Na noite de ontem, 27, durante a cerimónia do Oscar, Chris Rock fez uma piada sobre a aparência de Jada Pinkett Smith e o fato dela estar com os cabelos raspados, o que fez com Will Smith agredisse o comediante com um tapa no rosto, com o intuito de defender a esposa.
Muito se fala sobre a agressão do ator Will Smith contra o comediante, contudo, se esquecem da violência que a principal vítima, Jada, sofreu. No Brasil a violência não é apenas física: no Art. 7° da Lei Maria da Penha, são enumeradas algumas das formas de violências que as mulheres podem sofrer. Assim, são elas a violência física, psicológica, sexual, patrimonial, sexual ou moral.
No contexto da lei brasileira, a atriz foi vítima de uma violência psicológica; que se entende como “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento”. Portanto, a situação de Jada configura constrangimento, humilhação e ridicularização, que causam prejuízos à saúde psicológica e à autodeterminação da vítima.
A agressão vinda de um homem que ridiculariza uma mulher ao vivo em um evento de grande escala como o Oscar, por não seguir os padrões estéticos femininos sociais esperados (devido a uma doença – a Alopecia) gera impactos na saúde mental da vítima que vão além do constrangimento do momento.
A Alopecia
Sendo uma pessoa pública, Jada Pinkett já havia dado uma declaração sobre sua condição. Em 2021, ela publicou um vídeo em seu Instagram contando o diagnóstico de Alopecia:
“Cheguei ao ponto em que só posso rir. Vocês sabem que eu tenho lidado com a alopecia e, do nada, apareceu essa falha aqui. Ela veio do nada e vai ser mais difícil de esconder. Então, achei melhor mostrar para todos, para não surgirem dúvidas”, disse.
O tipo de condição enfrentado pela atriz é a Alopecia areata. Essa doença autoimune faz com que o próprio sistema do corpo ataca os folículos capilares, provocando a queda de fios na região central da cabeça. Não existe uma cura para a condição, mas há tratamentos. Por isso, assim que identificados os sintomas, deve-se consultar um dermatologista para que as causas sejam identificadas e o tratamento seja iniciado.
Violência com machismo
De acordo com a psicóloga Bruna Oliveira Rungue, a questão do padrão estético que faz com que o Chris Rock e outros se sintam na liberdade de julgar a aparência de uma mulher é o mesmo padrão que faz com que diversas pessoas desenvolvam transtornos alimentares e voltados para a aparência.
A pressão estética é presente na vida de todos, especialmente dos jovens e das mulheres e principalmente das mulheres acima do peso e negras. Segundo dados do NIHM (The National Institute of Mental Health), a maior organização de pesquisa do mundo especializada em saúde mental, a Disforia de Imagem e Transtornos Alimentares, afetam cerca de 70 milhões de pessoas no mundo hoje.
Então, para atingir esse padrão estético que é reforçado na mídia, muitos acabam desenvolvendo uma série de problemas de saúde mental e física. Além disso, o índice de mortes causadas por esse tipo de transtorno é entre 18% e 20%, sendo (mundialmente) mulheres entre 15 e 24 anos, as principais vitimam de mortes relacionadas a Anorexia.
O cabelo — ou a falta dele — ganha um destaque no papel social da mulher. De acordo com Bianca Santana, Mestra em Educação pela Universidade de São Paulo, em seu artigo “Mulher, cabelo e mídia”, ela considera que “o cabelo ocupa uma posição central na sociabilidade feminina. Assim, a imprensa e a publicidade influenciam na percepção, subjetividade e estratégias das mulheres para lidarem com o próprio cabelo.
Por ser tratar de uma pessoa pública e consciente dos padrões impostos, as consequências por não se encaixar nesse padrão vem em forma de julgamentos de terceiros. Além disso, por ter a doença, a atriz sequer teve possibilidade de escolher se teria seu cabelo longo ou não, o que é um agravante.
O que vem após o acontecimento
Além do constrangimento vivido no minuto do ocorrido, as consequências do evento vão além do momento gravado pelas câmeras. Segundo a psicóloga, “Pensar na repercussão e as discussões que estão sendo levantadas sobre sua aparência e sua doença, pode gerar mais sofrimento”. Por mais que Jada Pinkett já tenha ido a público falar sobre sua condição, o contexto atual é sobre a piada com sua aparência e o tapa que seu marido deu no comediante em sua defesa.
A situação pode abrir um debate sobre esse padrão estético que se espera de uma mulher, e a causa da situação: a piada. Qual é o limite do humor e onde ele ultrapassa a liberdade de expressão e atinge a vida e a honra do alvo?