Junji Ito é o principal autor que surge na minha cabeça quando me refiro a exímias obras de horror. O mangaká possui uma longa lista de títulos escatológicos, alguns bem escritos e outros nem tanto – que me fazem pensar sobre o real motivo de estar lendo aquilo mesmo que imerso na leitura. Em Uzumaki, talvez um dos títulos mais famosos do autor, Ito me fez enxergar espirais durante uma semana. Sem qualquer exagero. Por isso, nesse halloween, resolvi entrar de cabeça em um texto extremamente pessoal sobre Junji Ito e o fascínio pelo horror. Prepare o balde para o vômito, os adereços religiosos ou qualquer outro artifício para espantar os demônios oriundos das histórias — e também os agiotas de almas.

Conhecendo Junji Ito

Publicado em 2017 pela DarkSide® Books, editora especializada em obras de terror, “Fragmentos do Horror” foi a minha primeira leitura e contato com o autor. A obra antológica é uma ótima porta de entrada para pessoas que buscam conhecer a mente doentia – e criativa – do mangaká de horror. Porém, confesso que a minha compra foi, primeiramente, pela capa. Uma releitura extraordinariamente curiosa de “O Grito”, do pintor norueguês Edvard Munch, da qual sou fã. A figura andrógina de Munch dá espaço a um dos protagonistas dos contos contidos no mangá, o Tomio de “Gola Rulê Vermelha”. Além disso, existem outros easters eggs espalhados pela capa. 

O mangá possui oito contos em seu conteúdo: Futon, Monstro de Madeira, TomioºGola Rulê Vermelha, Suave Adeus, Dissecação-chan, Pássaro Negro, Magami Nanasuke e A Mulher que Sussura. Nessas oitos histórias, Ito caminho do imaginário popular relacionando fobias e medos peculiares com narrativas que seriam dignas de adaptações cinematográficas, como Magami Nanasuke. 

Nela, acompanhamos a história de uma fã que sonha em conhecer sua escritora favorita. No entanto, o que ela não imaginava, é que seria fruto de uma nova história — e que, diga-se de passagem, não tão confortável como a fã imaginava. 

O fascínio pelo horror em Uzumaki

Um dos pontos que me faz pensar o real motivo do sucesso do mangaká é seu modo de contar uma história. Ao contrário dos contos de terror comuns, Ito utiliza nossos medos conscientes e inconscientes na construção de suas histórias. Por exemplo, em Uzumaki, acompanhamos a jovem Kirie Goshima, residente de Kôruzu. Ainda no início da obra, ela nos apresenta a complexidade de casos bizarros que acontecem dentro das redondezas de Kôruzu — e quando diga bizarros, me refiro a pessoas sendo transformadas em caramujos e uma constante obsessão por espirais. 

Divulgação: Uzumaki, Junji Ito

No decorrer das mais de 600 páginas, encontramos um amplo estudo sobre o gênero de horror com um ponto central: os espirais. Ito transforma uma premissa aparentemente simples, em algo cíclico e assustador. Além da premissa inicial, descobrimos acontecimentos que vão desde, como já citado, pessoas sendo transformadas em caramujos até fios de cabelo criando vida própria e batalhando entre si em formas de espirais. 

Ah, vale lembrar que essas pessoas transformadas passam a viver em um cercado na escola de Kirie, como meros animais de estimação. Bizarro, né? 

Tomie e o nosso inconsciente repressivo   

Sigmund Freud (1856-1939), neurologista e psiquiatra, conhecido como fundador da psicanálise, é um ótimo autor para correlacionar com Tomie. Freud nos apresenta o inconsciente que, resumidamente, serve como reservatório de nossos processos psíquicos reprimidos — onde estão alojados memórias, pensamentos e traumas inacessíveis. 

Esses pensamentos podem surgir como neuroses obsessivas quando reprimimos fortemente pensamentos sexuais ou de teor satisfatório que, para nossa psique, demonstra a fuga do normal. Ou seja, tudo o que reprimimos por medo ou vergonha de não seguir um padrão imposto pela sociedade.  No mangá, Tomie sempre é ligada a um desejo profundo de um personagem — muitas vezes ligada a uma vontade sexual. Seja para o artista que busca a musa perfeita e, quando encontra Tomie, se vê em uma obsessão fora de controle ou para o fotógrafo que busca entender a diferença dela perante suas modelos. Ela sempre é ligada a um desejo que, posteriormente, transforma-se em um assassinato com requintes de crueldade. 

Divulgação: Tomie, Junji Ito.


É interessante pensar sobre quando trazemos a discussão sobre o machismo para a obra, uma vez que, pela repressão, a sociedade japonesa acaba migrando suas vontades para animes e mangás. Não é atoa que você encontra fácil hentais com monstros subjugando protagonistas inocentes. Em Tomie, não sabemos se ela é o fruto dessa repressão transcrita para a realidade, uma sucubus, um fantasma ou um ser de outra dimensão. A única coisa que sabemos é que Tomie levará a loucura quem encontrá-la.

Leia Junji Ito 

As obras de Junji Ito são um prato cheio para quem busca adentrar ao horror puro. Porém, para pessoas mais sensíveis, fica o aviso: você terá que lidar com cabeças voando, muito musgo e texturas pegajosas, corpos em decomposição, zumbis, bruxas sem partes do corpo, animais antropomorfizados, entre outros. O fascínio pelo horror de Junji Ito na sua melhor forma.

Arquivo Pessoal


As histórias curtas, os traços apáticos e a construção de cenários de Ito nos mostram que não é preciso um jumpscare ou uma trilha sobreposta para uma boa história de terror ou horror. Basta estar atento ao obscuro que circunda nossos medos, fobias e tudo que nos rodeia. Nesse halloween, leia Junji Ito e aproveite para adentrar essa legião de fãs do mangaká — e também ficar perturbado por espirais e peixes com pernas.