Olá meus Homo sapiens.

Desde semana passada tenho reparado algo nas redes sociais por onde toda a comunidade gamer transita. Tanto faz se é Twitter, Instagram, YouTube, twitch e afins. Algo chamou minha atenção.

Um dos maiores problemas de nossa geração é a desinformação. Enquanto gerações passadas sofriam de pouco ou nenhum acesso à informação, fadados assim à ignorância, a nossa geração é inundada por um excesso de informação. Meias informações, informações erradas, informações falsas e cada dia se torna mais difícil conseguir discernir entre o que é fato, informação, mentira e o que é uma narrativa.

Vendo isso, decidi pôr o controle na mesa e conversar com a comunidade essa semana. Não somos gamers apenas quando estamos jogando, tudo é correlacionado. O que aprendemos na vida vai para o jogo e o que aprendemos no jogo, vai para a vida.

Lembrando que esse é um artigo de opinião, discordâncias e debates são encorajados.

Precisamos falar sobre cancelamento.

1. Primeiro, sabe a quanto tempo existe o cancelamento?

Se sua resposta foi algo sobre geração Nutella ou geração Mimimi, saiba que o cancelamento é muito velho, mais velho que o Brasil por exemplo.

O que entendemos hoje como cancelamento tem algumas origens:

A – Esquiva do auto cancelamento 

Existem períodos de nossas vidas que temos, pessoas ou coisas que nos fazem sentir mal e não importa o quanto tentamos, esse sentimento não dilui. Fazemos então o que todos nos aconselham. Praticamos o DESAPEGO.

Quando terminamos um relacionamento ruim, quando saímos daquele trabalho em que somos infelizes ou paramos de praticar um esporte que não nos satisfaz, estamos cancelando aquilo de nossa vida. Paramos de consumir essas coisas e as retiramos de nossas vidas.


B – Boicote

Muitas pessoas não fazem essa relação. Mas antes de cancelamento virar moda, boicote já estava aí há muito tempo.

Vamos supor que você foi em um restaurante, teve um péssimo atendimento e não pretende ir mais lá. Provavelmente para todos que comentarem do lugar você irá desaconselhar veemente o estabelecimento.

Parabéns! Você efetivamente cancelou aquele local!


C – Internet e Redes sociais

Com o avanço da tecnologia conseguimos propagar nossa voz mais rápido, para mais pessoas, exponencialmente e instantaneamente.

Com um click você é capaz de alcançar milhares de pessoas em poucos minutos. Isso é ao mesmo tempo fantástico e assustador.


Esses são os 3 elementos que constituem o cancelamento:

1- Necessidade de desapego do que não faz bem à pessoa.

2- Boicote efetivando seu poder de compra e liberdade de expressão.

3- Internet, permitindo longo alcance.

2. O cancelamento e as lutas das pautas sociais

Existe um entendimento aceito por muitos que afirma que o cancelamento é um movimento em massa virtual das pessoas que fazem lutas por justiça social.

Isso é uma meia verdade. 

O cancelamento tem essa característica em decorrência do período histórico que vivemos e não o contrário.

Desde o final da década de 90 o mundo tem ganhado possibilidades de focar em inclusão, justiça e equidade social das pessoas que foram historicamente lesadas. Tal ato só foi possível com o longo período sem conflitos, assinatura dos direitos humanos e a própria formação da ONU.

Sem dúvida a inclusão e a justiça social são as causas da nossa geração. Onde tentamos dar a mesma oportunidade para todos e tratá-los da maneira mais igual que conseguimos.

Com tudo isso acontecendo é claro que quando algo como o boicote ganhasse mais espaço para engajamento, a causa adotada seria a justiça social.

O Cancelamento é focado na justiça social porque era isso que a sociedade buscava quando ele chegou no formato atual. Se a busca da sociedade fosse as ideias da igreja por exemplo, o mesmo cancelamento estaria cancelando as pessoas que o cancelamento defende hoje.

Basta olhar para as campanhas de boicotes da Igreja, e perceber que provavelmente o cancelamento estaria agindo de forma similar fosse à sociedade outra.

3. O cancelamento no Brasil

Embora cancelamento já seja bastante difundido no mundo todo, a sua origem não foi no Brasil

E aqui quando adotado ele ganhou características próprias.

O cancelamento teve sua chegada no Brasil em 2017, porém só pegou uma força estratosférica em meados de 2018.

Ele inicialmente seguiu os mesmos moldes do EUA. Onde a internet buscava justiça e responsabilização de pessoas por atos vis.

Se parar para pensar é bem como um vigilante (BATMAN!!).

Em 2018 o cancelamento ganhou um outro molde. Foi notado que parte da popularidade do então candidato à presidência Jair Bolsonaro era em vista as críticas e agressões de opositores. Um apoiador dele falava e opositores contra-argumentam e logo o assunto tinha milhares de pessoas falando sobre isso, além de ajudar no algoritmo das redes sociais.

Então o cancelamento ganhou a perspectiva de “se pararmos de falar, ele perde popularidade”. Inclusive por isso muitos apelidos surgiram, bozo e coiso foram tentativas de interferência no algoritmo da redes.

Após a eleição tanto no Brasil quanto no mundo, infelizmente o cancelamento passou por mais algumas mudanças.

A – Futilidade

Pessoas estavam se cancelando por atos completamente fúteis transformando o cancelamento em um mercado e tática de negócios.


B – Linchamento

Os linchamentos que eram algo que acontecia de vez em quando se tornaram o padrão.


C – Desumanização

Último e mais danoso. A inviabilização das pessoas serem humanas. Seres humanos erram e com os erros aprendem (ou não). O cancelamento tornou o erro em algo abominável que nunca deveria acontecer e nunca tem razão nenhuma para acontecer.

Se você compreendesse que a pessoa errou e que é humana, automaticamente você “passou pano” para a pessoa e está relativizando um crime imperdoável e por isso você é tão errado quanto ela.

4. Vamos cancelar o cancelamento?

Caro Homo sapiens eu lamento lhe informar que é impossível cancelar o cancelamento.

Cancelamento nada mais é do que a liberdade que alguém tem de falar que não gosta e não concorda com algo.

É impossível retirar a cultura do cancelamento sem tirar nosso direito inato de liberdade de expressão.

Se você não gostar de uma coisa ou não concordar com essa coisa, você vai falar para sua bolha, vão provavelmente concordar e cancelar/boicotar essa coisa.

Quando ouvi pela primeira vez sobre a cultura do cancelamento ela explicou: 

Em uma democracia o cidadão comum só tem dois poderes. O poder de voto que exercemos de 2 em 2 anos e o poder de compra. Temos poder.

Se a sociedade não gostar de algo, paramos de consumir esse artigo, divulgamos que não concordamos com o posicionamento. Se muitos aderirem o produto terá que se alterar para as expectativas da sociedade ou enfrentar falência.

Foi o que aconteceu quando o Robinho foi contratado pelo Santos mesmo condenado por estupro. As pessoas não gostaram e falaram, o time não fez nada. As pessoas param então de consumir deles. Com os investidores com medo de retaliação equivalente, retiraram o incentivo financeiro. Quando doeu no bolso o Santos mudou seu posicionamento.

Você pode não ter percebido, mas todo esse caso foi efetivamente um cancelamento.

Então está claro que o cancelamento é um boicote feito na internet com alcance muito maior.

5. Estamos condenados então?

Posto que a possibilidade de cancelamento é uma parte necessariamente de uma sociedade com liberdade de expressão, isso não significa que estamos presos às coisas como elas estão.

Embora o cancelamento não possa ser cancelado ele pode ser alterado para se tornar algo menos nocivo a sociedade e inclusive ser uma adição à conjuntura social.

A – Acabar com linchamento

Nos livrarmos da cultura do linchamento. Diferente do que muitos pensam, cancelamento pode acontecer sem linchamento.

Aconteceu uma injustiça? Pare de consumir o produto, exponha uma vez seu sentimento e depois só cancele, pare de falar mal do produto a cada oportunidade e ficar atrás de fórum para incitar ódio ao cancelado.


B – Possibilidade de redenção

Perceba que cancelamento é feito para ser avaliado múltiplas vezes. Isso significa que o cancelamento é um “senta no cantinho e pensa no que fez” e não um exílio como a maioria parece fazer.

A possibilidade de redenção é essencial para a pessoa ou marca cancelada, ela tem que saber que ainda faz parte da sociedade.

Assim como o sistema carcerário que foi feito para reintegração social de delitos/crimes e não para mandar a pessoa apodrecer.


C – Avaliar a necessidade do cancelamento

3 – entender que muitos cancelamentos são feitos como estratégia de mercado ou de descrédito das pessoas. Identifique se realmente esse cancelamento merece ser cancelado.


Cancelamento é um costume velho com uma roupa nova. Sempre existiu e sempre existirá enquanto houver liberdade de expressão.

Contudo nada impede que ele seja exercido de forma saudável e responsável e cabe a nós isso.

Entenda que todo mundo cancela, não é só um grupo de pessoas. Também devemos perceber que todos passamos pano, pois todos erramos.

A humanidade nos condena a errarmos diversas vezes e isso nos dá possibilidade de aprender. Não se sinta mal em refletir se algo realmente deveria ser cancelado e nem de ter cancelado algo com seu compasso moral, caráter e integridade.

E por favor, não me cancelem!