Uma greve de roteiristas em Hollywood prevista para ocorrer após o dia 1º de maio pode interferir em produções de cinema e streaming. A medida foi aprovada em uma votação nesta segunda-feira (17), que terminou com 97,85% de aprovação, de acordo com o THR. A aprovação foi um recorde histórico.

Os negociadores do sindicato dos roteiristas dos EUA (WGA) devem convocar a greve caso as negociações contratuais fracassem. A movimentação visa pressionar empresas como Netflix e Walt Disney Co a aumentar os salários dos roteiristas. Os profissionais argumentam que são prejudicados pela revolução do streaming, que resultou em temporadas mais curtas, pagamentos menores e maior instabilidade.

O motivo da greve

Se antes as séries costumavam possuir mais de 20 episódios por temporada, agora este número caiu para 10. No formato antigo, os profissionais possuíam emprego para 10 meses ao ano, com uma pequena pausa para férias. O modelo atual garante o salário por apenas três ou quatro meses, fazendo com que eles pulem de projeto em projeto. Além disso, os roteiristas possuem direito a pagamentos residuais, com parte dos lucros que a produção obteve com vendas em DVD, afiliadas de TV, para outros países, e etc.

No entanto, com o streaming, as produções permanecem presas em uma mesma plataforma. Isso exclui outras opções de exploração e faz com que os pagamentos posteriores praticamente deixem de existir. Por isso, a ideia dos sindicatos é aumentar os valores de pagamentos residuais ou compensá-los dentro da nova realidade. O sindicato ainda exige tamanhos mínimos de equipes de roteiristas.

Diversos grevistas carregam cartazes preto e vermelho com os dizeres "Writers Guild of America on strike".
Em 2007, a greve da WGA durou mais de cem dias. – Foto: REUTERS/Chris Pizzello/File Photo

Para entender

Nos Estados Unidos, a cultura leva sindicatos a sério e praticamente todas as produções precisam contratar profissionais que se filiam a estas instituições. Os sindicatos fecham acordos coletivos com as companhias que produzem conteúdo audiovisual, representados pela Aliança dos Produtores de Filmes e Televisão (AMPTP, em inglês). São contratos que estipulam salário mínimo, condições de trabalho, seguro saúde e outros direitos. Em 2023, expiram os contratos com três destes sindicatos, sendo o primeiro com a WGA, que termina no dia 1º de maio.

A última greve do WGA, em 2007 e 2008, durou 100 dias. As redes de TV transmitiram reprises e mais reality shows, enquanto o custo da paralisação para a economia da Califórnia foi de aproximadamente $ 2,1 bilhões, de acordo com o Milken Institute. Caso a greve ocorra, os roteiristas ficarão sem receber durante todo o tempo em que ficarão paralisados.

Os roteiristas e produtores realizam reuniões desde março deste ano e tudo indica que estão longe de um consenso. Em julho de 2020, quando a AMPTP e o WGA assinaram o último contrato, a decisão ocorreu horas após a expiração do documento. Na ocasião, a indústria estava se preparando para retomar os trabalhos pós-pandemia e, em caso de greve, os roteiristas ficariam malvistos. Por esse motivo, abriram mão de diversas exigências. Entretanto, estão mais firmes agora.

Apesar de ser bem provável, a aprovação da greve não necessariamente significa que ela ocorrerá. Em 2017, os sindicatos aprovaram outra paralisação com 96% dos votos, mas voltaram atrás após um acordo firmado antes da data limite.

Uma foto da Ellen DeGeneres à esquerda e uma do Jimmy Fallon à direita.
Os talk shows serão os primeiros a ser impactados pela greve, caso ocorra. – Fotos: Reprodução.

Os impactos da greve

A última greve do WGA ocorreu em 2007, durou cem dias e provocou o encurtamento de temporadas de séries como Breaking Bad, The Big Bang Theory, How I Met Your Mother, House e The Office. Para os estúdios, o período marcou um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões. Em 2023, as primeiras produções afetadas devem ser as de talk shows. Filmes e séries roteirizados atrasarão apenas se a paralisação se estender, uma vez que os roteiros são feitos com antecedência.

Para os streamings, o impacto pode até ser posisito. Até meados de 2022, havia um verdadeiro boom, fazendo com que os grandes grupos investissem pesado em encomendar e lançar muitas produções caras, mesmo se a conta não fechasse. Os resultados negativos da Netflix, a inflação e o medo da recessão mudaram esse cenário. Atualmente, a prioridade é focada em mais receitas e menos gastos, fazendo com que empresas como Warner Bros e Discovery começassem a cancelar filmes e séries já encomendadas e até quase completas.

Mesmo assim, o calendário de lançamentos de 2023 está cheio, desacelerando apenas em 2024. Além disso, uma boa parte do pagamento dos estúdios para os produtores ocorre apenas quando o produto está completo. Um atraso no cronograma adiaria o prazo de pagamentos dessas produções e ainda justificaria renegociações em contratos por motivo de “força maior”. Com isso, os streamings não apenas ganham um respiro financeiro, como também uma forma de redirecionar a raiva dos fãs a outro culpado – nesse caso, a greve.