Geralmente quando nos perguntam se preferimos história ou gameplay a resposta está na ponta da língua, mas os videogames estão cada vez mais simulando o cinema e isso afeta a longevidade de muitos títulos modernos.

Fotografia, sonoplastia e trilha sonora. Esses são alguns dos aspectos que mais são elogiados na indústria dos videogames. Porém, será que não estamos deixando de lado o aspecto mais importante dessa mídia?

Os créditos finais são apenas o começo da aventura

Existe algo chamado de “gameplay loop”. Esse gameplay loop representa as atividades que o jogador faz durante a experiência em repetidas sequências, criando um tipo de gatilho mental e o sentimento de satisfação, tudo para criar a “recompensa” na experiência.

Essa recompensa então passa a ser o principal motivo pelo qual os jogos sobrevivem, ficando assim dependentes de sua gameplay e obviamente de seus jogadores. Um bom exemplo de gameplay loop, seria pular sobre os obstáculos e evitar inimigos no Super Mario Bros até chegar ao final da fase. Mas há alguns anos houve uma mudança de foco.

Tá afim de jogar um filme?

Os jogos mais modernos substituem essas características por técnicas mais realistas, quase uma imitação da vida real dentro dos games. O foco passa a ser a história, os personagens, as situações bombásticas ou os ambientes tranquilos. Tudo está sendo feito para impressionar o jogador sem que o mesmo tenha que fazer muito esforço — Uncharted 4 é um bom exemplo.

Porém essa filosofia de design limita o jogo a uma experiência única e remove toda e qualquer satisfação que os jogadores poderiam ter novamente, transformando a experiência em algo um pouco…controverso.

Veja bem, os jogos que tem foco em sua cinematologia não deixam de ter interatividade, ao invés disso eles se tornam uma espécie de montanha-russa de emoções. Brincar nessa montanha-russa de emoções é opcional, mas toda vez que você fizer uma viajem nela se perde um pouco da emoção, e é nesse momento que o jogo ganha uma espécie de “data de validade”.

Gameplay
Imagem: Arquivo pessoal.

Tick, tick…

Após essa data de validade os jogos podem se tornar apenas boas lembranças dependendo do valor replay, ao passo que toda vez que você joga pode descobrir um erro diferente ou simplesmente perder gosto pela coisa justamente por que as partes mais emocionantes foram vistas mais de uma vez. Isso não acontece quando a gameplay é satisfatória e necessária para uma experiência por que ela é a recompensa por si só.

Mas se existem dúvidas disso, pegue a biblioteca dos seus jogos e lembre-se de cada um deles, os sentimentos que teve, as mecânicas usadas e os erros de design — todo jogo tem pelo menos alguns, quantos deles você jogaria de novo?

Boom!

Speedrunning é um exemplo onde a gameplay sobressai os aspectos cinematográficos, substituindo o espetáculo visual por um espetáculo de execução mecânica. O desafio consiste em terminar qualquer jogo o mais rápido possível usando todos os meios necessários mas sem trapacear. Todos nesse universo praticam por meses a fio por pura competição e prazer ou por algum recorde mundial e na verdade grande parte dos jogos demonstrados em eventos de speedrunning são jogos relativamente antigos e raramente cinematográficos.

Então por que não podemos criar um jogo onde se tem tudo? Onde a gameplay e a cinematologia se alinham e tudo faz perfeito sentido?

Bom, jogos precisam de engenheiros, arquitetos, programadores, animadores, artistas, produtores e muito mais. Tudo isso custa muito tempo e dinheiro, coisa que nem a mais saudável das empresas possui ou não quer ceder. Um jogo blockbuster demora cerca de 2 a 4 anos para ser feito dependendo do nível de detalhes.

E então ficamos com dois lados da mesma moeda, onde interatividade sobrepõe cinematografia e cinematografia sobrepõe interatividade. Independente da sua preferência, todos os jogos deveriam ser como vinho tinto, quanto mais velho melhor. Infelizmente esse não é o caso.

Jogos não tem vinho!

Resident Evil 4, Super Mario 64 e Pac-Man são jogos que sobreviveram e ainda sobrevivem ao teste do tempo, cada um de um gênero completamente diferente e o mais novo deles tendo 17 anos de idade. Nenhum desses jogos tem uma narrativa complexa ou práticas cinematográficas inovadoras, muito pelo contrário, eles são carregados por suas mecânicas que são complementadas pela sonoplastia e visuais únicos. O audiovisual ainda está presente nessas obras, mas o cinema não é o molde e sim a inspiração.

Gameplay
Imagem: Reprodução.

Conclusão

Jogos diferentes geram experiências diferentes. A intenção é criar variedade na escolha dos nossos produtos, sempre com boa qualidade e visão artística.

Mas a autorreflexão é uma das melhores formas de crescermos e nos tornarmos melhores, buscando evolução sempre que possível, e por isso meu texto é uma crítica à indústria de videogames atual, onde quase tudo o que esses jogos estão imitando já foi feito em outro filme, outra série e até mesmo outros livros.

A diferença é que nenhuma dessas outras mídias fazem o que os videogames fazem de melhor — a interatividade.

Se concordou ou discordou com tudo dito até agora, faça uma autorreflexão. Convença a si mesmo de o que está jogando não é uma perda de tempo.