Nesta segunda-feira (29/1), comemora-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans, seguido pelo Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos (30/1). A HQ “Gênero Queer” de Maia Kobabe, lançada em 2023, é altamente recomendada como uma leitura essencial para enriquecer o debate em torno da teoria de gênero.
Maia Kobabe desencadeou um debate inflamado nos Estados Unidos com seu livro de estreia, que começou a ser criado durante uma aula na faculdade para explicar sua identidade de gênero e sua sexualidade aos amigos. “Gênero Queer” chegou ao Brasil durante o Mês da Visibilidade LGBTQIA+ em 2023, com o objetivo de enriquecer o debate sobre a teoria de gênero e incentivar os jovens brasileiros a terem acesso a narrativas escritas por pessoas LGBTQIA+.
Sobre a obra:
Quando Maia Kobabe nasceu, no fim dos anos 1980, nas imediações de San Francisco, foi identificade como menina. Desencanada e hippie, sua família não parecia se preocupar muito com os códigos de gênero na educação dos filhos. Assim que passou a conviver com outras crianças, Maia notou que nada daquilo que teimava em encaixar seu corpo e personalidade no gênero feminino — roupas, brinquedos, gestos, pronomes — correspondia à sua autoimagem. Por que uma menina não pode nadar sem camiseta?
Na adolescência, Maia percebeu que o seu desejo também não seguia o roteiro-padrão das descobertas sexuais. Sentia uma inexplicável atração por colegas andrógines e não conseguia ficar com ninguém. Esse e outros dilemas da adolescência — Maia não sabia por que “pecisava” raspar os cabelinhos da perna ou usar maiô. Além disso, sentia pânico diante da menstruação e das primeiras consultas no ginecologista. Descobriu tardiamente seu gosto pela leitura (e logo depois se apaixonou pela literatura queer).
Maia saiu do armário duas vezes: primeiro, como bissexual, durante o ensino médio. Mais tarde, na faculdade, como assexual (alguém que não sente ou sente pouca atração sexual por outra pessoa, independentemente de gênero). Queer e não binárie (que não se identifica com o gênero masculino nem com o feminino). Nesta HQ autobiográfica, Maia narra esse processo de questionamento dos padrões de gênero, transição e afirmação, até adotar o gênero queer. Palavra que perdeu seu primeiro sentido, de “não convencional, excêntrico”, para abarcar inúmeras possibilidades.
A premiada graphic novel que narra a educação sentimental e a transição de gênero de Maia Kobabe
Gênero queer percorre cada etapa dessa jornada ao som de David Bowie e One Direction, com muito Tolkien, Harry Potter e fanfics. Em meio a uma profusão de saborosas referências pop e nerds, acompanhamos a educação sentimental de ume jovem na Califórnia da virada do século. Em um ambiente de liberdade nos costumes, efervescência cultural, curiosidade intelectual e profundas dúvidas sobre gênero e sexualidade. Muitas delas, exatamente as mesmas que todes temos na adolescência.
Gênero queer se filia à linhagem das grandes graphic novels de não ficção de nossa época. Assim como Maus, de Art Spiegelman, Persépolis, de Marjane Satrapi, e Fun Home, de Alison Bechdel. Obras notáveis por sua capacidade de levar o leitor a uma jornada de conhecimento de um novo universo cultural.
Linguagem não binária e Prêmios
A pedido de Maia Kobabe, a tradução brasileira, de Clara Rellstab, dedicou um cuidado especial ao uso da linguagem não binária, isto é, sem o uso automático da flexão masculina — como na palavra “todes”, por exemplo.
A linguagem, afinal, é um dos temas principais do livro. Da insatisfação com o tratamento sistemático no feminino, ainda em sua infância, à descoberta do sistema anglófono de pronomes Spivak, que acabou adotando, Maia explica por que palavras erradas ou descuidadas podem ofender. Ao mesmo tempo, elu reconhece como é difícil mudar, na família, entre amigos e na sociedade, práticas tão enraizadas.
A solução que oferece estabelece o tom geral de “Gênero Queer”: corrigir e explicar, com paciência e generosidade, cada escorregão pronominal, para que possamos compreender e utilizar a linguagem não binária no nosso dia a dia.
Desde sua publicação original, em 2020, o gibi de Maia Kobabe abriu cabeças, se tornou best-seller — as diferentes edições já lançadas superam os 100 mil exemplares vendidos — e recebeu prêmios: ganhou o Alex Award, concedido pela ALA, a Associação Norte-Americana de Bibliotecas, e foi finalista do Stonewall Book Award, que premia narrativas LGBTQIA+.