Vídeo Games sempre fizeram parte da vida de todos os que se deixaram tocar por eles. Seja você hétero, seja você gay. Eles foram parte intrínseca da construção de muitos, em retorno também desenvolveram a sociedade e como ela se reconhece.
Sendo assim, qual é a história dos LGBTQIA + nos jogos? Será que ela se reduz a Ellie e Max? Como a cultura queer cresceu nesse universo nerd o qual por muito tempo segregou aqueles que não eram homens, heteros e brancos?
Sempre existiu uma tentativa forte de apagar LGBQIA+ da narrativa, história e sociedade. Apesar da adversidade e principalmente por ela, eles sempre resistiram, onde quer que estivessem. Hoje vamos saber um pouco mais dessa jornada.
Em 2018, um artigo escrito pela escritora Sam Greer, levantou que até aquele ano existiam 179 jogos com algum personagem LGBTQIA+. Esse número pode parecer muito , mas considerando quantos jogos foram lançados desde a década de 70 e quantos são lançados todos os anos, não são tantos. Outro fato interessante é que desses 179, apenas 83 são jogáveis e apenas 8 são o protagonista do seu jogo (jogos que o jogador pode escolher a sexualidade não contam).
Mesmo assim vamos precisar fazer um recorte dessa jornada com os mais importantes, caso lembre de um personagem LGBTQIA+ seu querido que eu não citar, fale dele nos comentários. Nessa parte um citamos alguns jogos e personagens de jogos até 1997.
Sempre estivemos lá, mas assim como na sociedade, por muito tempo fomos obrigados a nos esconder…
Embora a ascendência da popularidade de games tenha acontecido na década de 1970, ainda iria demorar 10 anos para personagens lgbtqia + aparecerem. A primeira representação documentada que se tem notícia são os jogos da desenvolvedora francesa Froggy Software, “Le crime du parking” e “Le mur de Berlin va sauter” de 1985. Em ambos os jogos o personagem LGBTQIA + era um homem gay e também o vilão do jogo. No primeiro o vilão era um costureiro que vendia drogas e no segundo era um terrorista de esquerda que queria derrubar o muro de Berlin (e tá errado?).
Como em muitos locais, a representação da diversidade nos jogos apareceu primeiro em forma de deboche, ridicularização, perversão e degradação, às vezes todos. Esse fenômeno também é bem comum com a entrada dos lgbtqia + em outras mídias como TV, cinema, livros e muitos outros.
A sociedade conservadora dos séculos anteriores era muito focada em manter um padrão na construção social e qualquer coisa que saísse desse padrão deveria ser repudiado. Todos tinham seus papéis e comportamentos dentro de caixas pré-fabricadas. Por isso não só jogos de inclusão lgbtqia+ foram um choque grande, jogos com protagonismo feminino como Metroid também causaram estranhamento na sociedade de sua época, pois tiravam a dependência que a mulher supostamente tinha do homem, que era o normal para aquela sociedade.
Em 1986 apareceu a primeira personagem lésbica, a qual não era o papel de antagonista. No jogo Moonmist Vivian Pentreath viveu um romance com uma personagem que era noiva de um Lord Jack.
A primeira personagem transgênera nos games teve sua estreia em 1988 em nada mais, nada menos do que Super Mario Bros. 2. No manual do jogo existia uma descrição sobre ela que falava “Ele pensa que é uma garota […] Ele prefere ser chamado de Birdetta.”. A descrição foi retirada de jogos futuros, mas independente da frase ser transfóbica em seu próprio mérito, ela também é uma prova a qual afirma que Birdo é Transgênera.
Porém foi em 1989 que o mundo conheceu sua primeira protagonista LGBTQIA +. Caper in the Castro foi um jogo point and click de mistério onde o protagonista era uma detetive lésbica chamada Tracker McDyke com o objetivo de encontrar sua amiga Drag Queen sequestrada de nome Tessy LaFemme.
O jogo foi desenvolvido em seis meses, originalmente lançado para computadores Mac e distribuído gratuitamente em sistemas de BBS como charityware para arrecadar dinheiro para a epidemia de AIDS. A criadora disse que estava encantada com a comunidade LGBT e queria dar para ela algo de volta.
CM. Ralph, entrevista em pasta
Em 1988, eu me mudei do sul da Califórnia para a área da baía de São Francisco. Fiquei muito impressionado e grato pela liberdade da comunidade LBGT aqui em comparação com o que vivi em SoCal. Eu queria retribuir à comunidade e também criar uma maneira de arrecadar dinheiro para a AIDS Charities
Em 1992 estaria surgindo o RPG chamado GayBlade e seu objetivo era lutar contra hordas de homofóbicos que iam de Rednecks a skinheads. Durante o primeiro momento da inclusão LGBTQIA+ nos video games a maioria dos personagens tinham duas personalidades, o discreto e o estereotipado.
Os apagamentos dos LGBTQIA+ nos vídeos games eram sistêmicos, todas as formas possíveis de evitá-los eram adotadas. Em 1993 no jogo Streets of Rage o antagonista Ash que era afeminado e vestia couro foi completamente retirado da versão americana dos jogos. A palavra homosexual só apareceu nos jogos em 1995 no jogo The Orion Conspiracy, outros personagens eram simplesmente escondidos no plano de fundo e muitas conversas eram simplesmente deixadas da forma mais ambígua possível.
O ship gay sempre foi comum em muitas mídias para o LGBT e vídeo game não foi diferente. Era comum para o LGBT por falta de representatividade e visibilidade fazer uma fanfic na cabeça, imaginando amigos muito próximos como casal ou idealizando um personagem como gay. Quando você não se vê na sociedade, é comum a necessidade de se imaginar nela. Em diversos casos LGBT foram deliberadamente retirados como já vimos.
Outro exemplo disso foi Earthbound de 1995, o personagem Tony tinha uma amizade muito próxima de seu colega Jeff, o qual ele ajuda escapar do internato para Jeff poder ajudar o jogador a salvar o mundo. Mais adiante no game Tony é sequestrado e quando o encontramos ele está repetindo o nome de Jeff. Anos após o lançamento, o criador do jogo disse “Eu criei ele para ser uma criança gay”.
Algo muito interessante para se perceber seria que os EUA e Japão tinham cada um a sua maneira de mal representação LGBTQIA+ nos video games. Enquanto os EUA simplesmente ignoravam e retiravam os LGBT de vista a qualquer custo, o Japão criou vários personagens, porém, sempre estereotipados e feitos de forma ridícula.
Atualmente, enquanto os EUA amadureceram muito em questão de representatividade e inclusão de minorias sociais, o Japão continua com o mesmo hábito de criação de personagens estereotipados. Não existem problemas de existirem personagens assim, porém, quando só se tem um arquétipo você desenvolve dentro da sociedade uma percepção social dos grupos, enforcando assim o preconceito.
Algo muito similar foi feito na Disney. Durante muitos anos, ela criou personagens com características Queers que eram vilões. Existirem personagens “queers vilões” não é um problema, mas é um problemas APENAS existirem personagens queers vilões.
Na parte 2 vamos ver como tudo mudou em 1998 com o primeiro casamento LGBTQIA+ da historia dos games.