Em “Mistura Homogênea”, com participações especiais, Martinho junta a família. O compositor cruza rap com samba rural e sonha com mundo de união e respeito às diferenças.
Ao mesmo tempo, Martinho da Vila lembra pouco do que aprendeu no curso de auxiliar de química industrial que fez no Senai na adolescência.
Entretanto o que sobreviveu em sua memória — como tudo que se planta na cabeça de um poeta — virou poesia. Sendo assim, é dessa época que ele resgata a ideia de “mistura homogênea”, termo que batiza o disco que lança agora, aos 84 anos.
Dessa forma, Martinho afirma que é provável que seja seu último no formato. À medida que ele pretende continuar gravando, mas lançando apenas singles, canções isoladas.
Na química, “mistura homogênea” é uma mistura na qual não se consegue perceber diferença entre as substâncias que a compõem — água com açúcar, por exemplo.
Logo, nas mãos de Martinho, “Mistura homogênea” (Sony Music) é um encontro sem fronteiras definidas entre poesia e música, entre rap e partido alto.
Um encontro entre brancos e negros, entre samba rural e samba-enredo, entre reza e festa.
Além disso, há um time de participações especiais que vão de Zeca Pagodinho ao rabino Nilton Bonder, de Djonga a Hamilton de Hollanda, além de filhos e netos do compositor.
Assim, mais do que um caminho estético, a proposta é a afirmação de um princípio para Martinho:
— A mistura é a solução — crava sem pestanejar o compositor. — Na minha família, os Ferreira, tem umbandista, candomblecista, evangélico, católico… A gente se reúne todo ano. Cada um leva uma comida, a gente bebe, come, canta, reza. Todo mundo junto. Manda um cântico protestante depois da umbanda, é assim que tem que ser.
A química de Martinho
A certeza anterior baseou “UNIDOS E MISTURADOS”, canção que abre o disco e que serviu de estopim para Martinho idealizá-lo.
Dessa forma, com participação de Teresa Cristina, a música lançada como single em 2021 é uma ode à força da união em nome do bem.
De mesmo modo, a dupla propõe juntar os bons pra fazer um roçado. Pra quê? Cortar as ervas daninhas, “tais como as quais que estão lá no cerrado” — referência malandra à turma que ocupa o Palácio do Planalto hoje.
Ao mesmo tempo, a poesia é elemento fundamental na química do álbum. Isso se reforça com “DOIS AMORES”, que reúne Martinho, Hamilton de Holanda e a escritora moçambicana Paulina Chiziane.
Além disso, a parceria anterior de Martinho com João Bosco, “ODILÊ ODILÁ” serve de alegre cenário para o encontro de Martinho com seus netos Raoni Ventapane e Dandara Ventapane.
Ao mesmo tempo que prepara o terreno para a grande reunião familiar em torno do patriarca.
Dessa forma a reunião é em “CANTA, CANTA, MINHA GENTE! A VILA É DE MARTINHO”, samba-enredo da Vila Isabel para o carnaval de 2022, em homenagem ao compositor.
Logo, estão na gravação seus filhos Mart’nália, Tunico, Analimar, Martinho Antônio, Maíra, Juliana, Alegria e Preto, além dos netos Raoni e Dandara.
Da mesma maneira, em gravação como se fosse na Sapucaí o samba tem direito a anúncio do locutor, fogos de artifício na abertura e participação da bateria da Vila (sob batuta do mestre Macaco Branco).
O samba descreve Martinho, de um lado o “profeta, poeta, mestre dos mestres” e de outro o que vai “pela 28, chinelo de dedo”.
Antes da despedida, entram ainda citações a sambas clássicos que Martinho levou à Avenida, como “Glórias gaúchas”, “Quatro séculos de modas e costumes” e “Sonho de um sonho”. Deste, Martinho tira as palavras que dão o toque final à “Mistura homogênea”: “Sonhei, sonhei”. E — o álbum confirma mais uma vez — segue sonhando e materializando sonhos em melodia e poesia.