O escritor Pedro Jucá cresceu cercado por arte, uma vez que nasceu em uma família de artistas. Vencedor dos prêmios Ideal Clube de Literatura, Off Flip e o Prêmio de Literatura UNIFOR, ele esteve na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2024, para lançar seu trabalho mais recente, “Amanhã Tardará”. A obra é uma narrativa forte e repleta de sentimentos, a partir dos conflitos de uma família. Pedro Jucá falou com o GeekPop News sobre “Amanhã Tardará” e seu trabalho como escritor.

Confira a entrevista exclusiva:

Antes de falar sobre o livro, você pode se apresentar? Nossos leitores querem conhecer você melhor.

Claro! Oi, pessoal! Meu nome é Pedro Jucá, sou escritor, mas, como um super-herói (ou um vilão!) com identidade dupla, sou também procurador do Estado do Paraná. Tenho 35 anos, nasci em Fortaleza/Ceará, mas atualmente moro em Curitiba com meus três gatos – Willow, Hopper e Nimbus.

Tenho um livro de contos chamado Coisa Amor (Urutau, 2022), mas, e acredito que isso seja o mais importante para esta entrevista, acabo de lançar meu primeiro romance, Amanhã Tardará (selo Tusquets da Editora Planeta), que, no ano passado, foi escolhido pelos colaboradores da Revista Quatro Cinco Um, a principal revista literária do País, como um dos melhores livros de 2024.

Eu amo a literatura, o cinema e as artes em geral – além da psicanálise, que vive me puxando pelo pé, e da gastronomia.

Como foi o processo de escrita de Amanhã Tardará?

Um verdadeiro tormento (risos). Brincadeiras à parte, escrever um livro nunca é fácil – e ainda mais difícil para alguém com uma personalidade espartana como a minha. Costumo ser muito exigente comigo, e não foi diferente na escrita do Amanhã Tardará, livro cujo grosso eu escrevi durante a pandemia. Não importando se fizesse chuva ou sol, eu me comprometi comigo mesmo a escrever todos os dias.

Com o trabalho na Procuradoria – e todas as outras obrigações da vida de adulto – acabava sobrando pouco tempo para me dedicar ao romance, mas, mesmo exausto, eu me obrigava a escrever de domingo a domingo, ainda que fosse para me sentar em frente ao computador por não mais que uma horinha. Às vezes, entre onze e meia-noite. Se eu tentava descansar um pouco, logo a história me puxava de volta pelo braço. Foi duro, mas eu não tive para onde correr. Era escrever ou escrever – algumas histórias acabam se impondo e, como um fantasma, não deixam você mais em paz.

Após a leitura da obra é possível entender o porquê do título. Mas o que a expressão “Amanhã Tardará” significa para você?

O livro é um livro de ficção, não corresponde, fato a fato, à realidade concreta. Apesar disso, parto do pressuposto de que um escritor sempre está depositado na própria obra – e, quanto ao que o título esconde, acho que a história do Marcelo, que é narrador e protagonista, se encontra com a minha. A questão do tempo e da memória sempre me perseguiu. O que, com a passagem do tempo, se altera na memória?

O que, com a passagem do tempo, se cria e se destrói, se aumenta e se diminui na memória? Só nós, seres humanos, somos capazes de nos situar no discurso para além do presente. Só nós conseguimos dizer, hoje, que, no amanhã – que ainda nem chegou! –, algo tardará. Algo que ainda nem aconteceu e já lamentamos que seja tarde demais. Planejamos um futuro que pode nunca vir a acontecer e nos prendemos a um passado que, para além da nossa cabeça, nunca existiu de fato.

Somos viajantes do tempo e nem sabemos. É por meio dessas inflexões de discurso – de pessoas, de tempo verbal – que podemos criar e recriar o mundo, o que passou e o que está por vir. E acho que o romance trata, em larga medida, disto: somos seres feitos de tempo, que é, sempre e também, memória.

Em que ambiente você se inspirou para criar a Vila de Ourives, cenário de Amanhã Tardará?

Embora se trate de uma vila inventada, a ambientação do romance veio como uma alter-ficção – quando coletamos dados da vida de pessoas ao nosso redor e os ficcionalizamos – do local onde um ex-namorado meu nasceu e cresceu. O lugar e até alguns personagens – Mima, a gatinha da história, e Tobby, o cão do Marcelo, por exemplo – eu tomei dele.

De toda forma, Ourives é uma vila ficcional, feita para servir aos olhos e ao repertório do leitor. Já vi gente identificando a vila com muitos lugares, de norte a sul no Brasil. Isso é muito bonito, porque é sinal de que, de alguma maneira, as pessoas estão se encontrando e se implicando no livro.

Como você acha que os conflitos familiares moldaram a personalidade de Marcelo?

Acho que de todas as maneiras possíveis. De novo, acho que, aqui, eu e Marcelo nos encontramos. Como ele mesmo diz: a família é brutal, e dela vem todo ódio e todo amor, toda vida e toda morte. Pessoalmente, eu acredito que as relações familiares, as quais são as primeiras que conhecemos, vão moldar – senão determinar – todas as outras que manteremos ao longo da vida. Inclusive, se não tomarmos bastante cuidado, de forma muito daninha, sobretudo quando há trauma envolvido. 

Ou melhor, me corrijo: quando há um forte trauma envolvido. Trauma, no sentido psicanalítico – uma falta à qual falta sentido – sempre vai haver. Cabe a nós aprendermos a contorná-lo da melhor maneira possível, e, para isso, precisamos encará-lo de frente. Acho que é nisso que reside o drama do Marcelo. Dele e da família inteira, aliás: a incapacidade de encarar o trauma de frente. 

Quem você gostaria que lesse “Amanhã Tardará”?

Todo mundo (risos). É um exagero e uma brincadeira, claro, mas eu realmente acho que seja um livro para todo mundo, porque ele serve também como um alerta para que nunca varramos certas poeiras para debaixo do tapete.

É importante, claro, deixar o aviso de que estamos diante de uma história pesada, que trata de traumas, sexualidade e morte. Mas, por outro lado, também trata de amor, de afeto, de vida. É o correr da vida de uma família comum, com seus dramas e comédias, vexames e glórias, delícias e dores. A vida não é fácil, e disso todos nós sabemos – por isso que eu digo que é um livro para (quase) todo mundo.

Para finalizar, você poderia enviar uma mensagem para os nossos leitores?

Primeiro, gostaria de agradecer a atenção de todo mundo que leu a entrevista até aqui. Depois, gostaria de deixar a seguinte mensagem: leiam, gente. Leiam. Comprem livros e leiam. Comprem livros para outras pessoas e as estimulem a ler. Família, amigos, colegas de trabalho. Até gente de quem vocês não gostam (risos).

Vivemos num país em que se lê muito pouco, e isso é terrível. É terrível porque é por meio da literatura que nosso mundo se expande – não só o mundo num sentido objetivo, mas também aquilo que carregamos dentro de nós. 

A literatura é, por excelência, o instrumento por meio do qual melhor exercitamos nossa alteridade, isto é, nossa capacidade de entender o próximo. Sem isso, estaremos vivendo no vazio, no caos, na barbárie. Leiamos, mais e sempre. É essa a mensagem que, nessa entrevista (e na vida!), eu gostaria de deixar.