O filme documental Ato Final é obra da diretora Roberta Fernandes e aborda a violência doméstica contra mulheres. O documentário é uma união de entrevistas com sobreviventes reais e cenas com três atrizes que interpretam personagens vítimas do feminicídios.
A diretora Roberta Fernandes realiza o seu primeiro longa, o filme documental Ato Final, produzido pela Andaluz Filmes. Com direção de elenco de Rejane Arruda, roteiro de Marcella Rocha juntamente com a diretora Roberta. Além disso, o longa participou do Selo Elas, em 2021, iniciativa da Elo Studios que fomenta longa-metragens dirigidos por mulheres.
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Confira a entrevista com Roberta Fernandes, diretora do filme “Ato Final”
Roberta Fernandes é graduada em jornalismo e a universidade abriu as portas para a diretora entrar no mundo cinematográfico. Com isso, Roberta conta um pouco sobre a sua trajetória no universo dos filmes.
Sou formada em Jornalismo e eu fiz um laboratório na universidade em que a gente fazia matérias para o Canal Futura e era com uma pegada num estilo mais documental, de um jeito mais livre, né? E por causa desse contato com o vídeo na universidade, eu fui vendo as possibilidades dentro da nossa área, dentro do jornalismo, que elas eram maiores até do que trabalhar numa redação.
O TCC foi um caminho para curtas e longas
A diretora Roberta Fernandes afirma que o seu TCC foi um caminho para começar a produzir curtas e longas: “Eu tive a oportunidade na época da Universidade de fazer um meu TCC com um documentário, que foi um curta na época sobre o abuso sexual infantil”
O trabalho de TCC da jornalista, intitulado “Se Você Contar”, foi exibido no maior festival de documentário da América Latina e um precursor para o seu atual longa “Ato Final”.
Fizemos inscrições do curta em alguns festivais que são de muito renomados, eu tinha uma expectativa de que o meu curta, que era o meu trabalho de conclusão de curso, fosse visto pelos meus amigos e pela minha família, e aí o filme explodiu. Exibiu não só aqui no Brasil, mas em outros festivais, como em Madrid no Chile, festival de cinema de direitos humanos, no festival de mulher teve uma proporção tão grande que ganhou o grande prêmio no canal Brasil de curtas e realmente parecia que era para eu fazer isso mesmo. Foi assim que começou, assim que foi o pontapé inicial para essa carreira dentro do cinema.
O filme aborda um assunto muito delicado para ser retratado, mas que é a realidade de muitas mulheres no Brasil. Portanto, Roberta aponta a importância de usar seus conhecimentos para dar voz às vítimas de violência doméstica.
Por causa desse curta da faculdade eu tive acesso a um universo de violência contra mulher muito amplo, violência psicológica, violência sexual e violência física. Então, tendo acesso a tanta coisa assim, sobre esse assunto, sobre esse universo de agressões eu fui percebendo a necessidade de continuar trabalhando com essa temática. Eu percebi que a gente estava desenvolvendo um olhar sensível, a gente tinha uma preocupação estética, mas ética também e muito presente em todo o processo, sempre muito preocupado com a fonte, sempre preocupado com o tema. E as pessoas com quem eu tinha contato me diziam que essa sensibilidade, tanto de ouvir quanto de poder explorar o tema sem um sensacionalismo, isso era uma habilidade, eu vou dizer assim ou dom, não sei exatamente o que estava surgindo para mim. Mas era para eu continuar fazendo e caminhando nessa direção.
Machismo estrutural denunciado no filme
O Brasil é um dos países que mais matam mulheres no mundo. Diante desse fato e acompanhando o jornal local (ES), a capixaba Roberta Fernandes entendeu a necessidade de criar o documentário “Ato Final”, delicado e rico em detalhes.
Além disso, eu sou mulher e também uma potencial vítima de assédio e tantas outras outras violências a que estamos submetidas. Também sofro com o machismo que é estrutural, que inclusive a gente denuncia no filme, o que realmente mata as mulheres. Eu moro em um dos Estados (Espírito Santos) em que mais mata mulheres vítimas de feminicídio, então juntando tudo isso, assistindo o jornal daqui na hora do almoço, lendo as matérias dos veículos locais, não tem como você não se incomodar, eu fui percebendo que era urgente trabalhar com feminicídio.
Além disso, a diretora explica que ao falar sobre o feminicídio também precisamos discutir as mais diversas violências que as mulheres sofrem. “Não tem como falar sobre o feminicídio sem passar pela violência inclusive a doméstica e a sexual patrimonial. Enfim todas as outras que envolvem esse crime”
O documentário é um filme narrativo interpretativo
A ideia do filme é de narração com interpretação, ao qual as vítimas relatam suas histórias enquanto em outros momentos há cenas do ensaio das atrizes para interpretar mulheres que foram vítimas do feminicídio. Portanto, trabalhando com os relatos reais e as atrizes, Roberta aponta quando decidiu colocar os ensaios no filme.
Quando eu decidi esse tema eu criei para mim obstáculos que eu precisava romper de alguma maneira com a arte, com os dispositivos que o cinema propõe e um desses obstáculos, eu não ia conseguir falar com as fontes reais envolvidas nesse assunto porque estão mortas, né? Eu não tenho as personagens das vítimas reais de feminicídio porque elas morreram, eu quero discutir ou apresentar sobre esse universo psicológico que me parece que é o mais nocivo para essas mulheres nessa condição, e como é que eu faço isso? Trazendo atrizes para o filme. Então, eu vou provocar nas atrizes ou vou colocar no palco esse universo sensorial. Eu decidi trazer atrizes para fazer uma construção narrativa desse percurso violento, mas elas com auxílio da arte porque a arte te permite isso. Elas tocam de maneira pessoal, porque elas se entregam muito delas ali, são do universo feminino, então gera identificação com todas as mulheres.
Dessa forma, a diretora explica a construção entre as atrizes no palco e os relatos das vítimas de violência doméstica, “eu escolhi o dispositivo de colocar atrizes, mas não era suficiente porque eu tô trabalhando com documentário. Então eu me senti incomodada porque tava faltando um pouco do aspecto da realidade. Por mais que tenha muito ali no palco, eu tenho as vítimas de violência doméstica e sobreviventes de feminicídio para poder dar as entrevistas. Então o filme é construído nessa costura de palco e entrevistas que tentam estruturar esse arco narrativo e que acompanha uma progressão de violência até chegar ao feminicídio”.
Muitas mulheres vítimas da violência doméstica sentem medo de expor e denunciar a violência que sofreram ou sofrem na relação. É comum ouvir não de vítimas que preferem evitar a exposição por conta do medo com seus ex-parceiros. Dessa forma, Roberta explica o processo de confiança das vítimas com a jornalista para a produção de Ato Final.
Eu tenho acesso a muitas histórias de abuso sexual infantil, muito mais do que até eu gostaria, a gente não gosta de receber notícias assim, né, mas eu entendo a importância das pessoas conseguirem falar comigo. Eu fico triste porque é mais uma história que vem à tona mas também fico muito feliz por confiar em mim para contar. Muita gente me disse muita história de abuso que sofreu, mas que não tinha condições de se expor e no Ato Final não é diferente. Eu tive acesso ao processo de pesquisa. Há muitas vítimas de violência doméstica, muitas que não poderiam se expor porque elas já eram ameaçadas de morte.
Em suma, Ato Final estreou dia 16 de Novembro e a diretora Roberta Fernandes convida a todos para prestigiar o documentário: “Eu quero convidar todo mundo que está acompanhando, que tá com acesso a esse material para poder assistir Ato Final no cinema.”
Vale lembrar também que você pode conferir a entrevista toda na íntegra lá no nosso canal do YouTube, ou então conferi-la aqui embaixo:
NOTA: Se você ou alguém que você conhece está enfrentando violência doméstica ou corre o risco de feminicídio, denuncie imediatamente ligando para o Disque Denúncia da sua cidade, um serviço vital que oferece ajuda e proteção. Sua ligação pode salvar vidas. Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher