disso, uma boa HQ não exige que você corra ou pule direto para o final. Ela te convida a desacelerar, a observar os detalhes, a refletir sobre cada cena. E isso gera uma conexão muito íntima com a história.

Em Achados & Perdidos, por exemplo, tem momentos em que a solidão do protagonista é sentida não só pelo que ele diz, mas pelo que está ao redor dele — os silêncios, os vazios, a estética em preto e branco… Tudo isso funciona como uma extensão da própria angústia dele. É algo que vai além do texto.

Então, eu diria: dê uma chance para Achados & Perdidos. Permita-se se perder, se encontrar e se perder novamente.

Para fechar, depois dessa experiência com Achados & Perdidos, você pretende seguir explorando o universo dos quadrinhos ou voltar ao audiovisual?

Os dois, com certeza! Achados & Perdidos foi uma experiência incrível e abriu um novo caminho criativo que eu quero continuar explorando. Ao longo deste ano, meu foco vai estar muito voltado para a divulgação da HQ, participar de feiras, clubes de leitura, eventos literários e buscar essa conexão mais direta com os leitores.

Mas o audiovisual segue firme na minha vida. Eu gosto de me dividir entre os dois universos porque, no fim das contas, ambos são formas de contar histórias — e é isso que mais me move.

E quem sabe o que vem por aí, né? Quem sabe não nasce uma HQ novíssima ou, como muitos têm me pedido, até uma continuação de Achados & Perdidos? Eu costumo dizer que as ideias surgem quando menos espero, então…

O mais importante é que essa experiência com a HQ me lembrou que histórias boas sempre encontram um jeito de acontecer — seja nas páginas de um livro, nas telas ou onde quer que seja. Então, que venham mais histórias!