Encontro-me em um imenso bloqueio criativo. A pergunta que me faço toda vez quando estou nesta situação é: o que fazer para sair deste sentimento pacóvio? Ora, escrevo ainda mais. Ao invés de fugir das palavras, enfrento-as como guerreiros que enfrentam os dragões que atormentam as vilas medievais em contos fantásticos. Porém, nem tudo são flores. É sobre isso que se trata a coluna da semana: devaneios frenéticos sobre uma mente que não consegue escrever nada — enquanto escrevo algo. Ou seja, escrevo para sobreviver.
Escrevo enquanto ando
Todo escritor – ou aspirante – possui um vício, quando não linguístico, maluco e íntimo. O meu, por mais que pareça ser tão vago quanto a minha cabeça em um domingo à tarde, é escrever enquanto ando por São Paulo. Sinto-me em uma crônica recheada de mistério quando volto pelas ruas gélidas do bairro em que moro. Me pego desejando uma aventura inter-dimensional com monstros horrendos após uma badtrip.
Sinto uma imensa vontade de escrever um conto romântico, ludibriando as linhas e frases que componho no teclado. No entanto, pressuponho que este conto não será publicado, pois contém mais do que as pessoas sabem sobre mim. Digito uma crítica social escrita com um pavilhão de referências bibliográficas quando caminho na Rua Augusta até a faculdade.
Desejo escrever o próximo best seller do New York Times quando acordo de manhã e vejo um sol exuberante — e ao fundo o som do carro do ovo. Porém, o motorista do carro do ovo me faz desejar escrever uma história fantástica onde os ovos são a única coisa que resta como troca monetária em uma sociedade falida.
Escrevo enquanto sinto tudo
A mistura de sentimentos faz-me imaginar uma íntima viagem ao centro da minha psique. Minhas faculdades mentais estão sucateadas no sistema “idiocrático” do meu corpo. A fim de que, todo e qualquer projeto para o incentivo à educação, encontra-se ao lado da minha tíbia — mesmo eu não sabendo o que de fato é uma maldita tíbia.
Quando revisito os traumas do passado, quero escrever 100 páginas de belos xingamentos sem ter que dizer quais letras compõem cem por extenso. Quando uma música gruda na minha cabeça, adoro brincar de compor a próxima ópera transcendental que será descoberta 200 anos após o meu falecimento. No entanto, a civilização que a encontrará, que não conhece nada de português, a traduz como “o grito de alguém sem ideia do que escrever”.
Ainda que eu teste todas as combinações possíveis de teoremas complicados da física quântica, não consigo me lembrar do emprego dos porquês. Nem ao menos quais as regras gramaticais para utilizar uma próclise no momento certo. Portanto, em muitos casos, sinto um pedacinho de poeira no espaço infinito da maravilha que é a nossa língua. Ou seja, escrevo para sobreviver.
Escrevo com raiva
Acordei. Bati o dedinho na estante que divide o espaço entre Vladimir Nabokov, Djamila Ribeiro, Shakespeare, entre outros. Vocifero em trocentos idiomas desconhecidos xingamentos ao pedaço de madeira. Há quem diga, nas aspas de uma editora multiversal, que meus xingamentos ajudaram a derrubar uma oligarquia comandada por tampas de refrigerantes.
Porém, ninguém comentou nada quando as mesmas tampas de refrigerantes enviaram para meu descendente uma postal unicelular escrito “cuide da por*** da sua vida”.
Outro dia, após levar um banho de água suja na rua, fundei a nova sociedade dos poetas molhados por ônibus — até hoje não recebi um membro. No entanto, quando fundei a “motoristas que amam molhar pessoas na rua” atingiu 5 mil curtidas em três dias.
Simplesmente, escrevo
Este texto reflete a minha cabeça no momento, uma imensa bagunça literária — sem autor e sem editora. Entretanto, assim como todos os meus bloqueios criativos – eu realmente tenho mais do que posso imaginar -, encontro-me preso ao poder que a escrita possui na vida dos que amam escrever. Esse sentimento colossal faz com que eu misture Douglas Adams, Bukowski, Clarice Lispector, Isaac Asimov, Carolina Maria de Jesus, Philip K. Dick e milhares de outros autores que me fizeram amar a literatura.
Portanto, quando fico bloqueado, simplesmente escrevo — será que escrevo para sobreviver?