O escritor e advogado L. Domingos Dalabília traz a atmosfera do suspense e terror das cidades pequenas com o livro de contos “Meninos Morrem de Medo” da Editora Albatroz. Cidades pequenas guardam segredos que não apenas assustam, mas também encantam moradores e visitantes. Inspirado por essas histórias, criou a Vila de Flamígera, onde as histórias se desenvolvem. Em entrevista exclusiva ao GeekPop News o autor falou de suas referências para escrever as histórias. Ele também narra um pouco de sua trajetória como advogado e escritor.

Confira a entrevista:

O senhor poderia se apresentar para os nossos leitores? Queremos conhecê-lo melhor. 

Sou o Domingos Dalabilia, tenho 61 anos, advogado de profissão há 37 anos. Também sou licenciado em História, Filosofia, Pedagogia, tendo sido professor por um pequeno período. Sou um gaúcho, nascido numa pacata cidade do interior do Rio Grande do Sul (Sananduva-RS). Residi em Porto Alegre por aproximadamente 30 anos e, atualmente, estou estabelecido em São Paulo já há mais de uma década. “Meninos Morrem de Medo” é o título de um dos Contos de Flamígera, nome de minha cidade fictícia. Trata-se de meu livro de estreia, embora já tenha publicado em algumas coletâneas, revistas eletrônicas e blogs há alguns anos.

O senhor é advogado. Como essa profissão auxilia no seu processo como escritor?

Toda formação, de modo geral, nos obriga a organizar os pensamentos para manter certa racionalidade sobre os acontecimentos do cotidiano. No meu caso o profissional jurídico, mas também sobre o contexto ideológico e político no Brasil e no mundo. No início da atividade da advocacia, acompanhei situações de crianças vulneráveis em instituições no RS e a violência generalizada sob todos os aspectos. Do mesmo modo, História, Filosofia, Pedagogia e Psicologia (que estou prestes a concluir), não são funções apenas contemplativas, pois me ofereceram a oportunidade de agir e refletir sobre a própria condição e as ações humanas e, lógico, das minhas personagens, auxiliando-me desenvolver habilidades como criatividade, paciência e comunicação assertiva.

Por que escolheu o Rio Grande do Sul como cenário? 

É comum que a ambientação (espaço ou cenário) tenha elementos reais ou fictícios, dos lugares que o autor viveu e conhece. Sou gaúcho, então ambiento minhas histórias no Rio Grande do Sul.

Vila de Flamígera foi inspirada em alguma cidade específica?  

Digamos que sim. Posso revelar que a maior parte das histórias foi ambientada no meu lugar de nascimento, e também num bairro do extremo sul de Porto Alegre chamado “Lamí”. Lugar bucólico, isolado, próximo a uma reserva ambiental de atmosfera bucólica, isolada, meio sinistra. Aliás, a maioria das casas desapareceu com as inundações recentes, o que daria uma boa história de suspense, mistério e terror. 

Por que na sua opinião as cidades pequenas são o lugar perfeito para uma boa história de terror / suspense? 

Assim como Macondo é a cidade fictícia de Gabriel Garcia Marques, Oceânia, a de George Orwell, Comala, a de Juan Rulfo, Pau D” arco, a de Charles Kiefer. O mestre moderno das histórias de suspense e terror Stephen King, na construção de seus suspenses, criou várias cidades fictícias no seu estado natal, o Maine. A exemplo de Castle Rock, Jerusalem’s Lot e Derry, dentre outras. Nas cidades pequenas, de poucos habitantes, com longos espaços vazios, florestas, velhas igrejas e casas, lugares isolados facilitam ao autor criar uma ambientação de suspense e terror.

Por que escrever um livro de contos? Algo de especial nesse gênero literário? 

As minhas respostas a esta pergunta são variadas: às vezes cito Mário Arregui, um contista uruguaio que diz ser o conto “uma pedrada no olho”. Tecnicamente, trata-se de uma peça curta, fechada em si mesma, sem materiais supérfluos, construída quase sempre com certa surpresa ao final. Surpresa esta que não pode ser armadilha para que jamais aconteça uma traição ao leitor. 

O mestre Edgar Allan Poe – indiscutivelmente o maior teórico do gênero – diz textualmente que o conto é uma narração em prosa cuja leitura deve ser feita de uma assentada sem que a atenção se fatigue. Não obstante, contrariando Poe, temos o grande Cortázar, que em algum lugar fala da esfericidade do conto, tendo nos brindado com um que possui nada menos que 80 páginas, “O perseguidor”. 

Mas, de todo modo, cortar, fazendo a extirpação dos supérfluos, é fundamental para todo aquele que pretende escrever contos. Enfim, considero o conto um gênero formoso, importante, difícil, pois alguns rigores o condicionam e o comandam. A fim de que tenha alta temperatura, que consiga ter uma espécie de compressão explosiva! É isso que admiro nos mestres do conto – e que seria a minha maior ambição. Algo ainda muito longe do que pude até então realizar.

Qual a mensagem que “Meninos Morrem de Medo” passa?  

O objetivo principal de meus contos foi sempre o de proporcionar prazer e alegria, buscando impactar o leitor para, a partir disso, levá-lo à reflexão sobre a necessidade de combatermos todos os demônios que habitam em nós. Gosto de citar o poeta Sófocles, que já ensinava em Antígona, que, de todas as maravilhas da natureza, a maior é o homem. Industrioso e hábil, ele se dirige ora para o bem, ora para o mal e nessa encruzilhada – a partir de suas próprias escolhas entre fazer o bem e fazer o mal – que todo mundo sabe qual é, inúmeras vezes estará fugindo à razão, mas sempre irá querer compreensão.

Quais são os seus planos? Pretende escrever algo novo?  

Na literatura, o plano para mais breve é a publicação de um livro na área do direito em que trato da interdisciplinaridade de algumas normas jurídicas. Mais especificamente aquilo que defino como Direito de solidariedade e/ou Direito fraterno com a Psicologia. No concernente à ficção, no futuro pretendo publicar uma continuidade dos contos de Flamígera. Tenho material para isso, que precisa ainda de alguns ajustes.   

 Para finalizar, poderia mandar uma mensagem para os nossos leitores? 

A arte de contar e escrever histórias tem sido um dos percursos para que todos nós, os jovens e os mais velhos, tenham um momento de autoconhecimento. Pois a escrita possibilita que olhemos para dentro de nós. Praticamente obrigando-nos a trazer à tona memórias afetivas, que podemos compartilhar por meio de contos, novelas, crônicas e romances. 

A arte da escrita permite ao próprio autor interagir com dilemas morais, crises de identidade, medos, traumas, preconceito e outros aspectos da psique humana. São forças motoras que muitas vezes servem para atenuar a própria depressão e melancolia tão comuns nos dias atuais, fazendo-nos expressar emoções, mal-estar e aceitação de nós mesmos. 

Por fim, sugiro que os leitores leiam os clássicos, os contos introspectivos dos russos, e visitem Poe, Maupassant, Fitzgerald. Dostoievski é fundamental para quem deseja escrever contos psicológicos. Aventure-se em ler os clássicos latino-americanos, Cortázar, Mário Arregui, Juan Rulfo, Borges, Machado de Assis, Murilo Rubião, dentre outros tantos, e sejam felizes.